Imprimir PDF Republicar

Resenha

Uma nação com alma de igreja – Religiosidade e políticas públicas nos EUA

Se na Europa igrejas viram museus, nos EUA cinemas viram igrejas

Em novembro de 2004 estava pesquisando nos arquivos da Família Rockefeller e tive a oportunidade de acompanhar a campanha e a reeleição de George W. Bush. Uma forte base da propaganda era o apelo religioso de W. – forma como Maureen Dowd, a colunista do New York Times, até hoje grafa o nome do ex-presidente. Numa vinheta do Partido Republicano, transmitida por várias estações de rádio, ouvia-se a voz de Pat Robertson falando do principal motivo para votar em George Bush: “Ele” podia falar diretamente com Deus. Pat Robertson, para quem não sabe, é um pastor tele-evangelista de grande audiên­cia nos Estados Unidos. Enquanto na Europa as igrejas estão se transformando em museus e casas de espetáculos, nos Estados Unidos os cinemas e casas de espetáculos vêm se transformando em igrejas. Pelo menos até a eleição de Barak Hussein Obama. É sobre tudo isso que o livro or­ganizado por Carlos Eduardo Lins da Silva trata. Com introdução do falecido professor Gilberto Dupas e seis capítulos de vários autores – entre eles o próprio organizador – ficamos sabendo, por exemplo, que o título foi emprestado de Chesterton, o mordaz escritor inglês. Ficamos sabendo tam­bém por que, nos Estados Unidos, é possível um fenômeno como Pat Robertson, mas continuamos intrigados com a eleição de Obama. A introdução de Dupas instrumentaliza teoricamente o leitor para acompanhar os ensaios esclarecedores que compõem o livro e afirma que a eleição de 2008 representa o começo de um novo capítulo da relação entre religião e política nos EUA. Carlos Eduardo é o autor de dois capítulos intitulados “Barak Obama e a pós-religiosidade americana” e “Do alto da colina: religião e política na história dos Estados Unidos”. O que ficou evidente na eleição de 2008 foi que, pela primeira vez, um negro foi eleito presidente da nação mais racista que se conhece. Mas o que passou despercebido foi que, além de negro, Obama foi o primeiro presidente que não foi criado por uma família cristã nos moldes tradicionais americanos. Duas exceções que, segundo Carlos Eduardo, deixam a população branca conservadora dos Estados Unidos em constante estado de tensão. Religião e política interagiam, mas atuavam cada uma no seu nicho. Não havia exatamente um projeto de transformar crenças em políticas públicas. Isso começou realmente a mudar em 1973, quando foi aprovada a lei que garantiria o aborto como um direito fundamental da mulher. A partir daí, formou-se um poderoso lobby contra o aborto. O país ficou dividido, como numa nova guerra civil: a favor e contra o aborto. A eleição de Barak Obama só acentuou a divisão. Os americanos sempre se reinventaram. Se a direita cristã foi se alojar no Partido Republicano, depois de 1973, a eleição de Obama só engrossou as fileiras dos republicanos. Em especial os batistas do sul. O terceiro capítulo, “Formação, crescimento e apogeu da direita cristã nos Estados Unidos”, de Ariel Fengerut, dá continuidade aos aspectos abordados pelo capítulo anterior. O autor lembra que a direita cristã, depois da lei de 1973, pressionou para mudar o perfil da Suprema Corte, ganhando força. Uma direita intelectualizada, na maioria composta por judeus (Saul Bellow, Paul Wolfowitz, William Kristol, entre outros) que colaboram com o governo Ronald Reagan, inaugurou a corrente dos neoconservadores. O notável é que esse grupo acaba dando uma alma teórica à direita cristã. Kristol é o criador do termo neoconservador. O principal alvo do grupo é a sociedade do bem-estar e o liberalismo. “O impacto do 11 de Setembro sobre política, religião e sociedade nos Estados Unidos” (capítulo 4), de Alessandro Shimabukuro, trata da radical mudança do projeto de Bush com os ataques. Os atentados uniram a nação americana como um novo grande despertar, segundo o próprio Bush. No capítulo 5, “A influência da religiosidade sobre as políticas públicas no governo Bush”, de Paulo José do Reis Pereira, o “direito divino” de Bush confirma a boutade de Pat Robertson. Antonio Pedro Tota é professor de história contemporânea e dos Estados Unidos na PUC-SP

Republicar