Para muitos, pode parecer estranho a FAPESP aprovar um projeto liberando recursos para a aquisição, em leilão, da partitura original da primeira ópera de Carlos Gomes, A Noite do Castelo, para posteriormente ser doada ao acervo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP. Afinal, o que isso tem a ver com uma fundação voltada para o financiamento da pesquisa científica e tecnológica?
Em primeiro lugar, como assinala a professora Flávia Toni, do IEB, entrevistada para a reportagem de capa desta edição, uma partitura como essa, para um musicólogo, equivale a um laboratório. A partir dela, abre-se um enorme leque de pesquisas possíveis sobre o compositor, seu processo criador e suas idéias, influências e caminhos musicais. Tarefa, não para um, mas para muitos estudiosos realizarem pesquisas científicas, tendo a arte como objeto. Afinal, como disse o pró-reitor de Cultura e Extensão da USP, professor Adilson Avansi de Abreu, na cerimônia de apresentação da partitura à comunidade, “as artes, além de deleite e expansão da capacidade criadora do homem, também produzem pesquisa científica.” A ação da FAPESP, portanto, esteve perfeitamente de acordo com o seu objetivo teleológico, a pesquisa. E essa ação ganha significado ainda maior numa época em que a cultura de um povo é requisito fundamental para a sua diferenciação, em um mundo globalizado.
Assunto igualmente importante tratado nesta edição – desta feita, com impacto biológico e econômico – é o novo projeto da FAPESP, o Genoma-Xanthomonas, que deverá fazer o seqüenciamento genético completo da bactéria Xanthomonas axonopodis pv citri, responsável pelo cancro cítrico, a mais séria doença dos laranjais. Praticamente controlada, o cancro cítrico teve um recrudescimento alarmante no ano passado e no começo deste ano, no Estado de São Paulo. Em 1998, foram 270 novos focos e 187 recontaminações. Neste ano, até o dia 23 de maio, o Fundo Paulista de Defesa da Citricultura, Fundecitrus, contabilizou 266 novos focos e 83 recontaminações.
Desde 1963, a FAPESP vem liberando recursos para pesquisas diversas sobre a doença, que já totalizaram R$ 5 milhões. Para o Genoma Xanthomonas, a FAPESP deverá liberar recursos da ordem de US$ 5 milhões, e o Fundecitrus, US$ 500 mil. A laranja não será a única cultura beneficiada com o projeto. Ele terá repercussões em outras culturas, ainda que de menor peso econômico no estado, como a do feijão, a do arroz e a do maracujá, vítimas de espécies diferentes de Xanthomonas, mas que são geneticamente bastante semelhantes entre si.
O novo projeto, o quarto do Programa Genoma FAPESP, vai trabalhar dentro do mesmo esquema de rede de laboratórios utilizado pelos projetos Genoma Xylella, Genoma Cana e Genoma Humano do Câncer. O sucesso e a rapidez com que esses três projetos se desenvolvem foram garantidos, entre outros fatores, pela informática e pela existência de uma rede como a ANSP, da FAPESP, que interliga os pesquisadores e centros de pesquisa do estado entre si e com o exterior, criando-se o sistema de laboratório virtual. Muito mais ágil e econômico, como mostra a reportagem sobre o assunto.
É a informática também que possibilita, além do intercâmbio direto entre os pesquisadores, o acesso a publicações científicas internacionais. Depois do convênio da FAPESP com o Institute for Scientific Information (ISI), disponibilizando o banco de publicações dessa instituição norte-americana, o Web of Science, para a comunidade científica paulista, a Fundação cria o Programa Biblioteca Eletrônica, ProBE, que disponibiliza, por enquanto, 606 publicações científicas da editora holandesa Elsevier para as bibliotecas das universidades paulistas.
Mostrando, por fim, que o leque da pesquisa é bastante abrangente e que a FAPESP é sensível a isso, esta edição traz duas importantes reportagens. A primeira é um estudo mais próximo da ciência básica, em que professores da Universidade Federal de São Carlos, alterando a microestrutura dos materiais e combinando novos compostos de diversas formas, chegam a nanocompósitos metais e cerâmicos, base para os novos materiais. A segunda revela os resultados de uma pesquisa que se desenvolve no âmbito do Programa de Inovação Tecnológica em Parceria: pesquisadores da Escola Politécnica da USP desenvolveram painéis para aplicação na construção civil, feitos de um cimento que tem como componente principal a escória, um resíduo das usinas siderúrgicas, até então sem utilidade e altamente poluente do solo e da água.
Música, laranja, cimento, novos materiais são exemplos do cumprimento do objetivo teleológico da FAPESP.
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