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Notificação

Uma ferramenta para acompanhar a epidemia em São Paulo

Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, um dos principais da capital para internação por Covid-19: UTI no limite de sua capacidade

Léo Ramos Chaves

Pesquisadores do Observatório Covid-19 BR estão usando os dados de internações por Covid-19 realizadas no município de São Paulo para estimar o número de casos graves na população da capital. Essa é uma informação importante para que o sistema de saúde se prepare adequadamente para atender à demanda por leitos. Esse dado, porém, é difícil de obter. O protocolo de vigilância epidemiológica adotado pelo Brasil recomenda que se testem prioritariamente os casos graves, que em geral exigem internação hospitalar, além de profissionais da saúde e mortos com suspeita da infecção pelo novo coronavírus. Há, no entanto, uma defasagem entre a realização dos testes e a inclusão de seu resultado nos bancos de dados do município. “Por melhor que seja, qualquer sistema de vigilância tem algum grau de atraso no processamento dessas informações”, explica o ecólogo Paulo Inácio Prado, especialista em modelagem estatística do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e integrante do Observatório Covid-19 BR.

Entrevista: Paulo Inácio Prado
00:00 / 23:35

Para contornar o problema, a equipe do Observatório, um consórcio que reúne cerca de 40 participantes de uma dúzia de instituições de pesquisa no Brasil e no exterior, começou a empregar uma técnica estatística chamada nowcasting. Ela usa o tempo médio gasto entre a apresentação dos primeiros sintomas, a ida ao hospital, a testagem, a internação e a chegada dessa informação ao sistema de vigilância para projetar o número de casos graves no município.

Com base nessa estratégia, calcula-se que, entre 12 e 18 de abril, havia na cidade de São Paulo, em média, mil casos graves a mais do que o total de pessoas internadas, segundo estimativa feita por pesquisadores do Observatório Covid-19 BR para a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (ver gráfico acima). Um exemplo: os dados oficiais registravam que até 15 de abril 3.693 pessoas haviam sido hospitalizadas na cidade em decorrência da infecção causada pelo vírus Sars-CoV-2. Pelas estimativas dos pesquisadores, porém, até aquela data haveria um total de 4.719 casos graves (1.026 a mais) no município – parte deles já internados, mas ainda não notificados. Em 22 de abril, levava nove dias entre a manifestação dos primeiros sintomas da infecção pelo novo coronavírus e a chegada dessa informação ao sistema de vigilância epidemiológica da cidade de São Paulo. “Temos produzido relatórios internos que, depois de passar por um comitê científico, seguem para o primeiro escalão da Prefeitura, para auxiliar na tomada de decisões”, conta Prado, que integra o Grupo Técnico de Assessoramento em Epidemiologia e Modelagem Matemática Covid 19 da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo.

“Até 20 de março, o número oficial de casos [1.231] no município era muito parecido com o apontado pela ferramenta de nowcasting [1.254]. A partir desse ponto, as curvas no gráfico começam a divergir, indicando que o número de novos testes realizados havia ultrapassado a capacidade de processamento do sistema de saúde”, relatou o físico Vítor Sudbrack, aluno de mestrado no Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp) sob a orientação de Roberto Kraenkel, à Agência FAPESP. Assim como Prado, Sudbrack também faz parte do Observatório Covid-19 BR.

Os cálculos do Observatório Covid-19 BR sugerem que, ao menos na capital, o ritmo de dispersão do vírus Sars-CoV-2 parece estar arrefecendo. O tempo de duplicação de casos hospitalizados passou de 2,8 dias em 15 de março para 30 dias em 21 de abril, indicando que o problema avançava mais devagar. “Esse dado deve ser visto com cautela porque, apesar da redução no ritmo de notificação de casos graves de Covid-19, há um crescimento rápido das internações por síndrome respiratória aguda grave [Sars], que se acumulam como casos em investigação e podem ou não ser Covid”, explica Prado. Outro fator que recomenda prudência nessa análise é que a duração das internações por Covid-19 ou Sars é longa. Metade das pessoas permanece ao menos 11 dias no hospital, o que sobrecarrega o sistema.

Desde o início da epidemia do novo coronavírus no Brasil, o Observatório Covid-19 BR usa dados oficiais para acompanhar a evolução da doença no país. Uma das primeiras estimativas do grupo foi o cálculo inicial de um dos parâmetros que descreve a fase de crescimento acelerado da epidemia: o tempo de duplicação do total de casos, que era de cerca de 2,5 dias em meados de março. Tomando como base as informações do município de São Paulo, a física e bióloga Flávia Marquitti, integrante do Observatório e atualmente pesquisadora em estágio de pós-doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), estimou o que teria ocorrido com a rede hospitalar da capital caso medidas de distanciamento social não tivessem sido adotadas e a epidemia seguisse avançando no ritmo inicial. Em apenas 18 dias, todos os leitos comuns e de UTI da cidade teriam sido ocupados apenas por pessoas com Covid-19 e o sistema de saúde do município teria entrado em colapso (ver gráficos acima e abaixo).

Outro parâmetro que indica a velocidade de dispersão da doença também apresentou uma possível melhora: o número reprodutivo efetivo, conhecido pela sigla Re, que indica a média de pessoas que podem ser infectadas por uma pessoa contaminada com o vírus.

Em 15 de março esse número era 2,8 no município de São Paulo e indicava que cada pessoa infectada com o Sars-CoV-2 transmitia o vírus, em média, para quase três outros indivíduos – um sinal de que a epidemia avançava em ritmo acelerado. Por volta de 1o de abril, esse número baixou para um valor próximo de 1 e se manteve nesse patamar pelas duas semanas seguintes (ver gráfico). Esse dado indica uma estabilização na velocidade de progressão da doença, que continuaria a crescer em ritmo constante, e não mais acelerado. O Re é um parâmetro que os epidemiologistas acompanham para saber o ritmo de avanço de uma epidemia: acima de 1, ele indica espalhamento acelerado; igual a 1, mostra que progride em ritmo constante; e abaixo de 1, que o número de casos novos está desacelerando.

Apesar de promissor, esse dado deve ser avaliado com cuidado, afirmam os pesquisadores. O cálculo do Re é complexo e leva em consideração dados que ainda não são bem conhecidos, como o tempo entre uma pessoa ser infectada e apresentar sintomas e transmitir para outra. “Os dados dão sinais animadores, sugerindo que o isolamento social esteja funcionando”, afirma Prado. “No entanto, esse possível sucesso indica que é preciso ter cautela e manter ou até intensificar o isolamento, para não se perder o que conseguimos com muito sacrifício. Países que relaxaram essas medidas antes da hora enfrentaram o retorno da epidemia”, conclui.

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