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Resenhas

A notícia que viaja até o leitor

Correspondente internacional | Carlos Eduardo Lins da Silva | Contexto, 190 páginas, R$ 33,00

A história e as histórias dos correspondentes estrangeiros

O Brasil é muito carente de estudos sobre jornalismo que combinem densidade teórica, pesquisa, compreensão e vivência das redações. Não faltam dissertações de mestrado e teses de doutorado, muitas delas de qualidade, que, como requer o trabalho acadêmico, restringem o seu escopo, oferecendo um retrato em close de um tema. Mas faltam trabalhos que articulem os resultados das diversas pesquisas acadêmicas, agregando percepções sobre a condição do repórter e dos demais profissionais, a apuração da notícia, a edição, o mercado, a indústria e tudo o mais que se refere ao mundo real do jornalismo.

Com um pé na academia e outro no jornalismo, no qual acumula experiência extraordinária, Carlos Eduardo Lins da Silva vem agora preencher um desses muitos vazios, em um livro dedicado ao trabalho de correspondente internacional. CELS – como ele assinava suas circulares na Folha de S. Paulo, da qual foi secretário de redação, ombudsman e, principalmente, para o caso em tela, correspondente em Washington – realiza a alquimia perfeita entre pesquisa e revisão da literatura, de um lado, e relatos vividos ou ouvidos de colegas, de outro, com o toque da impressão pessoal respaldada na experiência e na reflexão bem informada.

Num trabalho copioso, Lins da Silva faz a historiografia do ofício, levantando quem foram os primeiros correspondentes e os que mais se destacaram, e como têm sido suas condições de trabalho – que dizem muito sobre a própria indústria do jornalismo.

Lins da Silva faz a apropriada distinção entre correspondente – objeto de seu livro – e enviado especial, que fica baseado no país-sede do veículo em que trabalha, que o envia para coberturas internacionais. Elas podem durar semanas e até meses, mas o enviado volta depois para a sede. Já o correspondente mora noutro país. Ele pode naturalmente deslocar-se – tornando-se provisoriamente um enviado especial –, mas sua função primordial está em uma cidade de outro país.

A diferença é importante, porque o correspondente integra-se, em variáveis graus, na sociedade de onde envia seus relatos. O convívio tende a modificar sua percepção. Ele passa a considerar naturais atitudes e mentalidades que seus concidadãos – seu público – acham estranhas. O correspondente, descreve Lins da Silva, vai então adquirindo as características de um expatriado, com vizinhos locais, filhos no colégio etc. “Vira nativo.” Mas com a peculiaridade de ter de traduzir aquela realidade para um público que continuou no seu país de origem, e não passou por essa “metamorfose”.

Embora o correspondente de guerra seja geralmente enviado especial, Lins da Silva analisa essa categoria também, a da reportagem levada ao extremo: o risco da morte, cada vez mais frequente, do repórter.

A necessidade contínua de cortar custos tem levado os veículos a reduzir seu plantel de correspondentes, ou a substituí-los por profissionais menos experientes, que já vivem no outro país e aceitam remunerações mais baixas. Lins da Silva se insurge contra as consequências nefastas desse desdobramento. A disponibilidade de informação de todo o mundo em tempo real não supre a demanda pela compreensão do que se passa. Ao contrário. “Exatamente porque o cidadão recebe uma quantidade brutal de informações, maior do que nunca na história, numa balbúrdia comunicacional, é essencial que ele possa ter fontes de credibilidade, em quem confie, que as organizem de maneira racional e de acordo com as suas necessidades”, escreve. “O correspondente é a principal dessas fontes. Ele conhece o público para o qual produz, é treinado para fazer isso, trabalha sob mecanismos de controle testados e eficazes, tem a sofisticação necessária para a tarefa. Só ele pode dar ao cidadão o conteúdo de que necessita para se localizar corretamente na fartura informativa contemporânea.”

Muito do que Lins da Silva diz sobre o trabalho do correspondente e sobre seus atributos necessários aplica-se a todos os jornalistas. Igualmente, muito do que ele diz sobre a sua indispensabilidade aplica-se ao jornalismo em geral. Jornalistas profissionais não são substituíveis nem pelos intelectuais que publicam artigos de análise nem pelo “jornalista-cidadão”, que envia informações para as redações – embora as contribuições de ambos sejam enriquecedoras e bem-vindas.

Lins da Silva não ignora, no entanto, as limitações do jornalismo, seus vieses e vícios, sua fixação na novidade em detrimento da linearidade requerida pelo entendimento. Ele propõe maior ênfase na contextualização, na informação histórica e na análise. Valores agregados que se tornam cada vez mais importantes, no que se refere ao jornalismo internacional, à medida que o Brasil aumenta sua projeção política e sua inserção econômica no mundo.

Lourival Sant’Anna é autor de Viagem ao mundo dos taleban (2002) e de O destino do jornal (2008). Foi correspondente em Londres e enviado especial de O Estado de S. Paulo a mais de 50 países.

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