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Resenha

A companheira constante de viagem

O título da coletânea de textos organizada por Leyla Perrone-Moisés, Cinco séculos de presença francesa no Brasil, já revela a importância do tema. Afinal, quem além dos portugueses pode alegar um contato tão extenso com as terras brasileiras? Claro que, além do tempo, a presença dos franceses e de sua cultura, do século XVI ao XX, tem peculiaridades com resultados notáveis sobre a nossa cultura. Isso é justamente o que interessa ao grupo de pesquisadores que se reuniu, em 2009, no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, durante o Ano da França no Brasil, para discutir essa questão, trazendo esclarecimentos e corrigindo muitos enganos que foram perpetuados pela tradição.

O primeiro deles, seguindo a ordem cronológica estabelecida pelo ciclo de conferências, é o conceito de “invasão” alegado a posteriori pelos colonizadores portugueses. Em O Brasil de Montaigne, de Frank Lestringant, e Franceses no Maranhão, de Beatriz Perrone-Moisés, entendemos que os franceses tinham um conhecimento sobre os índios muito maior e bem mais sutil e interessado que os lusitanos. Montaigne conheceu índios enviados à França e fez indagações fundamentais sobre eles a ponto de que, como nota Lestringant, “a América, no Renascimento, nasce do Brasil e pouco importa que Colombo tenha abordado o Novo Mundo pelas Bahamas”.

A familiaridade da corte francesa com o Brasil, já em 1560, era muito grande. Ao contrário dos portugueses, os navios franceses que vinham para instalar a França Antártica contavam com esse conhecimento e sabiam do poder da aproximação com os nativos, sempre trazendo pessoal que se transformaria em intérpretes, uma novidade que os lusos tentaram, sem sucesso, copiar. Alguns, como David Migan ou Charles des Vaux, viviam entre os nativos e eram admirados por eles. Invasão?

Um salto no tempo e chegamos às missões artísticas francesas no século XIX, que, em verdade, mostram Lilia Schwarcz e Jacques Leenhardt, nada tiveram de conjunto ou combinado, mas foram levas de artistas que vieram ao Brasil por questões pessoais, fugindo tanto de Napoleão quanto das consequências de sua queda posterior. Nicolas-Antoine Taunay e Jean Baptiste Debret enfrentaram, aqui, o dilema da escravidão em face das ideias da Revolução Francesa, cada um descobrindo a sua solução para essa vergonha.

Taunay revisou a grandiosidade revolucionária com a pujança da natureza americana: a mata valia pela catedral e o riacho entrava no lugar do monumento. Para “subtrair” o escravo era preciso aumentar ainda mais o natural para que esse engolisse o negro cativo, uma impossibilidade na tela neoclássica. Já Debret, que poderia ter se transformado num pintor de corte medíocre de uma corte insípida, optou, com brilho, pela documentação do nascimento da nação, se identificando com o povo.

Nas suas obras, o exotismo desaparece e, pela primeira vez, índio e escravo aparecem e participam do mundo que os representa sobre a tela. Num outro extremo, a literatura, Gilberto Pinheiro Passos volta a ressaltar a influência francesa sobre Machado de Assis, atualmente soterrado sobre ascendências inglesas. Num movimento interessante, reconhece como “primas” de Capitu, entre outras personagens, a volúvel Manon Lescaut e a Carmen de Mérimée, a dona do “olhar de cigana dissimulada”.

João Roberto Faria, em O teatro francês no Brasil do século XIX, questiona os efeitos das companhias francesas entre nós e de como elas, com sua presença massacrante, teriam inibido o surgimento de uma dramaturgia de melhor qualidade do que as revistas ligeiras e popularescas. Coisa bem brasileira, o público só queria ver Shakespeare, Racine e outros grandes nomes com os estrangeiros. Quando eles iam embora, tudo voltava ao mesmo e não se demandava dos autores e intérpretes brasileiros nada além do popular.

No século XX, Manoel Corrêa do Lago revela como o Carnaval mudou a cabeça musical de Darius Milhaud, que esteve no Brasil entre 1917 e 1918 e nunca mais tirou o país da cabeça e de suas obras. Carlos Augusto Calil e Helena Salgueiro revelam como a vida nacional mexeu também com cabeças modernas como Blaise Cendrars, Benjamin Péret, Pierre Verger e Marcel Gautherot. Encerrando o livro, alguns textos trazem notícias das atividades artísticas francesas mais recentes. O resumo total do ciclo é dado pela sua organizadora, Leyla Perrone, que nos lembra como “a Universidade de São Paulo ainda se mantém fiel às suas origens francesas”.

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