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Resenha

Zona de desconforto

O som no cinema de horror | Rodrigo Carreiro | Editora UFPR | 207 páginas | R$ 90,00

O som no cinema de horror é uma coletânea de artigos publicados anteriormente em diversos periódicos acadêmicos, além de novos textos, de Rodrigo Carreiro, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Alguns deles foram revistos e ampliados para o livro, quase todos apresentados em diversos estágios de desenvolvimento para serem debatidos nos encontros anuais da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema (Socine) e da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação (Compós).

O livro parte da premissa de que o som no cinema de horror catalisaria uma conexão mais profunda e visceral com os espectadores-ouvintes. Um cinema de sensações, um cinema-vertigem, que hiperboliza e transforma nossos medos arquetípicos em matéria-prima para o espetáculo cinematográfico.

Para fazer jus a esse pressuposto, o autor procura, em primeiro lugar, elaborar uma teoria geral, enraizada na empiria, para embasar a análise do elemento sonoro nesse gênero, dissecando por meio dela o cinema de horror dos últimos 50 anos. Mesmo que leitores ou leitoras possam questionar essa linha de raciocínio e mencionar outros gêneros como igualmente engajadores em termos sonoros, podemos, sem cair em “generismos” (que podem ser análogos ao clubismo no futebol), afirmar que o trabalho de Carreiro é convincente na sua argumentação e bem construído em sua tarefa de examinar profundamente a elaboração do que o autor chama de “afeto horrorífico” desse gênero de cinema por meio do som.

Para tanto, o autor se propõe a catalogar e analisar as mais destacadas técnicas de sonorização trabalhadas nos filmes selecionados, dando especial atenção aos três elementos da trilha de áudio: voz, efeitos sonoros e música. Isso implica, por exemplo, ressaltar elementos não semânticos da voz, a sonoplastia hiperdetalhada de alguns filmes, assim como algumas técnicas musicais típicas e outras mais inovadoras entre os filmes de horror. Carreiro também se debruça sobre a montagem e a mixagem, enfatizando usos específicos da voz, como a distorção sonora que torna as vozes de monstros e entidades malignas mais graves e guturais, além do papel das novas tecnologias sonoras digitais. A abrangência do livro é extensa em termos históricos, citando ou analisando desde clássicos como Drácula (1931), de Tod Browning, a filmes contemporâneos como Um lugar silencioso (2018), de John Krasinski.

Outro mérito do livro é dar audibilidade a alguns dos filmes de horror realizados fora do eixo norte-americano e europeu, em países como Argélia, Irã e Tailândia, com especial destaque para os filmes produzidos no Brasil. O subgênero dos falsos found footage de horror (não confundir com os found footage documentais e experimentais), popularizado com o sucesso de A bruxa de Blair (1999), de Daniel Myrick e Eduardo Sánchez, é ressaltado por sua originalidade, pois simula um registro amador de experiências reais, mas produzidas e montadas como filmes de ficção.

Teoricamente, o livro se vale de uma gama ampla de autores e autoras, desde nomes básicos como Noël Carroll, Mary Ann Doane e Michel Chion, até novos teóricos como Fernando Morais e Davina Quinlivan. Em um dos capítulos finais, Carreiro se dedica a experimentar, com bons resultados, uma metodologia diferente, inspirada na crítica genética, por ter acesso às telas das sessões de edição sonora e mixagem de um software especializado usado pela equipe técnica do curta-metragem Inquérito policial nº 0521/09 (2011), de Vinicius Casimiro. Teria sido interessante saber também como o autor analisaria o som de alguns desses filmes no ambiente doméstico, mas essa é realmente uma área muito pouco coberta na pesquisa atual.

O livro de Carreiro reafirma a vitalidade dos estudos de cinema no Brasil, nesse caso na vertente que estuda o elemento sonoro, e a efervescente rede acadêmica formada em torno dessa área de estudos. Mesmo com algumas repetições, o texto flui com facilidade e o desconforto fica nas salas de cinema, não na leitura. É altamente recomendável para docentes e discentes dos cursos de graduação em cinema e comunicação e seus respectivos programas de pós-graduação, além de todas as pessoas interessadas no assunto.

Leonardo Vidigal é professor no curso de cinema de animação e artes digitais e do Programa de Pós-graduação em Artes na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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