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Resenha

A história recente da física quântica

The quantum dissidents – Rebuilding the foundations of quantum mechanics (1950-1990) | Olival Freire Junior Springer, 356 páginas | Capa dura US$ 99, e-book US$ 69,99

Resenha_The quantumeduardo cesarCom seu livro The quantum dissidents, Olival Freire Jr. apresenta uma análise detalhada e documentada de um aspecto importante, pouco conhecido e muitas vezes mal compreendido da história relativamente recente da física quântica: o dos fundamentos desta ciência cuja importância é considerável, uma vez que diz respeito às propriedades da matéria em nível atômico, nuclear e subnuclear das partículas e campos quânticos.

A questão dos fundamentos acompanhou a elaboração da mecânica quântica, que rompia com as teorias físicas clássicas e cujo formalismo matemático muito refinado parecia requerer uma interpretação (física e também filosófica) para ser compreendido e assegurar sua conexão com os dados das experiências. O sucesso da teoria quântica quanto ao conhecimento da estruturação da matéria elementar determinou logo a corrente principal (mainstream) da física quântica. A preocupação com os fundamentos parecia desde então marginal para a física, e, no melhor dos casos, relegada à filosofia. Quanto a isso, a interpretação dita da “complementaridade”, proposta por Niels Bohr, gozou de um tal consenso que passou a ser a ortodoxia nesse assunto.

Tendo em vista esse pano de fundo, Olival Freire Jr. escreve a história da retomada por físicos do problema dos fundamentos da teoria quântica, de 1950 a 1990, tal como pôde acompanhá-la e fazê-la reviver para nós. Ele faz um estudo dos principais casos (trabalhando sobre mais de 20 autores com contribuições significativas), com a precisão e o rigor do historiador e do epistemólogo, em certos momentos também do sociólogo, além dos conhecimentos de físico.

A leitura desse livro nos traz à memória as pessoas e seus círculos, nos quais se desenvolveram as ideias, os debates e as controvérsias desse período relativamente recente. É nesse sentido que sua exposição é uma narrativa que tenta apreender em todas as suas dimensões (intelectual, humana, social) esse trabalho de elaboração dos conhecimentos quanto aos seus conteúdos e circunstâncias (que incluem também aspectos ideológicos e políticos). Essa reconstituição muito viva está firmemente fundamentada na realidade histórica: tudo o que o autor narra é reconstituído, estabelecido a partir de uma documentação exaustiva (publicações, arquivos, correspondências pessoais), completada por inúmeras entrevistas com importantes protagonistas.

O título do livro indica claramente que o movimento de retomada das questões relativas aos fundamentos se realizou, pelo menos num primeiro tempo (digamos de 1950 a 1980), como uma contestação da ortodoxia em vigor, cujos representantes reagiram certas vezes brutalmente (chegando mesmo, em alguns casos, a causar a interrupção de carreiras científicas). Opor-se naquela época ao dogma da “monocracia de Copenhague” merece bem o qualificativo de “dissidentes”, mesmo se nem todos o foram da mesma maneira. No período seguinte, as ideias inovadoras conseguiram modificar a situação e “quebrar” o consenso: já era o sucesso do movimento de “reconstrução dos fundamentos”.

Podemos acompanhar a reconstrução seguindo os trabalhos de Bohm sobre as variáveis ocultas, o potencial quântico e a mecânica bohmiana; os de Everett sobre o estado relativo; os de Bell sobre as correlações quânticas e a não localidade no experimento mental EPR de Einstein (teorema de Bell); os esclarecimentos sobre a teoria quântica de medição; a formulação teórica detalhada (teoria da decoerência) da experiência mental do gato de Schrödinger e da intricação quântica; a utilização desta última na transmissão de informação (primeiros passos da informação quântica); e todas as experiências efetivas, de extrema precisão, correspondentes (as de Aspect sobre a não localidade pela violação das desigualdades de Bell, de Haroche et al. sobre a intricação e a decoerência etc.).

Em razão desses episódios quase exaustivamente descritos e analisados no livro, é possível dizer, com Olival Freire Jr., que o problema dos fundamentos “entrava no laboratório”, sem negar por isso a preservação de sua pertinência filosófica. Renovado e recuperando sua legitimidade, este juntava-se doravante à corrente principal do desenvolvimento da física quântica. Tudo isso é contado e analisado pormenorizadamente com muita competência, sempre suscitando o interesse do leitor.

Michel Paty é diretor emérito de Pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) e pesquisador do Laboratório Sphere (CNRS e Universidade Paris 7-Diderot).

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