Se devidamente praticado, esporte não é só saúde e lazer. Produz também história e ciência, gera riquezas e empregos, com repercussões em diversos campos da vida nacional. De 1996 a 2000, as atividades econômicas ligadas a essa área cresceram cinco vezes e meia a mais do que Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil – 12,34% ante 2,25%. Em 1999, uma projeção da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro indicava que o esporte respondia por 1,7% do PIB nacional, algo como US$ 12 bilhões. Estima-se que aqui as atividades físicas, com ou sem fins competitivos, gerem um milhão e meio de postos de trabalho diretos e indiretos, mais do que a indústria têxtil. Em 2003, ainda segundo dados da FGV, só de empregos diretos eram 963 mil, sobretudo em campos e instalações para a prática de futebol, academias, centros hípicos e náuticos, clubes esportivos, autódromos. Isso sem contar os pesquisadores e professores que tocam 43 laboratórios cujo tema central ou auxiliar é a atividade física. São centros que estudam a fisiologia ou a biomecânica (movimentos) do exercício, benefícios e contusões do esporte, entre outros aspectos.
Essas informações e muitas outras – de carácter histórico, econômico, científico ou social – constam do Atlas do esporte no Brasil, projeto que, com o auxílio de quase quatrocentos voluntários, garimpou dados de diversas fontes para traçar um panorama das atividades físicas em território nacional. “Estamos lançando o atlas em CD-ROM e em setembro na forma de um livro”, diz o professor de educação física Lamartine Pereira da Costa, da Universidade Gama Filho (UGF), do Rio de Janeiro, coordenador da iniciativa, que montou um consórcio de onze entidades para viabilizar a empreitada. “O atlas é um trabalho hercúleo que mostra de onde viemos e para onde devemos ir”, afirma o velejador e secretário da Juventude, Esporte e Lazer do Estado de São Paulo, Lars Grael, que escreveu um dos capítulos do projeto. “Servirá de base para o desenvolvimento da indústria do esporte e a formulação de políticas para o setor.”
Para Costa, que tem doutorado em filosofia, a indústria do movimento pode crescer mais ainda no Brasil. “No mundo desenvolvido, as atividades físicas respondem por 2% a 2,5% do PIB e empregam em média 2% da mão-de-obra. Na Alemanha, por exemplo, a indústria do esporte é maior que a petroquímica”, afirma o pesquisador da UGF. Costa diz que o Brasil é o quarto ou quinto do mundo nesta indústria, mesmo sem ter uma política para o desenvolvimento do setor: “Foi o mercado e a própria sociedade que a criaram. No esporte, os indivíduos financiam, as pessoas pagam para fazer atividades físicas. O governo só tem que desobstruir caminhos. Pode ajustar o que já existe e funciona”.
Segundo o atlas, quase todo mundo que pratica alguma atividade física ou esporte, ou seja, mais da metade da população brasileira, o faz ocasionalmente. Isso inclui pessoas que vão a pé ou de bicicleta para o trabalho ou se dedicam regularmente a tarefas domésticas. A atividade física com mais praticantes ocasionais é a pesca, com 25 milhões de indivíduos que, vez ou outra, jogam o anzol para pegar um peixe (o futebol vem em segundo lugar, com 23 milhões de praticantes). Já as pessoas que, pelo menos uma vez por semana, praticam regularmente um esporte, fazem ginástica ou caminhadas com o propósito de se exercitar não chegam a 11 milhões. E apenas 749 mil podem ser consideradas muito ativas: freqüentam academias de ginástica ou praticam algum esporte de competição duas ou mais vezes por semana. A classificação da atividade física adotada pelo atlas seguiu parâmetros internacionais.
Há 20 mil academias de ginástica no Brasil, apenas os Estados Unidos têm mais estabelecimentos desse tipo, embora 13,2% dos norte-americanos freqüentem ginásios e aqui só 2%. Segundo Costa, existem boas perspectivas para os negócios do esporte ligados ao turismo, uma tendência mundial. Há um pólo de turismo no Pantanal, ligado à pesca, muitas oportunidades no setor de esportes de praia, sobretudo no Nordeste, mas faltam dados sobre esse ramo de atividade física. Essa é uma das lacunas registradas pelo atlas, que, entre outros objetivos, tem o de apontar o que falta no setor. Há ainda pólos importantes de esportes considerados de elite, mas que geram muitos empregos, como hipismo e golfe, muito procurado pelo capital estrangeiro.
Alguns dos dados do atlas foram levantados pela equipe de voluntários (professores, dirigentes), outros são reproduzidos de fontes secundárias, como FGV, Instituto Nacional do Câncer (Inca) e entidades de classe. “Por isso, muitas vezes as informações não são comparáveis entre si”, explica Costa. Elas, no entanto, servem para dar uma boa idéia das atividades do setor. O projeto é um mapeamento, não um censo. Buscou a memória do esporte, e não a história, algo muito mais sistemático. Cada voluntário (ou equipe) escreveu um capítulo, seguindo os padrões do mapeamento. Em suas quase 900 páginas, o atlas privilegia as informações sobre esportes olímpicos. Mas trata também dos não-olímpicos, dos esportes radicais (que crescem muito), dos tradicionais de algumas regiões (como rodeio, peteca e capoeira). E de esportes de raízes, como os jogos indígenas, e até de brincadeiras infantis. Ao todo, o atlas cobre 21 itens, enfocando ainda os Sistemas Esportivos Nacionais, como os do Sesi, da Associação Cristã de Moços e outros, e o tema ciências do esporte.
Só para e ter uma idéia da atual pujança do setor, no começo do século passado nem sequer havia uma faculdade de educação física no país. A primeira foi criada na década de 1930. Era uma escola de educação física, que depois foi incorporada pela Universidade de São Paulo, fundada em 1934. Hoje são 397 cursos em 279 faculdades, quantidade só superada nos Estados Unidos. Os primeiros professores dos cursos de educação física foram formados na Alemanha. Eram filhos de imigrantes, que iam estudar no país de origem de seus pais e em geral viviam em cidades brasileiras portuárias. Tais regiões formaram pólos (clusters) esportivos. Muitos sobrevivem até hoje. Os mais importantes brotaram na regiões Norte e Nordeste (em Belém, Manaus e São Luís) – e no Sudeste (no Rio de Janeiro e Santos).
Um deles, o mais antigo, o Turnen, no Rio Grande do Sul, que deu origem ao atual Sogipa, tem uma história singular. Formou-se ao longo de um rio, aliás como aconteceu anos depois com o pólo do rio Tietê, em São Paulo. Os alemães ocuparam o território gaúcho com clubes na beira de rios e os italianos nas montanhas e nas cidades. A primeira piscina do Brasil foi construída em 1885 nas margens do rio Guaíba, em Porto Alegre. Os clubes alemães em geral estavam associados a centros culturais, a escolas e a igrejas freqüentadas pela comunidade, católica e protestante. Isso gerou uma atividade econômica dinâmica, com fábricas de material para ginástica. Até o começo do século 20, o Rio Grande do Sul era muito forte no esporte. Esses clubes apoiaram-se inicialmente no Movimento Turnen, que preservava a identidade étnica dos alemães. Por isso, no começo da Segunda Guerra Mundial, quando Getúlio Vargas optou por apoiar os Aliados, os clubes gaúchos foram fechados.
As guerras mundiais também afetaram o pólo de Niterói, onde a difusão de clubes esportivos foi influenciada pela rivalidade entre ingleses e alemães nos anos dos conflitos bélicos. A cidade fluminense, um grande centro de esportes, acabou gerando um pólo dentro do pólo: a vela, modalidade esportiva que, ao lado do atletismo, garante muitas medalhas olímpicas ao Brasil. De acordo com o atlas, quase todas as medalhas dessa modalidade foram conquistadas por descendentes de alemães: seis do Rio Iate Clube de Niterói, uma do Iate Club do Rio de Janeiro e cinco do Iate Club Santo Amaro, na represa Guarapiranga, em São Paulo. O velejador paulista Robert Scheidt, que tem um ouro e uma prata em Olimpíadas, é um desses campeões de origem germânica. A história do iatismo no Brasil começou em Niterói, perto do Natal de 1895, quando o Clube de Regatas Gragoatá promoveu regatas de remo e vela. Anos depois foi criado o que talvez tenha sido o clube de vela mais antigo do país: o Iate Clube Brasileiro, formado por sócios brasileiros, ingleses e alemães. Quando começou a Primeira Guerra Mundial, em 1914, os ingleses se retiraram e criaram outro clube nas redondezas, o Rio Iate Clube. O Iate Clube Brasileiro foi um pioneiro. Editou uma revista de vela, criou o protótipo do veleiro Guanabara e ainda inventou um modelo de mastro que, segundo apurou o atlas, acabou sendo adotado em outras partes do mundo.
Um dos clusters esportivos mais importantes criados a partir da imigração européia no século 19 – o do rio Tietê, na cidade de São Paulo – não foi derrotado pelas guerras nem por uma revolução, mas perdeu a sua pujança devido à deterioração do meio ambiente depois dos anos 1940. A saga do pólo começa em 1889, ano da proclamação da República, quando o Clube Espéria, fundado por italianos, se instala às margens do Tietê, numa região então arborizada, conhecida como Chácara da Floresta. Em poucos anos, 11 clubes se instalaram nas redondezas e desenvolveram um dinâmico centro de natação e remo. Com a crescente poluição do rio, muitos clubes migraram para outras áreas da cidade. O Germânia, atual Pinheiros, foi, por exemplo, para perto de outro rio, o Pinheiros, numa zona mais nobre. A natação também se expandiu para clubes do interior de São Paulo, onde até hoje é forte. A Federação Paulista de Natação, criada no auge do pólo do Tietê, tem atualmente 150 clubes filiados e abriga 75% dos nadadores que defendem o Brasil em competições internacionais.
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