Enquanto aguardamos a preparação de uma suculenta pizza, se dermos uma olhada para o forno com a lenha em brasa, veremos uma das cenas mais antigas do uso de bioenergia. Uma pizzaria de porte médio em São Paulo começa a queimar lenha por volta das 17 horas e pode vender até 300 pizzas num bom dia. A madeira usada tem que ser o eucalipto (madeiras nativas são proibidas) e em média um quilo de madeira é torrado para cada pizza. Resultado: no fim da noite os consumidores de pizza transformaram quase 300 quilos de madeira em CO2.
Mas a contribuição da bioenergia para o jantar não é só essa. Para ir à pizzaria, os clientes usam seus carros e consomem petróleo e/ou etanol. Depois de ingerirem a massa com queijo e molho de tomate, os apreciadores de pizza irão extrair uma boa parcela da energia armazenada nos carboidratos e lipídeos. Depois de comer, voltam para casa de carro e gastam mais biocombustível para se transportar.
O que tudo isso tem em comum? Todos esses processos visam à liberação da energia presa na ligação entre moléculas de carbono, que vieram, sem exceção, da fotossíntese.
Queimar madeira talvez seja um dos processos mais antigos desenvolvidos pelo homem para retirar energia de macromoléculas. Ao queimar madeira, o que se está queimando é açúcar. Os ancestrais do homem provavelmente dominaram o fogo há muito tempo, talvez 1 ou 2 milhões de anos atrás. No entanto, foi a revolução do neolítico, há cerca de 10 mil anos, que iniciou um longo período de uso de biomassa para a obtenção de energia. Queimar madeira foi suficiente para produzir calor e luz até a revolução industrial na Inglaterra. Com a revolução, a demanda por madeira aumentou tanto que, no fim do século XVII, já havia escassez desse insumo na Europa, tal era o seu consumo para os processos industriais. A conseqüência disso foi a devastação das florestas européias e o início da devastação das florestas pan-americanas em razão da colonização das Américas.
Devido à escassez de madeira, foi então sugerido que se utilizasse a fumaça oriunda da queima do carvão mineral para formar um composto que foi chamado de coke (em português carvão coque). Em 1709, Abraham Darby desenvolveu um auto-forno mais eficiente para produzir ferro de alta qualidade usando coque ao invés de carvão. Esse é hoje considerado como um passo decisivo para o avanço da revolução industrial.
Uma das fontes mais incríveis de energia que a humanidade já encontrou foi o petróleo. A descoberta não é nova, pois se acredita que ele já era utilizado pelos persas e pelos chineses. Bem mais tarde, os EUA começaram a usá-lo intensamente a partir de 1859 e uma indústria complexa surgiu a partir do petróleo.
A teoria mais aceita sobre a origem do petróleo é a “biogênica”. Segundo essa teoria, restos de organismos mortos (fito e zooplâncton) presos entre o lodo no fundo do mar dariam origem ao petróleo nos oceanos enquanto em terra esse papel seria desempenhado principalmente pelos restos de plantas. Do petróleo também se produz o coque que é usado na indústria para a produção de ferro gusa, forma básica de liga ferro-carbono que dá origem ao aço, por exemplo. No caso do Brasil, um dos maiores produtores de gusa do mundo, o carbono para fazê-lo vem do carvão, ou seja, originalmente de madeira. Assim, o aço existente na lataria do automóvel que leva nossos clientes à pizzaria também tem uma relação com o carbono fixado na madeira através da fotossíntese.
No caso da pizza, para voltar ao prato principal do artigo, o amido da farinha de trigo usada em sua massa é originário do processo fotossintético, assim como os polissacarídeos que dão a consistência ao molho de tomate. Já o leite usado para produzir o queijo passa por um processo de baixíssima eficiência de armazenamento de carbono quando comparado a o que ocorre com os demais componentes da pizza. Basta pensar que para produzir leite uma vaca necessita de um enorme pasto com gramíneas crescendo, fazendo fotossíntese e produzindo amido.
Atualmente há uma intensa discussão sobre o uso da bioenergia para evitar a emissão de carbono e o efeito que a produção de biocombustívies poderia ter sobre a produção de alimentos. O problema é que para produzir comida é necessário gastar energia. Nesse contexto, será que se poderia esperar um desequilíbrio mundial na produção de alimentos devido à produção de biocombustívies? Dificilmente um estado de desequilibro intenso se sustentaria, pois não dá para ficar sem comida por muito tempo e se não tivermos a energia para obtê-la tampouco teremos comida. Os dois processos são tão atrelados entre si que não é possível separá-los.
Por que então tanta discussão atualmente sobre os biocombustívies e a comida? Será que produzir biocombustíveis de forma limpa e ambientalmente balanceada não seria o melhor caminho a seguir? Se fizermos isso, os biocombustívies com certeza não serão uma ameaça à humanidade, como acham alguns. No Brasil já temos leis e tecnologias para isso.
O que ocorre mesmo é que os europeus se preocupam com os pobres quando lhes convêm. Se estão tão preocupados assim com a falta de comida nos países pobres, por que os europeus não ajudam essa camada menos favorecida de habitantes da Terra a produzir mais alimentos? Mais do que isso: poderiam também comprar os biocombustíveis que são produzidos por esses países de forma ambientalmente sustentável e, assim, ajudá-los a melhorar em vários aspectos. E também poderiam baixar ou eliminar os subsídios à sua própria produção agrícola para que ela seja mais suficiente.
Sabemos que a participação dos biocombustíveis na matriz energética mundial é e será limitada. Não haverá área suficiente para produzir tanta biomassa e não podemos invadir biomas preservados sob risco de acelerarmos os efeitos das mudanças climáticas.
Ainda assim, é possível, sim, produzir bioetanol, lucrar e, ao mesmo tempo, preservar o meio ambiente e respeitar as pessoas. Não é necessário, ou pelo menos não deveria ser, que ensinem aos brasileiros como fazer isso. O Brasil do século XXI tem que ser capaz de adotar políticas públicas equilibradas, que sejam boas não só para nós, mas também para o resto do mundo.
Se soubessem que é necessário gastar tanta bionergia para fazer uma pizza, será que os clientes deixariam de comê-la? Duvido!
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