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RADIOGRAFIA

A in­dús­tria do mo­vi­men­to

Atlas mos­tra o peso eco­nô­mi­co e so­ci­al das ati­vi­da­des fí­si­cas e re­cu­pe­ra a me­mó­ria do es­por­te no Bra­sil

Es­por­tis­tas na USP: ati­vi­da­des fí­si­cas res­pon­dem por 1,7% do PIB

eduardo cesarEs­por­tis­tas na USP: ati­vi­da­des fí­si­cas res­pon­dem por 1,7% do PIBeduardo cesar

Se de­vi­da­men­te pra­ti­ca­do, es­por­te não é só saú­de e la­zer. Pro­duz tam­bém his­tó­ria e ci­ên­cia, gera ri­que­zas e em­pre­gos, com re­per­cus­sõ­es em di­ver­sos cam­pos da vida na­ci­o­nal. De 1996 a 2000, as ati­vi­da­des eco­nô­mi­cas li­ga­das a essa área cres­ce­ram cin­co ve­zes e meia a mais do que Pro­du­to In­ter­no Bru­to (PIB) do Bra­sil – 12,34% ante 2,25%. Em 1999, uma pro­je­ção da Fun­da­ção Ge­tú­lio Var­gas (FGV) do Rio de Ja­nei­ro in­di­ca­va que o es­por­te res­pon­dia por 1,7% do PIB na­ci­o­nal, algo como US$ 12 bi­lhõ­es. Es­ti­ma-se que aqui as ati­vi­da­des fí­si­cas, com ou sem fins com­pe­ti­ti­vos, ge­rem um mi­lhão e meio de pos­tos de tra­ba­lho di­re­tos e in­di­re­tos, mais do que a in­dús­tria têx­til. Em 2003, ain­da se­gun­do da­dos da FGV, só de em­pre­gos di­re­tos eram 963 mil, so­bre­tu­do em cam­pos e ins­ta­la­çõ­es para a prá­ti­ca de fu­te­bol, aca­de­mi­as, cen­tros hí­pi­cos e náu­ti­cos, clu­bes es­por­ti­vos, au­tó­dro­mos. Isso sem con­tar os pes­qui­sa­do­res e pro­fes­so­res que to­cam 43 la­bo­ra­tó­ri­os cujo tema cen­tral ou au­xi­li­ar é a ati­vi­da­de fí­si­ca. São cen­tros que es­tu­dam a fi­si­o­lo­gia ou a bi­o­me­câ­ni­ca (mo­vi­men­tos) do exer­cí­cio, be­ne­fí­ci­os e con­tu­sõ­es do es­por­te, en­tre ou­tros as­pec­tos.

Es­sas in­for­ma­çõ­es e mu­i­tas ou­tras – de carácter histórico, eco­nô­mi­co, ci­en­tí­fi­co ou so­ci­al – cons­tam do Atlas do es­por­te no Bra­sil, pro­je­to que, com o au­xí­lio de qua­se qua­tro­cen­tos vo­lun­tá­ri­os, ga­rim­pou da­dos de di­ver­sas fon­tes para tra­çar um pa­no­ra­ma das ati­vi­da­des fí­si­cas em ter­ri­tó­rio na­ci­o­nal. “Es­ta­mos lan­çan­do o atlas em CD-ROM e em se­tem­bro na for­ma de um li­vro”, diz o pro­fes­sor de edu­ca­ção fí­si­ca La­mar­ti­ne Pe­rei­ra da Cos­ta, da Uni­ver­si­da­de Gama Fi­lho (UGF), do Rio de Ja­nei­ro, co­or­de­na­dor da ini­ci­a­ti­va, que mon­tou um con­sór­cio de onze en­ti­da­des para vi­a­­bi­li­zar a em­prei­ta­da. “O atlas é um tra­ba­lho her­cú­leo que mos­tra de onde vi­e­mos e para onde de­ve­mos ir”, afir­ma o ve­le­ja­dor e se­cre­tá­rio da Ju­ven­tu­de, Es­por­te e La­zer do Es­ta­do de São Pau­lo, Lars Grael, que es­cre­veu um dos ca­pí­tu­los do pro­je­to. “Ser­virá de base para o de­sen­vol­vi­men­to da in­dús­tria do es­por­te e a for­mu­la­ção de po­lí­ti­cas para o se­tor.”

Para Cos­ta, que tem dou­to­ra­do em fi­lo­so­fia, a in­dús­tria do mo­vi­men­to pode cres­cer mais ain­da no Bra­sil. “No mun­do de­sen­vol­vi­do, as ati­vi­da­des fí­si­cas res­pon­dem por 2% a 2,5% do PIB e em­pre­gam em mé­dia 2% da mão-de-obra. Na Ale­ma­nha, por exem­plo, a in­dús­tria do es­por­te é mai­or que a pe­tro­quí­mi­ca”, afir­ma o pes­qui­sa­dor da UGF. Cos­ta diz que o Bra­sil é o quar­to ou quin­to do mun­do nes­ta in­dús­tria, mes­mo sem ter uma po­lí­ti­ca para o de­sen­vol­vi­men­to do se­tor: “Foi o mer­ca­do e a pró­pria so­ci­e­da­de que a cri­a­ram. No es­por­te, os in­di­ví­du­os fi­nan­ci­am, as pes­so­as pa­gam para fa­zer ati­vi­da­des fí­si­cas. O go­ver­no só tem que de­sobs­tru­ir ca­mi­nhos. Pode ajus­tar o que já exis­te e fun­ci­o­na”.

Bei­ra do rio Guaí­ba, em Por­to Ale­gre, em 1885:  clu­be ale­mão mon­ta a  pri­mei­ra pis­ci­na do Bra­sil

memorial sogipaBei­ra do rio Guaí­ba, em Por­to Ale­gre, em 1885: clu­be ale­mão mon­ta a pri­mei­ra pis­ci­na do Bra­silmemorial sogipa

Se­gun­do o atlas, qua­se todo mun­do que pra­ti­ca al­gu­ma ati­vi­da­de fí­si­ca ou es­por­te, ou seja, mais da me­ta­de da po­pu­la­ção bra­si­lei­ra, o faz oca­si­o­nal­men­te. Isso in­clui pes­so­as que vão a pé ou de bi­ci­cle­ta para o tra­ba­lho ou se de­di­cam re­gu­lar­men­te a ta­re­fas do­més­ti­cas. A ati­vi­da­de fí­si­ca com mais pra­ti­can­tes oca­­si­o­nais é a pes­ca, com 25 mi­lhõ­es de in­di­ví­­du­os que, vez ou ou­tra, jo­gam o an­zol para pe­gar um pei­xe (o fu­te­bol vem em se­gun­do lu­gar, com 23 mi­lhõ­es de pra­ti­can­tes). Já as pes­so­as que, pelo me­nos uma vez por se­ma­na, pra­ti­cam re­gu­lar­men­te um es­por­te, fa­zem gi­nás­ti­ca ou ca­mi­nha­das com o pro­pó­si­to de se exer­ci­tar não che­gam a 11 mi­lhõ­es. E ape­nas 749 mil po­­dem ser con­si­de­ra­das mu­i­to ati­vas: fre­qüen­tam aca­­de­mi­as de gi­nás­ti­ca ou pra­ti­cam al­gum es­por­te de com­pe­ti­ção duas ou mais ve­zes por se­ma­na. A clas­si­fi­ca­ção da ati­vi­da­de fí­si­ca ado­ta­da pelo atlas se­guiu pa­râ­me­tros in­ter­na­ci­o­nais.

Há 20 mil aca­de­mi­as de gi­nás­ti­ca no Bra­sil, ape­nas os Es­ta­dos Uni­dos têm mais es­ta­be­le­ci­men­tos des­se tipo, em­bo­ra 13,2% dos nor­te-ame­ri­ca­nos fre­qüen­tem gi­ná­si­os e aqui só 2%. Se­gun­do Cos­ta, exis­tem boas pers­pec­ti­vas para os ne­gó­ci­os do es­por­te li­ga­dos ao tu­ris­mo, uma ten­dên­cia mun­di­al. Há um pólo de tu­ris­mo no Pan­ta­nal, li­ga­do à pes­ca, mu­i­tas opor­tu­ni­da­des no se­tor de es­por­tes de praia, so­bre­tu­do no Nor­des­te, mas fal­tam da­dos so­bre esse ramo de ati­vi­da­de fí­si­ca. Essa é uma das la­cu­nas re­gis­tra­das pelo atlas, que, en­tre ou­tros ob­je­ti­vos, tem o de apon­tar o que fal­ta no se­tor. Há ain­da pó­los im­por­tan­tes de es­por­tes con­si­de­ra­dos de eli­te, mas que ge­ram mu­i­­tos em­pre­gos, como hi­pis­mo e gol­fe, mu­i­to pro­cu­ra­do pelo ca­pi­tal es­tran­gei­ro.

Al­guns dos da­dos do atlas fo­ram le­van­ta­dos pela equi­pe de vo­lun­tá­ri­os (pro­fes­so­res, di­ri­gen­tes), ou­tros são re­pro­du­zi­dos de fon­tes se­cun­dá­ri­as, como FGV, Ins­ti­tu­to Na­ci­o­nal do Cân­cer (Inca) e en­ti­da­des de clas­se. “Por isso, mu­i­tas ve­zes as in­for­ma­çõ­es não são com­pa­rá­veis en­tre si”, ex­pli­ca Cos­ta. Elas, no en­tan­to, ser­vem para dar uma boa idéia das ati­vi­da­des do se­tor. O pro­je­to é um ma­pe­a­men­to, não um cen­so. Bus­­cou a me­mó­ria do es­por­te, e não a his­tó­ria, algo mu­i­to mais sis­te­má­ti­co. Cada vo­lun­tá­rio (ou equi­pe) es­cre­veu um ca­pí­tu­lo, se­guin­do os pa­drõ­es do ma­­pe­a­men­to. Em suas qua­se 900 pá­gi­nas, o atlas pri­vi­le­gia as in­for­ma­çõ­es so­bre es­por­tes olím­pi­cos. Mas tra­ta tam­bém dos não-olím­pi­cos, dos es­por­tes ra­di­cais (que cres­cem mu­i­to), dos tra­di­ci­o­nais de al­gu­mas re­giões (como ro­deio, pe­­te­ca e ca­po­ei­ra). E de es­por­tes de raí­zes, como os jo­gos in­dí­ge­nas, e até de brin­ca­dei­ras in­fan­tis. Ao todo, o atlas co­bre 21 itens, en­fo­can­­do ain­da os Sis­te­mas Es­por­ti­vos Na­ci­o­nais, como os do Sesi, da As­so­ci­a­ção Cris­tã de Mo­ços e ou­tros, e o tema ci­ên­­ci­as do es­por­te.

Só para e ter uma idéia da atu­al pu­jan­ça do se­tor, no co­me­ço do sé­cu­lo pas­sa­do nem se­quer ha­via uma fa­cul­da­de de edu­ca­ção fí­si­ca no país. A pri­mei­ra foi cri­a­da na dé­ca­da de 1930. Era uma es­co­la de edu­ca­ção fí­si­ca, que de­pois foi in­cor­po­ra­da pela Uni­ver­si­da­de de São Pau­lo, fun­da­da em 1934. Hoje são 397 cur­sos em 279 fa­cul­­da­des, quan­ti­da­de só su­pe­ra­da nos Estados Unidos. Os pri­mei­ros pro­fes­so­res dos cur­sos de edu­ca­ção fí­si­ca fo­ram for­­ma­dos na Ale­ma­nha. Eram fi­lhos de imi­gran­tes, que iam es­tu­dar no país de ori­gem de seus pais e em ge­ral vi­vi­am em ci­da­des bra­si­lei­ras por­tu­á­ri­as. Tais re­giões for­ma­ram pó­los (clus­ters) es­por­ti­vos. Mu­i­tos so­bre­vi­vem até hoje. Os mais im­por­tan­tes bro­ta­ram na re­giões Nor­te e Nor­des­te (em Be­lém, Ma­naus e São Luís) – e no Su­des­te (no Rio de Ja­nei­ro e San­tos).

Ro­bert Scheidt: pre­sen­ça ger­mâ­ni­ca na vela na­ci­o­nal

AFPRo­bert Scheidt: pre­sen­ça ger­mâ­ni­ca na vela na­ci­o­nalAFP

Um de­les, o mais an­ti­go, o Tur­nen, no Rio Gran­de do Sul, que deu ori­gem ao atu­al Sogi­pa, tem uma his­tó­ria sin­gu­lar. For­mou-se ao lon­go de um rio, ali­ás como acon­te­ceu anos de­pois com o pólo do rio Ti­e­tê, em São Pau­lo. Os ale­mães ocu­pa­ram o ter­ri­tó­rio gaú­cho com clu­bes na bei­ra de rios e os ita­li­a­nos nas mon­ta­nhas e nas ci­da­des. A pri­mei­ra pis­ci­na do Bra­sil foi cons­tru­í­da em 1885 nas mar­gens do rio Guaí­ba, em Por­to Ale­gre. Os clu­bes ale­mães em ge­ral es­ta­vam as­so­ci­a­dos a cen­tros cul­tu­rais, a es­co­las e a igre­jas fre­qüen­ta­das pela co­mu­ni­da­de, ca­tó­li­ca e pro­tes­tan­te. Isso ge­rou uma ati­vi­da­de eco­nô­mi­ca di­nâ­mi­ca, com fá­bri­cas de ma­te­ri­al para gi­nás­ti­ca. Até o co­me­ço do sé­cu­lo 20, o Rio Gran­de do Sul era mu­i­to for­te no es­por­te. Es­ses clu­bes apoi­a­ram-se ini­ci­al­men­te no Mo­vi­men­to Tur­nen, que pre­ser­va­va a iden­ti­da­de ét­ni­ca dos ale­mães. Por isso, no co­me­ço da Segunda Guer­ra Mun­di­al, quan­do Ge­tú­lio Var­gas op­tou por apoi­ar os Ali­a­dos, os clu­bes gaú­chos fo­ram fe­cha­dos.

As guer­ras mun­di­ais tam­bém afe­ta­ram o pólo de Ni­te­rói, onde a di­fu­são de clu­bes es­por­ti­vos foi in­­­flu­en­ci­a­da pela ri­va­li­da­de en­tre in­gle­ses e ale­mães nos anos dos con­fli­tos bé­li­cos. A ci­da­de flu­mi­nen­se, um gran­de cen­tro de es­por­tes, aca­bou ge­ran­do um pólo den­tro do pólo: a vela, mo­da­li­da­de es­por­ti­va que, ao lado do atle­tis­mo, ga­ran­te mu­i­tas me­da­lhas olím­pi­cas ao Bra­sil. De acor­do com o atlas, qua­se to­das as me­da­lhas des­sa mo­da­li­da­de fo­ram con­quis­ta­das por des­cen­den­tes de ale­mães: seis do Rio Iate Clu­be de Ni­te­rói, uma do Iate Club do Rio de Ja­nei­ro e cin­co do Iate Club San­to Ama­ro, na re­pre­sa Gua­ra­pi­ran­ga, em São Pau­lo. O ve­le­ja­dor pau­lis­ta Ro­bert Scheidt, que tem um ouro e uma pra­ta em Olim­pí­a­das, é um des­ses cam­pe­õ­es de ori­gem ger­mâ­ni­ca. A his­tó­ria do ia­tis­mo no Bra­sil co­me­çou em Ni­te­rói, per­to do Na­tal de 1895, quan­do o Clu­be de Re­ga­tas Gra­go­a­tá pro­mo­veu re­ga­tas de remo e vela. Anos de­pois foi cri­a­do o que tal­vez te­nha sido o clu­be de vela mais an­ti­go do país: o Iate Clu­be Bra­si­lei­ro, for­ma­do por só­ci­os bra­si­lei­ros, in­gle­ses e ale­mães. Quan­do co­me­çou a Primeira Guer­ra Mun­di­al, em 1914, os in­gle­ses se re­ti­ra­ram e cri­a­ram ou­tro clu­be nas re­don­de­zas, o Rio Iate Clu­be. O Iate Clu­be Bra­si­lei­ro foi um pi­o­nei­ro. Edi­tou uma re­vis­ta de vela, cri­ou o pro­tó­ti­po do ve­lei­ro Gua­na­ba­ra e ainda inventou um mo­de­lo de mas­tro que, se­gun­do apurou o atlas, acabou sendo ado­ta­do em outras partes do mun­do.

Um dos clus­ters es­por­ti­vos mais im­por­tan­tes cri­a­­dos a par­tir da imi­gra­ção eu­ro­péia no sé­cu­lo 19 – o do rio Ti­e­tê, na ci­da­de de São Pau­lo – não foi der­ro­ta­do pe­las guer­ras nem por uma re­vo­lu­ção, mas per­deu a sua pu­jan­ça de­vi­do à de­te­ri­o­ra­ção do meio am­bi­en­te de­pois dos anos 1940. A saga do pólo co­me­ça em 1889, ano da pro­cla­ma­ção da Re­pú­bli­ca, quan­do o Clu­be Es­pé­ria, fun­da­do por ita­li­a­nos, se ins­ta­la às mar­gens do Ti­e­tê, numa re­gião en­tão ar­bo­ri­za­da, co­nhe­ci­da como Chá­ca­ra da Flo­res­ta. Em pou­cos anos, 11 clu­bes se ins­ta­la­ram nas re­don­de­zas e de­sen­vol­veram um di­nâ­mi­co cen­tro de na­ta­ção e remo. Com a cres­cen­te po­lu­i­ção do rio, mu­i­tos clu­bes mi­gra­ram para ou­tras áre­as da ci­da­de. O Ger­mâ­nia, atu­al Pi­nhei­ros, foi, por exem­plo, para per­to de ou­tro rio, o Pi­nhei­ros, numa zona mais no­bre. A na­ta­ção tam­bém se ex­pan­diu para clu­bes do in­te­ri­or de São Pau­lo, onde até hoje é for­te. A Fe­de­ra­ção Pau­lis­ta de Na­ta­ção, cri­a­da no auge do pólo do Ti­e­tê, tem atu­al­men­te 150 clu­bes fi­li­a­dos e abri­ga 75% dos na­da­do­res que defendem o Brasil em com­pe­ti­çõ­es in­ter­na­ci­o­nais.

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