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Boas práticas

Violações éticas

Entusiasmo com terapia psicodélica esfria após retratação de artigos e pedido de ensaio clínico adicional

Foram retratados pela revista Psychopharmacology três artigos científicos que apresentaram resultados de ensaios clínicos de uma terapia que associava o uso da droga psicodélica conhecida como ecstasy (3,4-metilenodioximetanfetamina, ou MDMA) com psicoterapia para tratar casos de transtorno de estresse pós-traumático. As retratações foram motivadas por violações éticas. Uma participante da fase 2 do estudo em uma localidade do Canadá foi abusada sexualmente por um terapeuta, mas os autores do estudo escamotearam essa informação do periódico, depois de descartarem todos os dados obtidos no local. Alguns dos autores deixaram de declarar potenciais conflitos de interesse, como seu vínculo com Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps), que financiou o ensaio.

Um porta-voz da Lykos Therapeutics, a empresa norte-americana responsável pelo ensaio, lamentou a omissão de informações no artigo, mas afirmou que elas haviam sido prestadas a órgãos como a Food and Drug Administration (FDA), que regula o comércio de alimentos e medicamentos nos Estados Unidos, e sugeriu que a retratação foi uma medida exagerada. O escândalo foi apenas um dos problemas enfrentados pela Lykos Therapeutics. Um dia antes da retratação, a FDA rejeitou o pedido da empresa para aprovar a terapia, apesar das pressões feitas por organizações de veteranos de guerra, que são entusiastas da terapia, e solicitou a realização de um ensaio clínico adicional.

Para além do caso de abuso sexual e do conflito de interesses, pesam contra o tratamento evidências de que seus riscos estavam sendo subestimados. Um relatório do Institute for Clinical and Economic Review, organização independente que analisa as evidências de eficácia clínica e de custo de tratamentos, concluiu que os dados disponibilizados pela Lykos eram insuficientes para atestar os benefícios da terapia em relação a seus danos potenciais, como problemas cardiovasculares, agravamento dos sintomas de saúde mental ou pensamentos suicidas. O relatório também apontou dúvidas em relação ao comportamento de terapeutas envolvidos nos ensaios, que teriam encorajado relatos favoráveis ​​dos pacientes e desencorajado os negativos. Os percalços esfriaram o entusiasmo com o tratamento da Lykos, que, em 2017, ganhara a designação de “terapia inovadora” pela FDA.

A Lykos anunciou mudanças em sua equipe para lidar com as exigências da FDA. Rick Doblin, que integrava o conselho da empresa e era um dos fundadores da associação Maps, foi afastado e um ex-executivo da multinacional farmacêutica Janssen, David Hough, foi contratado como consultor para supervisionar estudos clínicos e demandas regulatórias.

Rebecca Brendel Weintraub, especialista em bioética da Universidade Harvard, disse à revista Science que a FDA precisa ser clara sobre as dúvidas em relação à terapia e ao que espera do ensaio clínico adicional que exigiu da Lykos. Caso contrário, “as pessoas podem buscar experiências psicodélicas por conta própria, dado o entusiasmo pelos benefícios potenciais”. Outras terapias, como o uso da psilocibina para tratar a depressão, estão sendo avaliadas em ensaios clínicos de fase 3. O composto é um alcaloide alucinógeno extraído de cogumelos do gênero Psilocybe.

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