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Pesquisa na quarentena

“A pandemia nos impulsionou a formar novas parcerias para inovar”

O químico Gustavo Simões, presidente da Nanox, fala sobre como a crise do novo coronavírus favoreceu o desenvolvimento de novos produtos e colaborações

Gustavo Simões na sede da Nanox, onde trabalha em alternância com o home office para dar conta das demandas e projetos

Arquivo pessoal

A Nanox é uma empresa que desenvolve materiais bactericidas e fungicidas, de modo que, em março, quando estourou a pandemia do novo coronavírus, muita gente nos ligou para saber se os nossos produtos também tinham ação antiviral. Esse foi o estalo para que passássemos a investir no desenvolvimento de novas tecnologias. A primeira delas foi um tecido capaz de inativar o Sars-CoV-2. O material é feito com uma mistura de poliéster e algodão e tem micropartículas de prata e sílica aderidas à sua superfície, que destroem a estrutura que protege o material genético do vírus.

Temos um laboratório e seis pesquisadores contratados, mas o trabalho com esse tipo de vírus exige uma estrutura especializada, por isso firmamos uma parceria inovadora com o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo [ICB-USP]. Após muitas negociações, ficou acordado que eles testariam nossa tecnologia em seu laboratório de biossegurança de nível 3. Se ela apresentasse bons resultados, atestariam a sua eficácia contra o vírus. Em troca, a USP receberia parte do nosso faturamento com a comercialização do produto que ela ajudou a testar.

Também firmamos uma parceria com uma tradicional fabricante paulistana de brinquedos para desenvolver uma máscara respiratória reutilizável dotada de tecnologia com efeito bactericida, antifúngico e antiviral. Ela conta com um filtro descartável PFF2, capaz de reter poeira, aerossóis e agentes biológicos. Ainda estamos testando sua ação contra o novo coronavírus, também no ICB-USP, sob as mesmas condições. Não tínhamos pensado em readequar os nossos produtos; foi a demanda que emergiu com a pandemia que nos fez investir na fabricação desses materiais. 

Mais recentemente, com base na mesma tecnologia, criamos um plástico adesivo capaz de inativar 99,8% das partículas do novo coronavírus em dois minutos. A ideia é que o plástico adesivo seja usado para revestir maçanetas, corrimãos, botões de elevador e telas sensíveis ao toque. 

Nos testes, colocamos o vírus em contato com o material à base de micropartículas de prata e sílica. Após alguns minutos, coletamos as amostras do patógeno e as colocamos em contato com células Vero [linhagem comumente usada em culturas microbiológicas, sintetizadas a partir de células isoladas dos rins de macacos] para avaliar sua capacidade de infecção e multiplicação após exposição ao filme plástico. Os resultados das análises por quantificação do material genético viral indicaram uma redução de quase 100% das cópias do vírus após dois minutos de exposição ao material.

Por fim, lançamos no final de outubro um filme plástico, do tipo vendido no supermercado para embalar comida, que elimina o novo coronavírus após três minutos de contato com o patógeno. O plástico conta com as mesmas micropartículas de prata e sílica. A Nanox desenvolveu a tecnologia e a indústria especializada no segmento a incorporará em seus produtos e a produzirá em larga escala. Também estamos conversando com outras empresas de alimentos, todas interessadas em usar esse material para embalar seus produtos. Isso porque uma das principais diferenças entre o Sars-CoV-2 em relação aos outros vírus é que ele consegue viver por algum tempo fora do organismo humano. Daí o interesse das empresas pelos nossos produtos. Elas querem tentar evitar qualquer possibilidade de os seus clientes se contaminarem com os produtos que vendem.

De modo geral, pode-se dizer que a pandemia nos estimulou a inovar, a expandir nossas parcerias e a nos apresentar a novos consumidores, ampliando o alcance da empresa no mercado. Exemplo disso é a área têxtil. Não tínhamos penetração nesse segmento. Com a pandemia, desenvolvemos o tecido contra o Sars-CoV-2.

Também fomos a primeira empresa a testar os nossos produtos contra o vírus. Além da parceria com o pessoal do ICB-USP, atuamos com pesquisadores da UFSCar [Universidade Federal de São Carlos] na criação de protocolos para realizar os testes dos nossos materiais, o que resultou em um forte impacto do ponto de vista da inovação. Isso gerou muito trabalho e, enquanto a maioria das empresas está demitindo, tive de contratar mais quatro funcionários.

Tudo acontece com a empresa funcionando com parte dos funcionários trabalhando remotamente, de suas casas. Eu mesmo trabalhei de casa entre março e maio, no pico da pandemia. Foi um desafio. Tenho duas filhas, uma de 7 e outra de 11 anos de idade. Minha esposa e eu precisávamos nos revezar nas tarefas de casa, no cuidado com as crianças e o trabalho, o que gerou ansiedade em todos. Além disso, um dos meus sócios teve filho no meio da pandemia. Tivemos de nos reorganizar para dar conta das demandas e projetos. Estamos conseguindo avançar, apesar de todos os desafios. 

O que estamos fazendo é resultado de anos de investimento. Não criamos esses produtos do nada. Baseamo-nos no nosso conhecimento prévio e em muita pesquisa, acumulados ao longo dos últimos 15 anos. 

No ano passado participamos de um programa de aceleração de negócios da Plug and Play, uma das principais aceleradoras do Vale do Silício, nos Estados Unidos. Aceitamos o convite e fomos uma das 15 startups finalistas dentre mil selecionadas no mundo todo. Isso mostra o potencial inovador da ciência brasileira, mas é preciso que exista um ambiente favorável. O fato de estarmos em São Paulo ajuda muito. Apesar dos problemas, há investimento de longo prazo em ciência por aqui. Nossa empresa, por exemplo, recebeu apoio da FAPESP em diversos momentos por meio do Pipe [programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas]. O conhecimento acumulado sempre gera frutos. Estamos prosperando em meio às adversidades.

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