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Walter Colli e Herton Escobar

Walter Colli e Herton Escobar

Professor e jornalista discutem acertos e deslizes da imprensa na cobertura dos alimentos transgênicos

Escobar e Colli: o desafio de enfrentar a guerra de informação que envolve os transgênicos

Marcia minilloEscobar e Colli: o desafio de enfrentar a guerra de informação que envolve os transgênicosMarcia minillo

Parte da imprensa brasileira assumiu de forma acrítica a visão de alguns ambientalistas, abrigados em ONGs, na cobertura sobre os polêmicos alimentos transgênicos. Mas a transparência nas reuniões da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão colegiado incumbido de avaliar solicitações para realização de pesquisas e comercialização dos organismos geneticamente modificados, além do esforço de pesquisadores para disseminar informações científicas sobre o tema, ajudou os jornalistas a produzir uma abordagem um pouco mais equilibrada. “Nós fizemos um plano para chamar a mídia toda vez que houvesse uma reunião da CTNBio. E a mídia, de certa forma, começou a responder”, disse Walter Colli, presidente da comissão e professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), em debate realizado no dia 10 de maio com o jornalista Herton Escobar, especialista em assuntos científicos do jornal O Estado de S. Paulo. O encontro fez parte do ciclo de palestras e debates que acompanha a exposição Revolução genômica.

Colli expôs as dificuldades da imprensa para compreender o funcionamento e as deliberações do órgão, que é vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Em 2006, quando assumiu a presidência da comissão, ele se surpreendeu com os equívocos que permeavam a cobertura, escassa, por sinal, sobre as atividades do órgão. Uma nota publicada por um colunista sugeria que os membros do órgão usufruíam de mordomias, como viagens ao exterior e hospedagem em hotéis cinco estrelas. Tudo falso.Na avaliação do pesquisador, a cobertura era o resultado do racha que havia – e ainda persiste – dentro do governo em relação aos transgênicos, que se transpôs para o plenário da comissão. De um lado estão representantes de ministérios e secretarias contrários, por princípio, aos organismos geneticamente modificados. De outro perfilam-se representantes da comunidade científica e os indicados pelos ministérios da Agricultura, da Ciência e Tecnologia, da Defesa e das Relações Exteriores, que preferem avaliar caso a caso os benefícios e perigos embutidos em cada pedido de pesquisa e em cada solicitação de uso comercial.

“Um jornal diário começou a dar destaque às divergências internas da CTNBio, pautado por um membro da comissão notoriamente contra qualquer transgênico e com grande capacidade de articulação”, lembra Colli. Uma das reportagens criticava o quórum baixo de uma reunião que tomou decisões importantes – na verdade, o autor da reportagem somou erradamente o número de membros titulares (27) e suplentes (27) para concluir que “menos da metade” havia votado, quando na verdade são apenas 27 os votos válidos.

“Resolvi, juntamente com uma assessora de imprensa do Ministério da Ciência e Tecnologia, convocar a mídia a cada reunião mensal. Principalmente um jornal de São Paulo começou a dar cobertura igual ou maior que este jornal anterior, mas relatando de forma absolutamente isenta o que acontecia”, diz o professor. Até mesmo algumas redes de TV passaram a se interessar, como o Canal Rural, emissora de TV a cabo voltada para agri­­cultores. “Mas as grandes redes abertas, em geral, ignoram as atividades da comissão. Recentemente, quando duas variedades de milho transgênico foram aprovadas, as redes abertas deram a notícia. Apareceu o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, falando: “Nós concluímos que esses produtos não fazem mal…”. Saiu o ministro e entrou em seguida um ambientalista falando por muito mais tempo que o milho poderia fazer mal à saúde”, diz Walter Colli. “Hou­­ve um processo submetido à comissão, cujos pareceres encomendados a especialistas fizeram restrições. Nós só não votamos contra porque a empresa retirou de pauta. Não quis ser derrotada. A imprensa não deu isso. O que dá notícia é o seguinte: a CTNBio aprovou mais um milho transgênico e dizem que vai fazer mal para o estômago, e coisa e tal, o que é inteiramente inexato e não verdadeiro”, afirma.

Anticiência
O pesquisador identifica uma articulação anticiência no combate aos transgênicos. “Se o médico diz que você precisa operar, é possível perguntar a opinião de outros quatro médicos, mas ninguém é louco de pedir a opinião de um não-médico. E, no fim, se você tiver que operar, vai operar com quem? Com um médico, é claro, pois no fundo se acredita no conhecimento específico dessa pessoa”, disse Colli. “Mas em outras áreas não funciona assim. O Ministério da Ciência e Tecnologia pediu para a Academia Brasileira de Ciências, que reúne os melhores cientistas do país, a indicação de nomes para as posições da comissão. Mas se eles consideram razoável liberar a comercialização de um transgênico, tem gente que não acredita e ainda surgem insinuações tentando nos desqualificar.

Mas a principal dificuldade da imprensa, afirmou Colli, é a mesma da sociedade: distinguir o real significado dos transgênicos da versão demonizada apresentada por alguns movimentos ambientalistas. “A transgenia é um método. Pode-se com esse método, que é poderoso, fazer coisas úteis para o homem, para os animais, para o ambiente. Também se podem fazer coisas deletérias”, explica o pesquisador. “A transgenia consiste simplesmente em pegar um gene de um ser vivo e pôr no outro, pegar de uma planta e pôr na outra. E depois verificar se haverá problemas. Apenas isso.”

O jornalista Herton Escobar ini­­­­ciou sua apresentação fazendo um passeio pela internet. Digitou no site de buscas Google a expressão “transgênicos”. A platéia pôde observar que boa parte das páginas dedicadas ao assunto apresenta informações sem respaldo científico – como a suposta ligação dos transgênicos com câncer ou a hipotética interferência na ação de medicamentos. “Eu abri todos os links que aparecem na primeira página do Google. Dos dez, apenas um ou dois tinham alguma coisa, vamos dizer, imparcial. Todas as outras eram páginas de organizações ou de blogs claramente contra os transgênicos”, observou Escobar. “Dá para perceber que quem quiser se informar pela internet vai receber mais dados contra os transgênicos do que a favor. E muitas dessas informações não são verdadeiras. Eu, como profissional de um meio de comunicação sério, tenho que estar atento e tentar focar no que é fato, que tem dado científico”, disse.

Desconhecimento
Para Escobar, uma das principais dificuldades para escrever sobre transgênicos é o desconhecimento das pessoas sobre assuntos científicos. “Você fala que tirou um gene daqui e botou um gene ali, mas isso não significa nada para 99% da população”, afirmou. Ele citou uma pesquisa de opinião feita na Itália, em que se perguntava se tomate tinha DNA. “A maioria respondeu que não, que tomate não tem DNA. Já o tomate transgênico, disseram, esse sim tinha DNA. E as pessoas não queriam comer o tomate transgênico, com medo de comer DNA. Isso mostra a ignorância das pes­soas com relação aos princípios mais básicos da biologia molecular. E aí vêm pesquisas de opinião dizendo que tantos por cento dos brasileiros não querem transgênicos e usam isso como uma justificativa para não se aprovar.”

Outra dificuldade, segundo o jornalista, é situar-se em meio à selva de informações e contra-informações sobre o assunto. “Qual é o principal argumento dos movimentos que são contra os transgênicos? Que não foram feitos estudos suficientes, não há provas de que eles sejam benéficos, há uma série de indícios de que eles possam ser maléficos, tem o risco de monopólio das empresas. Mas, quando você pergunta mais a fundo, a discussão empaca. Se forem feitos mais estudos e os resultados forem positivos, aí pode liberar? Aí, eles dizem: “Não, veja bem, nós achamos que os transgênicos não são uma boa opção”. Então não é que sejam necessários mais estudos, você é contra e ponto final. E a pessoa nunca diz isso”, disse Herton Escobar. “E o mesmo vale para as empresas. Elas fazem muita propaganda enganosa, dizem que os transgênicos vão ajudar a acabar com a fome no mundo, vão tirar os pequenos agricultores da pobreza. O fato é que a empresa desenvolveu uma tecnologia e quer lançá-la para ganhar dinheiro.”

Em sua experiência cobrindo o assunto, Escobar surpreendeu-se com a reação que enfrentou por exercitar um princípio do jornalismo, que é ouvir os dois lados da história. “Na maioria das reportagens sobre transgênicos apenas os ambientalistas eram ouvidos. Ninguém ouvia as empresas criticadas. Como eu resolvi ouvir as empresas, enfrentei insinuações em blogs e e-mails de jornalistas da área ambiental sobre a isenção do jornal em que trabalho. Acho isso um absurdo, porque parece que um lado é o dono da verdade e o outro lado está sempre mentindo”, afirmou.

Da platéia surgiram perguntas sobre a existência de estudos que apontam problemas nos trans­gê­nicos.O jornalista Herton Escobar fez uma comparação com as pesquisas sobre o aquecimento global. “Uma vasta maioria dos cientistas acredita que o aquecimento global está sendo causado pela ação do homem, mas também tem os chamados céticos, que formam um grupo pequeno. Eles acham que o fenômeno é natural. O que eu faço como jornalista? Bom, existe o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, que fez revisões gigantescas da literatura científica e concluiu ser muito provável que o aquecimento seja causado pela ação do homem”, disse Escobar. “O jornalista não deve deixar de reportar-se ao que dizem os céticos, mas deve esclarecer que a maioria não concorda com eles. Nos transgênicos é a mesma coisa. A grande maioria da literatura científica aprova os transgênicos, a ONU aprova, a Organização Mundial da Saúde aprova. Mas, se um cientista apresentar um estudo bem embasado mostrando problemas com os transgênicos, não tenho nenhum problema em reportar isso.”

O professor Colli respondeu a indagações sobre a viabilidade de ampliar a quantidade de estudos, como os de impacto ambiental, a fim de reduzir os temores sobre o surgimento de eventuais efeitos colaterais dos transgênicos não captados pelas pesquisas experimentais. “Se você vai construir uma represa, sabe exatamente qual será a área alagada, os bichos e as árvores atingidos. Então é possível fazer uma avaliação do que vai ocorrer. Mas com planta não tem isso. Para fazer um estudo de impacto ambiental, seria preciso plantar uma grande extensão e ver o que acontece – mas aí você já plantou. Por isso, o que se faz são experimentos controlados em terrenos menores.”

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