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Física

Visão de campo

Diversidade de temas e integração com outras áreas marcam as pesquisas de um dos primeiros institutos da universidade

Em laboratório: produção de nanofibra óptica afunilada para uso em comunicações

eduardo cesar Em laboratório: produção de nanofibra óptica afunilada para uso em comunicaçõeseduardo cesar

César Lattes (1924-2005) já era um cientista famoso em 1967, quando começou a trabalhar como professor do Instituto de Física, uma das primeiras unidades da universidade nascente. Convidado pelo também físico Marcello Damy de Souza Santos, expoen-te da ciência brasileira convocado por Zeferino Vaz para implantar o instituto, Lattes logo viu que as instalações não seriam como na Universidade de São Paulo (USP), onde trabalhava. Como os prédios do campus novo ainda não estavam prontos, ele e outros recém-contratados instalaram seus laboratórios nos porões do então chamado Ginásio Industrial Bento Quirino, no centro de Campinas, onde hoje funciona o Colégio Técnico de Campinas (Cotuca), que é parte da Unicamp. Ali o físico – que em 1947 havia participado da descoberta do méson pi, partícula importante para a compreensão do mundo subatômico – observou e estudou fenômenos altamente energéticos relacionados à interação entre raios cósmicos e a matéria, as bolas de fogo, que havia começado a estudar na USP. As equipes se sucederam e o instituto hoje ocupa 12 prédios no campus da universidade.

“O que fazemos hoje está tão na fronteira do conhecimento quanto o que Lattes fazia na época dele”, diz Carola Dobrigkeit Chinellato, professora do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), assim chamado em homenagem ao cientista ítalo-ucraniano que ajudou a organizar a física no Brasil. Carola é hoje a representante do Brasil no conselho que preside a Colaboração Pierre Auger, responsável pela operação do Observatório Pierre Auger de Raios Cósmicos. Da Unicamp participam também Anderson Fauth, Ernesto Kemp e José Augusto Chinellato.

Ainda que com um objetivo similar – estudar a origem e a natureza dos raios cósmicos, as partículas mais energéticas do universo –, a dimensão espacial do experimento e as escalas de energia são muito maiores do que na época de Lattes. Reunindo hoje cerca de 500 pesquisadores de 16 países, o Observatório Pierre Auger começou a ser construído em 1998 em uma área de 3 mil quilômetros quadrados no município de Malargüe, Argentina, e a registrar informações sobre raios cósmicos em 2004. Em 2015 o acordo internacional responsável pelo financiamento do trabalho foi renovado e estendido por mais 10 anos, permitindo a modernização dos equipamentos. Os experimentos medem os chuveiros gigantes de partículas relativísticas, resultantes da colisão dos raios cósmicos, que chegam do espaço, com a atmosfera terrestre. Jun Takahashi e outros pesquisadores da Unicamp participam também de experimentos no Cern, o acelerador de partículas de Genebra, Suíça.

Quem circular pelo IFGW encontrará com relativa facilidade estudos que evoluem e se renovam. Em 2001, os especialistas em supercondutores – materiais capazes de transmitir corrente elétrica com zero de resistência – testavam um tipo de grafite sintetizado a temperaturas próximas a 3.000º Celsius, que havia se mostrado promissor. Esse trabalho levou à identificação de propriedades elétricas de outro composto cristalino de carbono, o grafeno, descritas em 2015 na Nature Communications, com a participação do pesquisador do IFGW Yakov Kopelevich.

Além disso, emergiram duas novas famílias de supercondutores, uma à base do elemento químico cério e outra à base de ferro. Buscam-se materiais capazes de funcionar a temperatura ambiente, já que hoje os supercondutores são mantidos em hélio líquido, a quase 270º Celsius negativos. “Quando conseguirmos compostos que funcionem em nitrogênio líquido, a 196º C negativos, até os exames de ressonância magnética, feitos em aparelhos que usam hélio líquido, ficarão mais baratos”, explica Pascoal Pagliuso, que coordena pesquisas nesse campo. Marcelo Knobel, Kleber Pirota e Fanny Berón igualmente trabalham em novos materiais no laboratório de magnetismo e baixas temperaturas.

Carlos Lenz César, com sua equipe, começou a usar a óptica para analisar sistemas biológicos, a chamada biofotônica, há mais de 20 anos. Fez pinças ópticas – delicados feixes de laser que manipulam o interior das células – e hoje trabalha com aparelhos e métodos que lhe permitem examinar a interação de proteínas em células cardíacas, como em estudo publicado em 2014 na Nature Communications em conjunto com equipes da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), próximo à Unicamp. “Agora podemos ver as reações em uma única molécula dentro de uma célula viva”, conta o pesquisador.

Os especialistas do IFGW vão além da física. Entre as muitas linhas de pesquisa do instituto, pode ser mencionado o grupo coordenado por Marcus Aguiar, que, explorando a evolução dos seres vivos por meio de modelos computacionais, encontrou um padrão estatístico que reproduz o processo de formação de espécies, a chamada especiação. Outro grupo, de José Joaquim Lunazzi, tem investigado os espelhos construídos em pedra polida pelos povos da América do Sul há 3 mil anos.

César Lattes em uma aula em 1967: sucessores mantêm a ousadia

arquivo central / siarqCésar Lattes em uma aula em 1967: sucessores mantêm a ousadiaarquivo central / siarq

Fibras Ópticas e computadores
Há muitas histórias de pioneirismo. Na década de 1980, o laboratório de pesquisas fotovoltaicas, coordenado por Francisco Marques, foi o primeiro da América Latina a fabricar células solares de silício monocristalino e policristalino totalmente nacionais a partir do silício metalúrgico. Nas décadas de 1990 e 2000, Íris Torriani ganhou reconhecimento internacional em sua área, a cristalografia. Em dezembro de 2001, Edison Zacarias da Silva, da Unicamp, com dois físicos da USP, Antônio José Roque da Silva e Adalberto Fazzio, apresentaram uma proposta teórica para explicar as possibilidades de rompimento de nanofios de ouro, um provável componente dos semicondutores das próximas gerações de computadores. O trabalho ganhou a capa da Physical Review Letters e foi complementado pelos estudos experimentais de Sérgio Legoas, Douglas Galvão e Daniel Ugarte, em colaboração com colegas do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS).

Conceitos e materiais que vão reger as máquinas das próximas décadas tomam forma e suas propriedades são conhecidas e ajustadas, passo a passo, por diferentes equipes do IFGW. Amir Caldeira, Sílvio Vitiello, Marcos César de Oliveira e outros pesquisadores trabalham com computação quântica e spintrônica, duas abordagens possíveis para ampliar o desempenho e a velocidade de computadores. Outras, como as de Hugo Fragnito e de Carlos Henrique de Brito Cruz, criam versões mais rápidas e eficientes de equipamentos a laser e fibras ópticas (ver reportagem). Na física médica, Alessandra Tomal, Mario Bernal e Gabriela Castellano, com suas equipes, trabalham no aprimoramento de tomógrafos e outros aparelhos, em conjunto com os especialistas da FCM.

Os resultados se devem em boa parte a uma particularidade do instituto, segundo seu atual diretor, Newton Frateschi: dois terços dos professores são da área de física experimental, que demanda altos investimentos em laboratórios e equipamentos, e um terço da teórica, enquanto em instituições similares os dois campos compartilham proporções mais próximas. Segundo ele, não são, porém, mundos estanques, porque um grupo precisa do outro para avançar.

A cada quatro anos, o instituto faz um planejamento estratégico de contratação de professores, que define as prioridades a serem perseguidas e implantadas. O mais recente determinou a criação de um grupo de pesquisa em cosmologia observacional. “Ainda não estamos nessa área”, diz Frateschi, “e queremos começar”. Não é um espaço inteiramente inexplorado, porque desde a década de 1990 Marcelo Guzzo, Orlando Peres e Pedro de Holanda, com suas equipes, examinam as propriedades e transformações dos neutrinos, partículas elementares que se formam no espaço e a todo momento chegam à Terra. O senso de ousadia e empreendedorismo que marcou a construção do instituto continua forte, quase 50 anos depois.

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