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Entrevista

Carlos Henrique de Brito Cruz: Um indutor de mudanças

Diretor científico da FAPESP faz um balanço de seus 15 anos no cargo

Léo Ramos Chaves

A responsabilidade da FAPESP não se restringe a aplicar seu orçamento historicamente estável de uma forma reconhecida pela comunidade científica e pela sociedade como legítima, embora essa seja por si só uma enorme tarefa. Seu papel é contribuir para que o sistema de pesquisa progrida como um todo, na apreciação de seu diretor científico nos últimos 15 anos, Carlos Henrique de Brito Cruz.

O principal mecanismo para alcançar esse fim, defende Brito Cruz, é usar o orçamento de maneira incisiva e eficaz para estimular e induzir mudanças de comportamento nas instituições e nos pesquisadores. Exemplos dessa estratégia são o código de boas práticas científicas, lançado pela Fundação em 2011, e a exigência de que instituições-sede de projetos financiados pela FAPESP ofereçam o que se convencionou chamar de apoio institucional ao pesquisador. Universidades e instituições de pesquisa paulistas criaram nos últimos anos centenas de escritórios que ajudam seus pesquisadores a cumprir tarefas burocráticas e permitem que eles se concentrem em fazer ciência. Na avaliação do diretor científico, o excesso de encargos não científicos dos pesquisadores ainda é um dos grandes obstáculos à melhoria da qualidade e do impacto da ciência no país e cabe às instituições protegerem o tempo do pesquisador oferecendo serviços eficazes de gestão de projetos, como fazem as universidades estrangeiras com as quais se pretende competir.

Outra linha de ação na mesma concepção foi o amplo estímulo a colaborações em pesquisa, tanto com outras instituições e agências brasileiras como internacionais. “A qualidade da ciência é beneficiada quando um pesquisador interage com os melhores cientistas que ele consegue encontrar. Essa interação promove troca de ideias, conhecimento de métodos, de procedimentos, cria oportunidades para os estudantes”, afirma.

Apesar da gravidade do momento, quando o mundo enfrenta a pandemia do novo coronavírus, que no Brasil se soma a uma crise econômica e política, Brito Cruz avalia que a pesquisa em São Paulo e no Brasil hoje tem mais vitalidade, pessoas, qualidade, inserção internacional e mais visibilidade para o público. “A pesquisa em ciência e tecnologia ganhou espaço entre os valores da sociedade brasileira e se mostrou mais conectada a desafios que interessam à sociedade, sejam aqueles emergenciais, sejam os de avanço intelectual puro. As discussões, críticas e agressões à ciência acabam fazendo com que a comunidade científica se preocupe mais com o efeito dos trabalhos realizados e em tornar visível seus resultados.” Por isso, argumenta, é mais efetivo hoje defender a ciência do que há 15 ou 20 anos.

Brito Cruz é engenheiro e físico, presidiu a FAPESP (1996-2002) e foi reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) entre 2002 e 2005. Prestes a deixar o cargo, ao encerrar seu quinto mandato de três anos, em abril, o diretor científico concedeu a seguinte entrevista a Pesquisa FAPESP.

Em 2005, ao assumir a Diretoria Científica, você classificou sua visão sobre o desenvolvimento científico nacional como otimista. Quinze anos depois, continua otimista?
Continuo otimista. O otimismo passa por cima de conjunturas. Estamos em um momento desfavorável, mas em São Paulo e no Brasil a atividade de pesquisa cresceu e melhorou muito. Tem mais vitalidade, pessoas, qualidade, inserção internacional, visibilidade para o público… Em 2005, eu não imaginava que em 2019 teríamos um artigo no jornal O Globo assinado por políticos, incluído o presidente da Câmara Federal, defendendo a ciência. A pesquisa em ciência e tecnologia ganhou espaço entre os valores da sociedade brasileira e se mostrou mais conectada a desafios que interessam à sociedade, sejam emergenciais, sejam de avanço intelectual puro.

Apesar dos avanços, há uma percepção de que a ciência vem sendo atacada.
É verdade. Isso faz parte dos aspectos desfavoráveis da conjuntura, que não se limitam à falta de financiamento ou a problemas relacionados à crise econômica. Tem a ver também com a questão de credibilidade, com discussões sobre o valor da ciência. Mas esse debate está sendo bem enfrentado. As discussões, críticas e agressões à ciência fazem com que a comunidade de pesquisa brasileira e do mundo se preocupe mais com o efeito dos trabalhos realizados e em tornar visíveis seus resultados. Estamos em uma curva ascendente da ciência em São Paulo e no Brasil. Poderia até ser mais, se não houvesse alguns obstáculos. Por ser ascendente, é mais efetivo hoje defender a ciência do que era em 2005.

Qual é a relevância da FAPESP hoje?
A Fundação continua sendo enormemente relevante por duas razões. A primeira por causa do orçamento que tem e de suas características: é estável, previsível e aplicado de uma maneira na qual a comunidade científica reconhece legitimidade. A segunda é que a Fundação passou a trabalhar de uma forma mais incisiva e eficaz para estimular e induzir comportamentos nas instituições e entre os pesquisadores. Os dois aspectos se complementam. Todos pensam que a FAPESP é importante por causa do dinheiro. É verdade, mas também é relevante porque, ao selecionar e estabelecer critérios para o acesso aos recursos, estimula comportamentos que ajudam a acelerar o progresso da ciência em São Paulo.

Por exemplo?
A FAPESP influencia comportamentos quando lança um código de boas práticas científicas, como fez em 2011, e torna o tema visível de um jeito positivo, reconhecido pela sociedade e efetivo dentro das instituições. Adotar boas práticas não é para dar punição exemplar quando aparece um caso de má conduta noticiado no jornal. É para fazer prevenção, educação e apuração justa e rigorosa, estimulando e induzindo um determinado comportamento institucional e individual. Pesquisa FAPESP tem uma seção sobre isso e dá visibilidade ao tema. Antes, ninguém falava sobre o assunto e, quando tinha um escândalo, todos prometiam castigo exemplar. Não é mais assim.

Há outros exemplos?
Um muito importante é a ação da FAPESP em exigir das instituições aquilo que chamamos de apoio institucional ao pesquisador. Na minha experiência de 15 anos aqui, a deficiência nesse apoio é um dos principais obstáculos à melhoria da qualidade e do impacto da ciência e da pesquisa que se faz em São Paulo. Se quisermos que os pesquisadores em São Paulo compitam com os de Stanford, Cornell, École Polytechnique, Oxford, Cambridge, eles precisam ter em suas instituições apoio similar ao que os pesquisadores desses lugares têm. E não está nem perto de ser desse jeito, embora tenha progredido muito. Há uns três anos contamos 200 escritórios de apoio institucional à pesquisa no estado – é pouco, precisaria ter 600. Em 2005, se tivesse 10 era muito. Espero que o apoio institucional daqui a 10 anos seja muito melhor. Não dá para ter pesquisa competitiva sem ter apoio da instituição. Não pode ser o pesquisador quem telefona para a agência de viagem para comprar a passagem do pesquisador visitante, faz a reserva do hotel, a prestação de contas do auxílio, liga para o técnico que faz a manutenção… Enquanto isso, o colega dele de Cambridge está escrevendo trabalhos, orientando alunos, discutindo com colegas e tendo ideias. Com mais apoio institucional, o dinheiro investido daria mais resultado e com maior qualidade. É o que os americanos chamam de low hanging fruit. Se fizermos isso, multiplicaremos o efeito do dinheiro que está sendo concedido por 1,7, talvez até 2. E é essencial que uma organização como a FAPESP exija de maneira progressivamente agressiva que as instituições cumpram esse papel.

Isabela Carrari/Prefeitura de Santos Barreira erguida em praia de Santos (SP) para atenuar impacto das mudanças climáticas: algumas cidades enfrentaram os problemas com obras e regrasIsabela Carrari/Prefeitura de Santos

Por que essa ação cabe à FAPESP?
Se uma organização como a FAPESP não pressionar para que seja feito, ninguém vai colocar isso na agenda. A comunidade científica percebe, mas formula de um jeito diferente, diz que “precisa desburocratizar”. Desburocratizar não pode significar eliminar regras que uma democracia requer para uso do dinheiro do contribuinte, significa tirar a burocracia das mãos e das costas do cientista. E o jeito de fazer isso é ter um escritório institucional, como nas boas universidades do mundo. Durante décadas a FAPESP trabalhou com a suposição de que bastaria oferecer recursos aos melhores pesquisadores e a ciência progrediria. Até certo ponto progrediu, mas chegou-se a uma dimensão na qual sem o apoio institucional não se consegue avançar significativamente. E assim a FAPESP passou a ser aliada dos pesquisadores exigindo melhor apoio institucional.

Falando das estratégias adotadas pela Diretoria Científica nesses 15 anos, que balanço é possível fazer?
Muito além da seleção de projetos de pesquisa, o que me ocupou foi tentar puxar todo o sistema para cima, como a maré que levanta todos os barcos ao mesmo tempo, não apenas um ou dois. É possível fazer um programa que dá muito certo em uma determinada área de pesquisa, mas ele pode estar no meio de um sistema que puxa o resto para baixo. Minha preocupação desde o primeiro dia, que estava no plano que apresentei para o Conselho Superior da FAPESP, foi dizer: “O Projeto Genoma foi sensacional, mas quantas outras coisas a gente não percebeu ou não fez?”. Induzir comportamento muda tudo, afeta todas as áreas, os jovens, os velhos, as instituições bem estabelecidas e as emergentes.

Promover a cooperação internacional é um exemplo dessa indução?
Sim. A interação internacional era fraca antes de 2005. Havia – ainda há – uma espécie de introversão na comunidade científica brasileira. Trabalhamos muito para mudar isso. Os resultados mostram que é perfeitamente possível inverter a situação e avançar para que pesquisadores ocupem posição de liderança em colaborações internacionais. Quando começamos a fazer essa indução, também era uma fruta baixa para pegar. Estava tudo pronto. Muitos pesquisadores se interessaram e ocuparam posições de liderança. Hoje temos projetos importantes feitos em São Paulo, como o chip Sampa para o detector do Cern [Organização Europeia para Pesquisa Nuclear] funcionar; temos o líder do detector de neutrinos (Arapuca) do Fermilab; e pesquisadores dos programas de Bioenergia [Bioen], das Mudanças Climáticas e da Biodiversidade [Biota] que lideraram o mais importante relatório mundial sobre sustentabilidade em bioenergia. Isso é colaboração internacional. Em Brasília achavam que colaboração internacional era exportar estudantes. Para nós é conceber a pesquisa junto, escrever o projeto junto, lutar lado a lado pela aprovação do projeto aqui e no exterior e, se aprovado, tocar em parceria. Aí, sim, faz sentido os pesquisadores e estudantes viajarem, porque há um objetivo científico comum. Hoje, quase 15% dos projetos temáticos são em colaboração internacional desde o primeiro dia. A porcentagem de artigos com coautores em São Paulo e em outro país pulou de 25% para 45%. Até 2008, a porcentagem de coautores internacionais em artigos era menor em São Paulo do que no Brasil, indicando que o comportamento era governado por acesso ao dinheiro: no resto do país havia estímulo para procurar um colaborador no exterior porque senão seria difícil conseguir recursos para fazer a pesquisa; em São Paulo havia mais acesso, então se pensava que não era preciso colaborar.

O que foi feito para induzir a colaboração internacional?
Fomos aprendendo como trabalhar com as principais agências de financiamento à pesquisa no mundo para estimularmos a colaboração junto com elas. As primeiras agências que nos ajudaram foram as do Reino Unido. Por iniciativa do consulado britânico, os Research Councils foram receptivos e conseguimos montar nosso primeiro acordo relevante, feito de um jeito totalmente diferente do que a FAPESP fazia. Era um acordo de cofinanciamento de projetos de pesquisa completos e em conjunto – pequenos, médios e grandes. Nunca tínhamos cofinanciado projetos grandes com agências do exterior, de cinco anos. Combinar com a agência parceira a maneira de selecionar requereu de nós um aprendizado institucional e essa experiência nos permitiu dar início a vários acordos internacionais com agências importantes. Ao contar que já tínhamos essa colaboração com o Reino Unido, ficava claro que sabíamos fazer. Montamos uma colaboração semelhante com DFG, agência de pesquisa alemã, com a National Science Foundation [NSF], dos Estados Unidos, que nunca havia feito esse tipo de colaboração com o Brasil. Aprendemos os procedimentos deles e trouxemos alguns para cá, como o modo de organizar reuniões, tipos de formulários, como trabalhar para extrair dos nossos assessores pareceres melhores e mais detalhados. Nosso sistema melhorou como um todo. A FAPESP hoje é, no mundo, uma das agências que mais oferece oportunidades de colaboração internacional.

Onde há oportunidades?
Praticamente em todos os lugares em que há ciência relevante temos um acordo de cofinanciamento. Há lugares menores, mas importantes, onde ainda não conseguimos, como Coreia do Sul e Singapura. Na África, poderíamos ter mais. Em todos os lugares relevantes da Europa foram firmados acordos. O primeiro acordo da Comissão Europeia no Brasil foi com a FAPESP. É uma carteira importante de colaborações. É uma das razões pelas quais a FAPESP conseguiu se tornar protagonista em organizações internacionais, como o Global Research Council, que fez a reunião aqui em 2019, na qual fui escolhido como chair do governing board. A FAPESP mostrou capacidade de participar de redes como poucas agências no mundo.

No âmbito da colaboração, há uma preocupação não apenas de enviar pesquisadores brasileiros para o exterior, mas trazer estrangeiros para cá. Qual foi a principal dificuldade para atrair bons pesquisadores de fora?
De fato, isso deu certo apenas em parte. Mas, se não tivéssemos tentado, não aconteceria nada. Na estratégia de colaboração internacional da FAPESP, um dos valores importantíssimos é o da reciprocidade. Procuramos projetos em colaboração nos quais a contribuição dos pesquisadores de São Paulo seja comparável à dos pesquisadores de outros países. É isso que eleva o padrão. Não é apenas entrar um no projeto de 10. Muitos fazem assim e não somos contra, mas buscamos mais. Queremos conceber e escrever o projeto juntos. Uma parte dessa reciprocidade se transforma em ação quando insistimos em trazer gente de fora. É difícil fazer isso porque, embora a FAPESP seja eficiente e trabalhe bem, há muitos outros problemas, como o que se chama “custo Brasil”. Mesmo lutando contra isso, subiu o número de pessoas de fora de São Paulo na lista de bolsistas. Trazemos pesquisadores de outros estados, o que também é importante. Excluir o resto do Brasil da estratégia de colaboração seria uma estupidez. E aumentou o número de pesquisadores de fora – 20% dos bolsistas de pós-doutorado vieram do exterior. Gente de todos os lugares, França, Canadá, Índia, Paquistão e Alemanha… Já identificamos em algumas empresas que receberam financiamento do programa Pipe [Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas], em temas como inteligência artificial, um certo número de projetos liderados por pesquisadores que trouxemos da Europa. Vieram como pós-docs, ficaram por aqui e agora estão liderando a pesquisa em empresas.

Nessa estratégia de colaboração, havia três pilares: trazer pesquisadores do exterior, enviar pesquisadores para o exterior, fazer projetos em parceria. Há um peso relativo para cada um? O que deu mais resultado?
Gastamos mais dinheiro com a Bepe [Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior] e projetos colaborativos do que trazendo pessoas de fora. É bom esse jeito de ver três instrumentos. Tentamos fazer com que o destino do estudante do Bepe ou o convite para o pesquisador estrangeiro esteja atrelado a uma pesquisa colaborativa. Não vamos impedir que venha um visitante sem projeto colaborativo, mas, havendo mais esse tipo de projeto, cria-se demanda natural para que pesquisadores venham. Queremos que os três instrumentos funcionem de modo articulado. Veja o Spec [São Paulo Excellence Chair], programa que cria a oportunidade de um pesquisador muito destacado no mundo passar um tempo aqui, liderando um projeto de pesquisa, interagindo com todos os estudantes de sua área, vivendo o departamento por um determinado número de semanas por ano. É muito diferente de mandar um pesquisador daqui para algum país ou um estrangeiro vir e passar uma semana. O Spec tem criado muitas oportunidades. Um desses pesquisadores, o Emilio Moran, faz parte do National Science Board dos Estados Unidos, que é o Conselho Superior da National Science Foundation. O importante é que seja um cientista muito destacado no mundo. A nossa estratégia não é focalizada em repatriamento, mas em trazer excelentes cientistas para pesquisarem no Brasil, brasileiros ou não.

Por que a colaboração é tão importante para a qualidade da ciência?
A qualidade da ciência é beneficiada quando o cientista interage com os melhores cientistas que ele consegue encontrar. Pode ser em São Paulo, em outro estado ou no mundo. Essa interação promove troca de ideias, conhecimento de métodos, de procedimentos, cria oportunidades para os estudantes.

Há uma associação entre colaboração e maior número de citações?
Sim, mas ninguém sabe o que é causa e o que é efeito. Quando há mais coautoria, há mais citação. Pode ser que as pessoas só colaborem com quem tem mais citação ou pode ser que haja mais citação porque houve colaboração.

Léo Ramos Chaves Com Jorge Tezon, do Conicet da Argentina, e Peter Strohschneider, da German Research FoundationLéo Ramos Chaves

De 2005 a 2015, a FAPESP ampliou a cooperação com outras instituições brasileiras, como outras fundações de apoio à pesquisa (FAPs) e instituições federais.
Quando me candidatei para o cargo de diretor científico defendi que a FAPESP precisava explorar mais as oportunidades de colaborar com entidades interessadas em C&T [Ciência e Tecnologia] no Brasil: BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], Finep [Financiadora de Estudos e Projetos], CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior]. Fomos atrás de oportunidades. De 2005 a 2013, as agências federais tiveram como parte de sua estratégia interagir bem com as FAPs. Em 2005 apresentamos um projeto para a Finep sobre o Pappe, programa para a pequena empresa, e depois veio o Pappe Subvenção, que até hoje cofinancia projetos da fase 3 do Pipe. Com o CNPq já tínhamos alguma colaboração. Participamos do Pronex, basicamente feito por eles. O grande programa do CNPq, que a FAPESP ajudou a montar, foi o dos INCTs [Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia]. A FAPESP foi o segundo maior financiador. Depois fizemos um acordo excelente com a Capes para financiar os programas de bolsa, de R$ 240 milhões, R$ 167 milhões já desembolsados. A Capes teve muita flexibilidade para se adaptar aos procedimentos da FAPESP. E conseguimos algo raro, que é o BNDES se associar a uma agência de financiamento para fazer pesquisa: fizemos o laboratório de estruturas leves do IPT [Instituto de Pesquisas Tecnológicas] em São José dos Campos. Houve acordos com algumas fundações – de Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais – e, mais recentemente, passamos a fazer acordos mais abrangentes com muitas outras FAPs. A colaboração avançou muito.

Como a FAPESP se inseriu no esforço de estimular a inovação e a interação entre universidade e empresa? Quais os principais obstáculos para aumentar essa intensidade?
Inovação pode ou não incluir pesquisa e a FAPESP só trabalha com pesquisa. Se a pesquisa levar à inovação, a FAPESP pode apoiar. Já vi, participei de reuniões, disputas e brigas em que se atribui à FAPESP a missão de apoiar a inovação lato sensu, o que seria contra a lei. Nos empenhamos em ampliar o perfil da FAPESP na pesquisa para inovação, a fim de que, além de receber projetos de pesquisadores, fossem feitos acordos com empresas para cofinanciar projetos do Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica [Pite], selecionados por chamadas públicas. As universidades e os institutos de pesquisa não estavam fazendo um esforço institucional suficientemente efetivo para criar esses projetos, estavam deixando na mão do pesquisador, como mencionado antes. Fizemos então chamadas em parceria com empresas – Oxiteno, Braskem, Intel, Microsoft, Vale, farmacêuticas e outras dezenas de empresas. Com isso conseguimos aumentar a quantidade de projetos Pite e o valor aplicado nos projetos. Em 2013, surgiu a ideia do Centro de Pesquisa em Engenharia [CPE], híbrido de Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão [Cepid] com Pite. São centros cofinanciados por uma empresa por 10 anos. Deu supercerto, já temos 16 e devem sair mais dois sobre inteligência artificial, um sobre água e outro sobre primeira infância. Fizemos parcerias inclusive com empresas internacionais que nunca tiveram pesquisa no Brasil. A outra parte de fazer pesquisa em empresas, o Pipe, demorou um pouco mais porque tivemos que aprender coisas novas. Fizemos uma reforma em movimento.

Como foi isso?
A primeira parte da reforma envolveu aprender com a NSF como ela selecionava os projetos de pequenas empresas. Eu fui à agência uma vez só para conversar e entender como funcionava. Analisei o Pipe, identifiquei onde havia dificuldades e fui lá conversar com eles. Foi muito útil. Criamos um novo procedimento: trazer especialistas em vez de avaliar nas coordenações, melhorou muito a qualidade da análise. Entre 2007 e 2013, houve uma diminuição na demanda do Pipe. Nessa época, a Finep ofereceu um programa de subvenção com um componente grande para pequenas empresas. Acho que as empresas ficaram ocupadas com isso. Depois de arrumarmos o sistema de seleção, trabalhamos para criar mais visibilidade para o programa. Passamos a publicar anúncios e a promover reuniões com interessados para orientar a fazer projetos de qualidade. Criamos uma cerimônia para anunciar os projetos do Pipe. Como resultado, nos últimos três ou quatro anos tivemos a maior quantidade de projetos aprovados e o volume de dinheiro contratado aumenta anualmente. Também passamos a acompanhar os projetos, melhorando a qualidade do apoio. Isso tudo nos ajudou a tornar maior e melhor a parte programática da FAPESP de pesquisa para inovação. Esses projetos com empresas, que eu chamo de pesquisa “em” e “com” empresas – Pipe e Pite, respectivamente –, usaram no ano passado perto de 10% do orçamento da Fundação, o que nunca tinha acontecido antes. Foi algo que prosperou. Nos últimos três anos a FAPESP contratou quase um projeto Pipe por dia útil.

Quais foram os impactos dessas iniciativas no ambiente acadêmico e na economia?
O primeiro, que foi identificado em uma avaliação concluída em 2009, é que o recurso da FAPESP torna viável que a empresa invista no projeto uma outra quantidade bem maior de recursos seus. Outra forma de ver esse impacto foi um gráfico publicado na revista Pesquisa FAPESP que mostra quantos empregados as empresas tinham antes de iniciar o projeto Pipe e quantos tiveram depois. A InVitro começou com 30 e foi para 268 empregados. A Griaule foi de 5 para 45. No Pite, aumentou muito a quantidade de empresas que nos procuram para fazer esses centros de pesquisa em engenharia, então algum resultado bom deve estar dando. Mas isso é implícito. O impacto mais explícito foi dissipar a visão de que projeto de pesquisa em colaboração com empresa é medíocre e limitado, que atrapalha a carreira do pesquisador e do estudante.

Um preconceito histórico…
A palavra certa não é preconceito. É conceito. Preconceito é quando você fala sem ver. Mas os pesquisadores viam o que acontecia antigamente: a maioria dos projetos era simples consultoria. Muitas organizações em São Paulo ainda confundem pesquisa colaborativa com consultoria subsidiada. O Pite ajudou a mudar essa visão e os Centros de Pesquisa em Engenharia a dissiparam totalmente. Todas as empresas que se associaram conosco nos CPEs especificaram que queriam pesquisa avançada. Eles não querem pesquisa incremental, querem criar o futuro. Isso aparece nos editais, o que despertou alto interesse da comunidade científica por esse tipo de colaboração. Fica claro quando uma empresa como a Shell escreve explicitamente no edital: “Queremos estudos que mudem o panorama da área”. Isso coincide com a maneira como, na minha avaliação, uma agência como a FAPESP deve se envolver com a pesquisa para inovação. Da maneira como vejo, só faz sentido colocar recursos públicos em apoio à pesquisa para inovação se for para a empresa fazer algo que ela não faria só com seu próprio dinheiro. O objetivo tem que ser suficientemente complicado, arriscado ou incerto para ser visível que a empresa não faria aquilo sozinha. O dinheiro do contribuinte é para reduzir o risco. Dessa forma, estamos somando no sistema. Senão a empresa diria: “Agora tem dinheiro do governo, então vamos pegar o que gastaríamos em pesquisa e pôr no marketing, na distribuição de dividendos…”.

Na avaliação dos recursos investidos na Lei do Bem apareceu isso…
Existem avaliações que mostraram isso e outras que mostraram o contrário, ainda não sei bem se houve alguma conclusiva, mas tem essa dúvida. E é uma dúvida difícil de responder. As agências estrangeiras estão sempre preocupadas com isso. O dinheiro público vai deslocar o dinheiro privado ou vai complementar o dinheiro privado? Essa é a questão de fundo.

Foi essa questão que motivou seu trabalho recente indicando um aumento de 14% ao ano, entre 1980 e 2016, na colaboração entre universidades e empresas?
Em parte. Eu via aqui na FAPESP uma quantidade de projetos com empresas, as pequenas que se relacionam com as universidades e empregam estudantes e pós-docs, as grandes que fazem parceria. Mas, quando se vai a alguma reunião para falar de colaboração entre universidade e empresa, o ponto de partida costuma ser que não existe, é fraca ou incipiente. Formou-se uma dúvida na minha cabeça. Como eu vejo tanta demanda e todo mundo fala o contrário? Fui procurar dados e só encontrei evidências anedóticas. O sujeito diz: eu sou da empresa tal, fui na universidade tal e me trataram mal, me deram café frio. Um outro, da universidade, responde: nós fomos conversar com a empresa tal, eles só queriam ter lucro e nós não conseguimos fazer um projeto. Trata-se de uma implicância baseada em casos. E também se baseia em uma ilusão, vendida pela mídia, de que nos Estados Unidos quem financia a pesquisa nas universidades são as empresas e não o governo. Não é assim, quase dois terços vêm do governo federal, um terço do estadual e somente 6% das empresas. Há um outro indicador que me fazia duvidar da crítica, que é o caso da Unicamp e de suas empresas-filhas. Elas são criadas em uma quantidade tão grande quanto a de qualquer boa universidade do mundo. Comecei a contar as empresas-filhas quando eu era reitor da Unicamp e vi uma lista desse tipo na Universidade de Cambridge, que tinha 70 empresas. Em alguns meses, na Unicamp, eu fiz uma lista de 100. Comecei a procurar indicadores e descobri duas coisas. Uma é que USP e Unicamp recebem recursos de empresas, em proporção ao dinheiro que recebem externamente, que as coloca no nível das 10 maiores universidades dos Estados Unidos. A segunda coisa que eu aprendi é lastimável: todas as outras universidades do Brasil não sabem fazer essa conta. Elas não sabem quanto dinheiro receberam das empresas.

Aí surgiu a ideia de fazer a contagem dos papers em colaboração entre universidades e empresas no Brasil?
Isso mesmo. Eu estava vendo uma palestra aqui na FAPESP de um pesquisador que veio da Universidade de Leiden sobre como medir a colaboração de universidade com empresa por coautoria de artigos científicos. Ele mostrou os resultados do Brasil, com base na Web of Science, e tinha só uns 10 papers. Eu achei espetacular a ideia de contar coautoria, mas notei que eles não estavam contando direito. Eles não sabiam que Apis Flora, InVitro, Griaule são empresas. Para eles, empresa é IBM, GSK, Novartis, Microsoft. Durante a palestra, procurei na base de dados artigos com os termos “ltda” e “corp”, porque todos os que tivessem isso seriam empresas. Apareceu um monte. Pensei, tenho algo aqui. A Clarivate ia fazer um relatório e eu reclamei com eles que o dado sobre o percentual de coautoria com empresas estava errado. O mesmo aconteceu com a Elsevier e os dados da Scopus. Peguei todos os artigos do Brasil, tirei tudo o que era hospital, tudo o que era universidade e o resto fui marcando. Olhei uma por uma, porque algumas não puseram nem ltda, nem corp, nem sociedade anônima. Demorou três ou quatro semanas para checar mais de 400 mil artigos. No relatório da Clarivate, há indicadores que mostram claramente que não é certo dizer que tem pouco. Achei valioso: mostra o contrário do que todo mundo acha.

Não seria por ser difícil ver de maneira clara qual é a riqueza gerada em cada parceria?
É difícil ver em todos os lugares. Há universidades que fazem propaganda disso e divulgam, mas o que elas falam não é tudo aquilo com que contribuíram. Falam que a Unicamp fez a fibra óptica no Brasil. Mas o que a Unicamp fez pela indústria do Brasil é mil vezes mais do que a fibra óptica e isso não aparece. Quando se mede o quanto eles trabalham juntos, aí dá para ter uma ideia. Uma das coisas relevantes desse estudo foi mostrar que uma boa parte das interações, talvez quase a metade, é com empresas estrangeiras. Elas vêm aqui buscar a sabedoria dos pesquisadores das universidades, algo que as empresas do Brasil não buscam. Você toma remédio de hipertensão e o coautor do paper que demonstrou o efeito é um pesquisador do InCor [Instituto do Coração] e o remédio é fabricado sob licença de alguma grande farmacêutica. Há um potencial e um valor nas universidades que as empresas do Brasil não estão usando suficientemente.

Os indicadores de inovação nas empresas estagnaram-se nos últimos anos. Por que eles parecem dissociados desses indicadores de colaboração entre universidades e empresas?
Não estão dissociados. Essa é outra descoberta que eu fiz produzindo os indicadores da FAPESP. A dissociação está em outro ponto. No estado de São Paulo, 57% dos pesquisadores são empregados de empresas – já foram dois terços. Aqui não se aplica essa história que falam do Brasil, que tem pouca pesquisa nas empresas. Dos R$ 25 bilhões investidos em pesquisa no estado de São Paulo, 60% foram gastos por empresas, pagando 47 mil pesquisadores. A revista Pesquisa FAPESP publicou isso algumas vezes na página Dados. A questão é: por que gastam tanto dinheiro e não vemos resultados tão notáveis quanto os de empresas de outros países? A seção Dados de Pesquisa FAPESP publicou há uns anos uma tabela educativa que mostra por que os indicadores de inovação patinam. A tabela aponta, em países selecionados, o número de patentes, o número de pesquisadores que trabalham em pesquisa nas empresas e quantas patentes são obtidas para cada grupo de 10 mil pesquisadores. No Japão e na Coreia do Sul, há 900 patentes por 10 mil pesquisadores. No Brasil, pagam-se 10 mil pesquisadores e no fim do ano têm 29 ideias que viram patente. Aqueles 47 mil pesquisadores nas empresas aqui estão trabalhando em uma agenda de pesquisa que é ruim. Não é que falte esforço. Falta agenda ousada e movida pela busca de oportunidades internacionais.

Detalhe do artigo publicado em 5/11/2019 em O Globo, assinado pelo presidente da Câmara e líderes de partidos: pesquisa em C&T ganhou espaço nos últimos anos

E quais seriam os alicerces para termos uma verdadeira estratégia de pesquisa para inovação no país?
Os alicerces precisam ser baseados em ter um sistema de proteção de propriedade intelectual que funcione direito, é preciso aumentar a exposição da economia brasileira à competição mundial, e, nos programas em que o Estado brasileiro vai usar o dinheiro do contribuinte, deve-se pensar nas compras públicas como um indutor, sem afogar a competição, e na ideia de que só faz sentido o Estado entrar se o seu dinheiro não for deslocar o dinheiro privado.

Vamos falar de alguns programas FAPESP. Começando pelo Bioen (Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia), que teve cinco vertentes: melhoramento de cana, fabricação de biocombustíveis, motores a etanol, biorrefinarias e impactos sociais e ambientais. Em quais delas houve mais resultados?
Todos tiveram resultados importantes, mas os de maior impacto foram os referentes à sustentabilidade de biocombustíveis, no trabalho que resultou no relatório Scope [Comitê Científico para Problemas de Ambiente]. O Bioenergy & sustainability: Bridging the gaps virou uma obra obrigatória nesse assunto e foi ilustrativo dessa nossa estratégia de todos colaborarem internacionalmente buscando protagonismo. Nesse relatório, três brasileiros lideraram uma equipe de 137 pesquisadores de 80 instituições de 24 países.

Qual foi a contribuição do relatório?
Foi bem singular e importante para o Brasil: definir em que condições biocombustíveis produzidos em larga escala podem ser feitos de maneira sustentável. Sustentável significa não prejudicar o meio ambiente nem a produção de alimentos. O principal obstáculo para a expansão de biocombustíveis no mundo tem sido a crítica de que isso causaria fome ou destruiria florestas. Em geral, essas objeções ao biocombustível vêm de estudos liderados por europeus. Esse relatório teve participação de alemães, holandeses, franceses, norte-americanos e chegou a um resultado razoável mostrando qual o jeito errado e o jeito certo de fazer as coisas nessa área. O jeito errado não é, em geral, a maneira como se faz aqui.

Quais outros resultados no Bioen devem ser destacados?
Um deles foi estabelecer certos parâmetros possíveis de sustentabilidade de biorrefinaria que acopla produção de etanol por técnica de primeira geração e de segunda geração, que usa celulose. Isso mostrou em que condições usar, por exemplo, a palha. Não se pode usar toda, mas só uma parte, senão estraga a próxima colheita. O terceiro resultado muito bom, do ponto de vista científico, foi eles conseguirem fazer o genoma mais completo da cana feito até agora. Eu diria que o mais importante do Bioen foi colocar os pesquisadores de São Paulo nas mesas relevantes do mundo onde se discutem estratégias para biocombustíveis, o que abre portas para pesquisa e para negócios e empresas no Brasil.

O programa de Pesquisa sobre Mudanças Globais foi lançado com o objetivo de se conhecer mais o tema para ajudar na tomada de decisões sobre avaliações de risco e estratégias de mitigação e adaptação. O tema parece não comover as diversas áreas do Executivo e do Legislativo. Por que isso ocorre?
Não sei se isso é bem verdade. Os resultados de pesquisadores do programa FAPESP sobre o aumento do nível do mar estão levando municípios no litoral a criar legislação e regras. Comparado com o Biota, talvez tenha menos resultados visíveis porque é um tema mais difícil. As consequências estão lá na frente: é pagar agora para não ter consequências daqui a 50 anos. Quem vai se beneficiar do custo não é quem está pagando agora. Não são só os políticos que relutam. Por isso há esse debate mundial, que se acelerou um pouco por causa da reação ignorante de certos políticos contra o tema. Isso acabou por criar uma onda a favor da valorização das pesquisas, dos resultados.

Durante um workshop para discutir os progressos desse programa, logo no início, o senhor cobrou mais engajamento dos pesquisadores. O engajamento foi satisfatório?
Claro que há partes que poderiam ter dado mais certo. Mas é assim mesmo. Os workshops são momentos ótimos para estimular a comunidade de pesquisa a fazer e se articular mais. O desafio desses programas, muitas vezes, é conseguir que os pesquisadores redirecionem um pouco seus interesses para trabalhar juntos. Em vez de 1 + 1 + 1 ser igual a 3, sempre digo que gostaríamos que 1 + 1 + 1 fosse igual a 3,2 ou 3,3. Ou seja, que o trabalho num programa aumente a qualidade e a efetividade dos resultados. Tem de ficar falando isso o tempo inteiro porque a tendência das pessoas é de se acomodar no que já estão fazendo. O papel de uma organização como a FAPESP é liderar e estimular por convencimento e persuasão.

E a renovação do programa Biota, o Biota + 10, que ocorreu já na sua gestão? Como foi dar continuidade?
Essa foi a segunda rodada do Biota. O programa foi bem estabelecido desde 1997. Discutimos com os pesquisadores e reinventamos o programa. Acrescentamos temas, como o mar, que acabou se associando a uma iniciativa do Instituto Oceanográfico da USP, de comprar o navio Alpha-Crucis, depois outro barco, os dois para fazer pesquisas sobre biodiversidade marinha. Eles continuaram a conseguir resultados porque se empenharam e tiveram a felicidade de ter no governo, na Secretaria de Meio Ambiente, no momento certo, lideranças responsivas ao que eles descobriram.

Algum outro programa trouxe resultados destacados?
Todos pensam nesses programas citados por vocês. Mas esses são programas orientados a temas. Há uma outra parte de nossas ações, que tem a ver com os programas tradicionais da FAPESP e passaram por forte mudança na distribuição dos investimentos. De uma situação em que 13 ou 15 anos atrás nós investíamos mais dinheiro em projetos de curta duração, os auxílios regulares, agora estamos investindo a maior parte dos recursos destinados a auxílios à pesquisa em auxílios ousados e competitivos mundialmente, que são os projetos temáticos, os Cepids e o programa Jovem Pesquisador. A parte dos auxílios individuais diminuiu e a dos projetos que têm equipes maiores, temas ousados, cresceu. Isso foi feito intencionalmente e prudentemente. Envolveu convencer os assessores a terem menos restrições a pesquisas com risco maior. Há parecer em que está escrito “essa pesquisa é bonita, mas tem muito risco”. Pesquisa é para ter risco. Tem de pensar: não sei se vai dar certo, mas essa equipe que está propondo já fez um projeto complicado antes? Se já fez, é uma boa razão para apostar.

O que define um projeto ousado?
Não é o risco. É o tamanho do problema que ele trata e como pretende tratá-lo. Se vai pegar um problema novo, que nunca ninguém abordou, ou, ao menos, nunca tratou daquele jeito, e se o projeto pode levar a um grau de compreensão notavelmente melhor do que se tem hoje. Isso frequentemente tem risco, mas não é o que o define. É o tipo de pesquisa que buscamos com os Temáticos, Cepids, Jovem Pesquisador e CPE.

Houve resistência da comunidade científica à mudança no perfil dos programas?
Houve uma mudança de hábito que nós induzimos e de certa maneira até forçamos. A atitude de resistência é natural porque as pessoas estão acostumadas a trabalhar de um jeito e, quando dizemos que é para mudar, todos reagem. Mas perceberam que havia benefícios nisso. Foi difícil, houve muito debate, eu e meus colegas da coordenação adjunta fomos a muito workshop, palestra, reunião. A comunidade científica de São Paulo entendeu.

Eduardo Cesar Alpha Delphini (à esq.) e Alpha-Crucis, adquiridos para o estudo da biodiversidade marinhaEduardo Cesar

Como é que a FAPESP tem conseguido lidar com a demanda crescente da comunidade, com muitos programas complexos, como Cepid/CPE, inúmeros acordos internacionais?
Entre 2005 e 2013, aumentou a demanda e a receita real da Fundação. Conseguimos recuperar parte do que foi perdido na crise entre 2001 e 2005, aumentamos a quantidade de concessões e iniciamos a estratégia de fazer o deslocamento dos projetos curtos para os longos e ousados. Em 2013, começamos a ver o horizonte de crise, que se confirmou em 2014 e até agora só piorou. De lá para cá, a demanda apresentada à FAPESP ficou surpreendentemente constante. Não saberia explicar por quê. Subiu bastante, depois parou. Ante a crise de receita, devido à evolução da economia brasileira e paulista, tornamos mais rigoroso o processo de concessão de bolsas ou auxílios. A taxa de sucesso, que era de 55%, foi para 40%. Agora estamos a caminho de 38% porque a crise continua. A reserva do fundo patrimonial da Fundação estava grande porque de 2005 a 2014 acumulamos recursos. Por isso, o Conselho Superior permitiu, a partir de 2014, que usássemos uma parte para seguir a lei zero da FAPESP, que é: tudo que foi contratado será pago. Ao mesmo tempo, tivemos de contratar menos projetos para termos menos compromissos no futuro. Antes de 2001, a taxa de sucesso de aprovação era entre 75% e 80%; de 2001 a 2005 foi entre 40% e 45%; de 2005 a 2009 subiu para 55%, e em 2014 foi de 40%. Não é um número ruim comparado com as principais agências do mundo. E é uma média de tudo o que analisamos. Aprovamos 60% das solicitações de bolsa de iniciação científica e 28% de projetos temáticos, que duram cinco anos. Os NIH [Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos] aprovam apenas 11% quando se trata de projeto de cinco anos. A NSF aprova 17%. Nossos 28% não são uma catástrofe. Ser mais competitivo faz o sistema melhorar em qualidade. Mas o pesquisador tem que caprichar muito mais no projeto.

Qual foi o impacto da crise no programa de equipamentos multiusuários (EMU)? Ele também já teve momentos melhores do que o atual, certo?
Parece que sim, mas não. Agora ele é contínuo. Até 2009, 2010, o EMU era um programa de bolha de gastos. Teve uma chamada nos anos 1990, logo que eu entrei aqui tinham acabado de selecionar um, e a maior bolha foi a de 2009, de R$ 150 milhões. Esse sistema de bolhas é ruim para a instituição, porque, primeiro, causa um aumento de desembolso repentino, difícil de fazer e programar. Segundo, porque fazer um edital a cada cinco anos tende a criar um estímulo para solicitações legítimas e outras que usam a oportunidade porque não se sabe quando vai ter novo edital. Mudamos para ser um sistema contínuo no qual equipamentos de natureza multiusuário podem ser solicitados naquela categoria de auxílios que chamamos de “ousados”: temático, Jovem Pesquisador, Cepid e CPE. Eles têm que ser justificados do ponto de vista daquela pesquisa e de atender outros usuários. Também criamos uma sistemática de acompanhamento do equipamento, exigindo e verificando se tem uma agenda aberta, um sistema de ressarcimento de custo e técnicos no apoio. Há uma série de exigências sobre a instituição, o que levou a qualidade da concessão do multiusuário a melhorar muito. Se fizermos as contas e somar cinco ou seis anos de tudo, vai dar o mesmo número da bolha de 2009, ou mais.

Houve um investimento da FAPESP em produzir indicadores de C&T. Que balanço se faz em relação à capacidade de produzir informação que ajuda conhecer e tomar decisões?
O que mudou foi que conectamos os indicadores com a montagem de estratégias da FAPESP. Até certa época, havia algum esforço na produção de indicadores – a primeira vez que se fez isso foi em 1997/1998, um trabalho inicial e muito bem-feito. O meu jeito de trabalhar valoriza o acesso a indicadores. Estimulei a produção de indicadores sobre o mundo exterior e sobre a FAPESP. Acompanhar todo ano a quantidade de propostas que entram e o que é aprovado não nos faz mudar a maneira de funcionar. Observando os indicadores, podemos, por exemplo, criar uma coordenação de área nova, como quando criei a coordenação de ciência da computação, porque descobri, olhando os números, que havia projetos em quantidade semelhante aos que tinham de física, de química, mas não existia ainda uma coordenação para tratar dessa área. Olhando a Biblioteca Virtual, hoje qualquer pessoa consegue descobrir quantos auxílios foram aprovados em qualquer área. Fica fácil ver o que acontece e é possível usar isso para tomar decisões. Para os indicadores de C&T, depois de 2015, com a vinda do professor [Carlos Américo] Pacheco, montou-se na diretoria da presidência do CTA um esforço mais robusto ainda, com um time muito bem qualificado.

Por que a questão do acesso aberto interessa para a FAPESP?
Hoje, há maneiras de tornar acessível na web praticamente todo o trabalho científico financiado por uma organização pública. Se pode ser assim, queremos que os pesquisadores usem a oportunidade para se comunicar mais com os colegas e com o público. Criamos uma política de acesso aberto que estabelece: tudo que a Fundação financiar, quando for publicado, do jeito que a revista permitir, deve ir para um repositório de universidade para qualquer pessoa consultar. No começo tinha gente que falava: “Ah, mas para que o cidadão vai consultar se ele não entende?”. A minha resposta é: não interessa. Ele pagou e tem que poder ler. Essa é a política que implantamos em 2009, com um stepping up em 2017 ou 2018, que foi falar “olha, precisa correr”, como outros países têm feito também. Eles começam avisando, depois apertam mais e mais. Hoje, as principais universidades têm repositórios de acesso aberto. Uso muitas vezes. A Unesp tem um muito bom. É bem útil e aumenta a visibilidade da universidade no mundo, o que acaba atraindo a atenção de estudantes e pesquisadores

A princípio, a política de acesso aberto não foi bem compreendida pelos pesquisadores de São Paulo…
Em determinado momento, criou-se um entendimento errado: os pesquisadores acharam que eram obrigados a publicar em revista de acesso aberto. Um dos valores importantes da FAPESP é que os pesquisadores mandam na sua pesquisa. A FAPESP não diz que pesquisa deve ser feita nem onde deve ser publicada. Depois de resolver em que revista quer publicar, é só ver a regra da revista para acesso aberto e seguir. Praticamente não há revista que impeça o autor de divulgar o manuscrito em acesso aberto pelo menos um ano depois de publicado. Hoje isso está bem entendido.

A FAPESP, nas suas palavras, busca ter impacto social, econômico e intelectual científico. Esse tripé deveria ser equitativo ou cada perna deveria ter um peso de acordo com o momento?
O impacto da pesquisa precisa aparecer nessas três dimensões. Mas nunca disse que cada projeto de pesquisa tem que estar nas três dimensões. É o sistema como um todo que tem que fazer essas três coisas. Cabe a uma agência como a FAPESP, ao governo, achar o equilíbrio adequado, que, aliás, é um equilíbrio dinâmico. Tem época que queremos mais ou menos pesquisa aplicada, dependendo dos problemas que se está enfrentando. As três dimensões ajudam a visualizar uma estratégia que pegue os elementos essenciais para resultados de pesquisa financiada pelo contribuinte. O tamanho exato de cada dimensão eu não sei dizer. Não tem uma solução única.

Isso mudou nos últimos 15 anos?
Não sei se houve uma mudança relativa. Nas três dimensões conseguimos ter mais impacto. Vemos mais efeito da pesquisa nas empresas, porque tem mais interação, tem mais coautoria, tem mais projeto colaborativo. Conseguimos ter mais impacto da ciência, porque vemos mais citações dos trabalhos, mais presença internacional da pesquisa do estado de São Paulo. E conseguimos ter mais impacto social, visível em decretos relativos ao meio ambiente que usam resultados do Biota [Programa FAPESP de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade] ou no estudo do professor Paulo Cidade, da USP, sobre o efeito da pesquisa em agricultura na produção de alimentos. Outras coisas são mais difíceis de medir, mas não de identificar. Por exemplo, aumento da qualidade do atendimento nos hospitais porque eles têm protocolos mais bem-feitos, fruto de pesquisa que a Fundação financiou. Basta lembrar o assunto recente do sequenciamento do genoma do vírus da Covid-19 (ver reportagem na página 26). Melhoramos nas três dimensões. É um pouco a analogia dos barquinhos a que me referi antes, todos estão flutuando mais alto.

Nesse cenário de restrição, baixo crescimento, como se financia a ciência? Há o que fazer?
Até certo ponto, é possível conviver com uma situação de restrição elevando referenciais para escolher o que financiar e o que não. Mas, além de um certo ponto, a seleção pode virar uma loteria indefensável. Na FAPESP, não estamos perto desse ponto. Mas quando tem, como no CNPq, um corte de 80% de dinheiro de fomento, já se está nessa situação. O principal efeito negativo da crise pela qual o Brasil está passando é não estarmos construindo as bases de um futuro com mais ciência e melhor ciência. Estamos há muito tempo sem criar mais lugares com atividade de ciência, mais universidades, departamentos competitivos, contratar professor que venha de outros lugares do mundo… Teve uma época em que foi feito, entre 2005 e 2012, com critérios com os quais eu não concordaria totalmente, mas pelo menos algo foi feito. Quando olhamos para o estado de São Paulo, a UFABC [Universidade Federal do ABC] tornou-se um lugar relevante da pesquisa no Brasil e no mundo. A Federal de São Carlos aumentou sua produção. Com muita luta, se fez a fonte de luz síncrotron Sirius, que é uma realização respeitável, mas o Brasil precisa de mais. Criar poucas iniciativas agora vai nos fazer falta no futuro. Não estou falando só de agência de financiamento, mas de instituições, de criar lugares onde tenha mais gente. Como eu falei, o nosso gráfico de demanda está estável porque o número de pesquisadores empregados nas instituições do estado de São Paulo está estável. Seria muito melhor se estivesse subindo.

Vê um prejuízo nas universidades paulistas se expandirem menos nesse período?
Eu não sei se é certo transportar a minha ideia de “o sistema precisa crescer” para a ideia de que cada universidade precisa crescer. Talvez o caminho certo seja ter mais universidades. É difícil ver no mundo universidade que cresce sempre a 5% por ano. Talvez devêssemos ter uma estratégia de ter mais organizações de tamanho administrável e bem qualificadas.

De outros tipos ou outras universidades?
Depende de quais desafios queremos tratar. Pode ser universidade ou instituto de pesquisa dirigido a problemas que se precise resolver. Ou empresas intensivas em P&D [Pesquisa e Desenvolvimento]. Sempre senti falta de instâncias governamentais que pensem nessa estratégia em conjunto com a comunidade científica e com muitos outros atores, como os contribuintes, as empresas, os fazendeiros, e digam: temos essa lista de 10 problemas. Esse ano só dá para resolver o primeiro. No ano que vem, olhamos o segundo, daqui a cinco anos, o terceiro. Mas não há uma agenda de desafios em São Paulo. Tentamos fazer um plano diretor de ciência e tecnologia que, na versão que saiu em 2010, tinha uma agenda boa. Serviu para nós e para as universidades, o governo até usou um pouco. Mas precisava ser uma coisa mais permanente, senão o desenvolvimento do sistema fica sujeito às idiossincrasias de cada instituição, que muitas vezes levam a um resultado bom, mas em outras faz coisas onde não precisava. Ou seja, falta para o estado de São Paulo ter uma estratégia legitimada entre a comunidade de pesquisa, o governo, a comunidade ligada com inovação industrial e inovação social, sobre que caminhos devemos ter. Poderíamos extrair mais resultados se houvesse uma articulação benigna, não uma articulação autoritária, em que as organizações ajudem a fazer o plano e, portanto, estejam convencidas da sua correção.

Eduardo Cesar O chip Sampa, aqui protegido por blindagem anti-radiação, foi feito para integrar o detector Alice, da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (Cern)Eduardo Cesar

Essa ideia de ter mais instituições não deveria incluir as privadas?
Certamente. Tem uma coisa nova em São Paulo, que apareceu aqui nos últimos 10 ou 12 anos, que são instituições privadas dedicadas à pesquisa. Quando fazíamos os indicadores em 2005, não aparecia no radar. E agora olhamos e tem instituto do Hospital Sírio-Libanês, do Hospital Albert Einstein, Instituto Eldorado, CPQD. As instituições novas de pesquisa e ensino superior podem ser privadas ou públicas. Quando comparo o estado de São Paulo com a Espanha, que são dois lugares de mais de 40 milhões de pessoas, a Espanha tem mais de dezenas de universidades públicas. São Paulo tem seis. É um número para entender melhor, certo?

Os pesquisadores têm muita autonomia para fazer o que desejam e às vezes não se estabelecem prioridades nem mesmo dentro dos departamentos. Isso não atrapalha ter uma estratégia maior?
Pesquisadores precisam ter autonomia, principalmente na universidade, e liberdade acadêmica para escolher os assuntos. O Estado precisa ter um sistema para enfatizar certas pesquisas que ele quer, por decisão democrática, que sejam feitas e isso é mais ou menos o que fazemos. Bioen, por exemplo, pesquisa em bioenergia; pesquisa em colaboração com a empresa, qualquer assunto, mas em colaboração com a empresa. Vai montando desse jeito e consegue redirecionar. Não acredito muito no modelo meio soviético, em que o Estado resolvia e baixava a diretriz. Na universidade, os pesquisadores precisam fazer o que eles resolverem que acham importante. Por isso é tão importante que a comunidade de pesquisa participe do estabelecimento das prioridades – para se sentir parte da decisão e comprometida com ela. Em qualquer caso, é essencial avaliar os resultados continuamente.

Quem cobra esse resultado?
Quem financia a pesquisa, por exemplo, quando avalia os relatórios, quando vai analisar o próximo projeto. Quem avalia também pode ser o departamento, ao ver se a pessoa merece continuar no tempo integral ou não. Uma agência precisa, como faz a FAPESP, avaliar a efetividade de seus programas. É assim.

Deveria ser…
Depende do lugar. Na Unicamp, é. Já vi a pessoa perder o regime de tempo integral porque não estava dando resultado. É uma coisa difícil e em todas as universidades do mundo. É mais fácil, e mais correto, seja no nível de departamento, da faculdade, da universidade ou do financiador, buscar jeitos de ajudar a pessoa a funcionar do que excluir quem não está funcionando. Os benefícios são maiores fazendo assim. É a história do chefe de departamento chamar o jovem que foi contratado há um ano e dizer: “Esse ano você fez essas coisas, mas você podia ter feito mais; você perdeu tal oportunidade, eu vou te ajudar”. Ninguém faz isso nas nossas instituições. Eles acham que o chefe de departamento é quem assina o ofício pedindo um funcionário a mais na limpeza. As instituições precisam exercer o papel de liderança acadêmica positiva. Não é chegar para o pesquisador e dizer: “Você vai embora porque não fez nada”. É dizer: “Eu vou te ajudar para no próximo período você fazer mais e melhor”.

A partir de maio, o que fará?
Aqui na FAPESP tive o gosto de trabalhar com uma equipe excepcional na DC, funcionários e membros das coordenações de área, programa e adjunta. A satisfação de interagir com os pesquisadores de todas essas coordenações é enorme, difícil pôr em palavras. São pessoas que valorizam a boa pesquisa porque sabem o que é pesquisar, amam a ciência, a tecnologia e são cheias de ideias e de paixão por estas. Não se encontra esse tipo de ambiente em muitos lugares. A diretoria e o conselho sempre foram muito positivos e institucionais, nas convergências e nas divergências. Mas a verdade é que não sei o que farei depois de abril. Estou investigando possibilidades. Agora o mundo virou de cabeça para baixo com esse assunto do vírus, tudo ficou mais complexo. Acho que o grupo de pesquisas no Instituto de Física da Unicamp me aceitará de volta. Mas, por via das dúvidas, pode ser bom consultar os anúncios classificados.

A edição impressa de abril traz uma versão resumida desta entrevista.

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