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Obituário

A trajetória inovadora e influente de Alberto Dines

Jornalista morto aos 86 anos foi analista e crítico da imprensa e inspirador de estudos sobre mídia

Léo Ramos Chaves Alberto Dines passou por algumas das principais redações do país, ajudando a modernizar o jornalismo brasileiroLéo Ramos Chaves

Jornalista com trajetória abrangente e inovadora, biógrafo atento às contradições e lacunas na história de seus personagens, analista e crítico da imprensa e inspirador de cursos especializados em universidades, Alberto Dines influenciou o jornalismo brasileiro, de uma forma ou de outra, desde a década de 1960. Dines morreu no dia 22/05, aos 86 anos, em decorrência de complicações respiratórias causadas por uma pneumonia.

“Alberto Dines ajudou a modernizar o jornalismo brasileiro no século XX, insistiu em rigorosos padrões de qualidade para as redações e foi, sem dúvida, o pai da crítica de mídia por aqui”, escreveu Rogério Christofoletti, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em artigo publicado no Observatório da Imprensa. Tinha 66 anos de profissão.

Natural do Rio de Janeiro, Dines começou no jornalismo em 1952, como crítico de cinema na revista A Cena Muda. No ano seguinte foi para a revista Visão para cobrir assuntos ligados à vida artística. Demitiu-se em 1959 para editar o segundo caderno do jornal carioca Última Hora, de Samuel Wainer, e passou a escrever sobre temas políticos.

Em 1960, dirigiu o Diário da Noite, do grupo Diários Associados, de Assis Chateaubriand, até janeiro do ano seguinte. Naquele mês, anarquistas portugueses e espanhóis sequestraram o transatlântico Santa Maria para chamar a atenção do mundo para a ditadura salazarista. Chateaubriand determinou que não fosse publicada nenhuma linha sobre o fato. “Durante dois dias, Dines decidiu dar o assunto na capa, na página central e na última página, abrindo bem as fotos. No terceiro dia, foi demitido. Mas o alarde do fascismo estava dado”, relatou Norma Couri, no ebook Observatório da Imprensa: Uma antologia da crítica de mídia no Brasil de 1996 a 2018, publicado em abril deste ano. Norma, também jornalista, era mulher de Dines.

Em 1962 começou a trabalhar na revista Fatos & Fotos, pela manhã, e no Jornal do Brasil (JB), à tarde. Neste último, foi por 12 anos o editor-chefe do diário e diretor das publicações Comunicação e Cadernos de Jornalismo. O período em que esteve à frente do JB foi um dos mais profícuos de sua carreira, completando a reforma iniciada por Odylo Costa Filho, nos anos 1950. Dines dividiu a publicação em editorias, seções e cadernos, o que não era usual. Criou também um Departamento de Pesquisa cuja função era abastecer o repórter com referências e produzir artigos mais analíticos. As inovações e o projeto de modernização do JB serviram de modelo para outros veículos de comunicação brasileiros.

Nos embates com a ditadura militar, Dines foi preso uma vez, em 1968. Em setembro de 1973, o jornal recebeu ordens do regime para não publicar nenhuma manchete sobre a morte do então presidente do Chile, Salvador Allende (1908-1973), durante um golpe de estado liderado por Augusto Pinochet (1915-2006), chefe das Forças Armadas chilena. No dia seguinte, o JB publicou na primeira página um longo texto tratando do fato, sem manchete. Foi demitido três meses depois, lembrou Norma Couri. A primeira página com essa notícia entrou para a história do jornalismo brasileiro.

Em 1975, Dines foi convidado a chefiar a sucursal da Folha de S.Paulo no Rio. No mesmo ano criou a coluna Jornal dos jornais, em que fazia a crítica da mídia da época. Desenvolvido até 1977, o trabalho foi precursor da função de ombudsman, instituída pela mesma Folha anos depois. Em 1980, mudou-se para Lisboa, em Portugal, e dedicou-se a escrever Morte no Paraíso – A tragédia de Stefan Zweig (1981), biografia do escritor alemão que veio para o Brasil no início da década de 1940 fugindo do nazismo.

Dines gostava também de ensinar jornalismo. Ainda em 1963 criou a disciplina de Jornalismo Comparado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e, posteriormente, a de Teoria da Imprensa. Em 1964 passou três meses na Universidade Columbia, nos Estados Unidos, em um programa para editores de jornais latino-americanos. “Foi meu primeiro curso numa universidade”, contou ele em abril de 2012 em entrevista à Pesquisa FAPESP. Entre 1974 e 1975 o jornalista voltou por mais um período à Columbia, desta vez como professor convidado.

Nos anos 1980 coordenou o Curso Abril de Jornalismo em Revistas, que recrutava e treinava jovens recém-formados para trabalhar nas redações da editora Abril. Em 1994, foi decisivo na criação de um curso de pós-graduação na mesma área, o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (LabJor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O LabJor nasceu de várias conversas entre Dines e o linguista Carlos Vogt, na época reitor da Unicamp, e tornou-se um centro de referência para formação em divulgação científica e da cultura.

O Observatório da Imprensa, jornal de crítica e debate sobre o jornalismo contemporâneo, é de 1996. Foi um dos primeiros veículos jornalísticos a usar exclusivamente a plataforma de internet no Brasil.

Entre 2011 e 2013, o jornalista lecionaria História do Jornalismo em um curso de especialização oferecido pela Escola Superior e Propaganda e Marketing (ESPM), em São Paulo. “Era um excelente professor, embora não tivesse diploma universitário, e sempre lembrava disso”, disse à Folha de S.Paulo o jornalista Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP e coordenador do curso da ESPM.

Aos 80 anos de idade e 60 de profissão, completados em 2012, recebeu uma homenagem durante seminário realizado na FAPESP, todo ele dedicado ao conhecimento científico do jornalismo no Brasil. Durante um dia inteiro de evento sua contribuição foi analisada e comentada por pesquisadores e jornalistas.

Ao todo, Dines escreveu 15 livros – de ensaios sobre jornalismo a biografias. Entre eles, destacam-se o clássico O papel do jornal (1974) e Vínculos de Fogo (1992), além do já citado Morte no paraíso. Ele deixa mulher e quatro filhos do primeiro casamento.

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