Laura Daviña / fonte: rio+20
No final do workshop serão apresentados os resultados de um questionário, encaminhado a todos os pesquisadores com projetos apoiados pelos três programas da FAPESP, com suas opiniões acerca dos temas da Rio+20. “Esse documento será encaminhado ao comitê da conferência como uma contribuição da ciência paulista ao debate”, diz Glaucia Souza, professora do Instituto de Química da USP e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen). O workshop será a primeira ocasião em que os pesquisadores de três grandes programas de pesquisa da FAPESP, o Bioen, o da biodiversidade paulista (Biota) e o de Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), participam de um evento conjunto para discutir as interfaces de suas pesquisas.
A vez da bioenergia
O engajamento das universidades e institutos de pesquisa de São Paulo na Rio+20 é uma consequência natural do trabalho que vêm desenvolvendo. “Com apoio da FAPESP, pesquisadores de diversas disciplinas têm avançado em estudos que abordam os pilares da sustentabilidade e são questões-chave para a conferência, como a proteção da biodiversidade, o impacto das mudanças climáticas globais e a sustentabilidade da agricultura”, diz Reynaldo Victoria, professor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), do campus Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo em Piracicaba, que é coordenador executivo do PFPMCG. O programa foi criado em 2008 e já apoia mais de 50 projetos de pesquisa em temas que envolvem as ciências naturais, biológicas e sociais e abrangem desde os efeitos do aquecimento global nas chuvas, na distribuição de gases na atmosfera, até o impacto das queimadas e a influência de práticas de manejo agrícola nas emissões de gás carbônico oriundas do solo em plantações de cana-de-açúcar, ou a vulnerabilidade de municípios do litoral norte de São Paulo à mudança do clima, entre outros.
Laura Daviña / fonte: rio+20
Outra contribuição com fôlego para fertilizar os debates da Rio+20 vincula-se à produção sustentável de biocombustíveis. “A FAPESP tem apoiado pesquisas para aumentar a produção de etanol por hectare de cana. Hoje o desempenho é de 75 toneladas por hectare, mas estudos recentes mostram que o potencial é de mais de 300 toneladas por hectare e a meta dos pesquisadores é fazer crescer tremendamente a produção sem aumentar a área agrícola e competir com a produção de alimentos”, afirma Reynaldo Victoria, referindo-se a um dos estudos feitos pelo Bioen sobre o impacto do melhoramento genético e de novas tecnologias na produção brasileira.
O físico José Goldemberg, reitor da USP entre 1986 e 1990 e secretário Especial do Meio Ambiente quando o Brasil sediou a Rio-92, acredita que a conferência poderá trazer avanços no compromisso dos países em adotar fontes renováveis de energia. “Há um artigo no documento preliminar da conferência interessante para o Brasil. Ele propõe dobrar o percentual de energia de fontes renováveis no mundo até 2030. Pouca gente fala, mas a biomassa já oferece mais energia no mundo do que as usinas nucleares. O exemplo do etanol brasileiro é inspirador. É possível multiplicar por 10 a produção atual sem prejudicar a produção de alimentos”, diz Goldemberg, que fará uma conferência no workshop sobre o tema.
Laura Daviña / fonte: rio+20
Também é forte a vocação dos pesquisadores do programa Biota-FAPESP, que desde 1999 promove estudos sobre a biodiversidade do território paulista, para contribuir com a conferência do Rio. É reconhecida, por exemplo, a capacidade do Biota de converter conhecimento em políticas públicas – dados científicos acumulados pelo programa passaram a orientar a legislação que regula a autorização de corte e de supressão da vegetação nativa em território paulista. A experiência de produzir inventários sobre a biodiversidade e disponibilizar a informação em bancos de dados públicos também pode ser importante. Carlos Joly, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenador do Biota-FAPESP e diretor de Pesquisas e Programas Temáticos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), ressalta outros avanços brasileiros que tiveram o impulso da pesquisa científica. “Além de toda a nossa tecnologia em produção de etanol, que reduziu a dependência de combustíveis fósseis e hoje é paradigma até para caminhões e ônibus no país, também temos avançado em biodiesel, num modelo que pode ser utilizado em outras re-giões, como a África e a América Central. Temos exemplos a oferecer na gestão de resíduos: embora ainda sejam poucos, dispomos de lixões que se transformaram em áreas de produção de gás. É verdade que desperdiçamos gás em áreas de exploração de petróleo. O impacto da queima do gás pelo flare das plataformas é alto e não temos tecnologia para resolver isso”, exemplifica.
Laura Daviña
O workshop é o ponto de partida da articulação dos cientistas, que terão outras oportunidades para se manifestar até a Rio+20. Ainda em março, acontece em Londres a Conferência Planet Under Pressure, que vai reunir cientistas, empresários, autoridades e representantes de organizações não governamentais para fornecer subsídios para a Rio+20. Dos 6,8 mil pesquisadores que submeteram trabalhos ao comitê científico do evento, 40% deles são do mundo em desenvolvimento.
O Brasil contribuiu com 343 trabalhos. No bloco dos chamados Brics, ficou atrás da Índia (531 trabalhos), mas superou a China (123), a África do Sul (63) e a Rússia (50). O Reino Unido lidera a lista, com 907 trabalhos. “Entre os trabalhos brasileiros aceitos, há vários trabalhos financiados pela FAPESP no campo das energias de fontes renováveis, da dinâmica socioambiental, do clima e da meteorologia”, diz Patrícia Pinho, pesquisadora do Inpe e coordenadora científica do escritório do Programa Internacional Biosfera-Geosfera (IGBP), um dos organizadores da conferência londrina. Durante o Planet Under Pressure, o Belmont Forum, grupo de alto nível que reúne os principais financiadores da pesquisa sobre as mudanças globais no mundo, lançará uma chamada de propostas para pesquisadores de várias nacionalidades e disciplinas em dois temas-chave: segurança hídrica e vulnerabilidade costeira. “Pesquisadores paulistas poderão participar da chamada internacional”, diz Reynaldo Victoria. “A FAPESP, que integra o Belmont Forum, vai investir € 2 milhões nessa chamada, a serem aplicados em estudos feitos no país”, afirma.
As negociações que vão anteceder a Rio+20 terão um papel decisivo. A reunião de cúpula será precedida pela última conferência preparatória, entre os dias 13 e 15 de junho. Em seguida, do dia 16 ao 19, haverá um evento organizado pelo Ministério das Relações Exteriores, os Diálogos sobre Desenvolvimento Sustentável. Ao todo, a conferência e as atividades preparatórias levarão 10 dias, um pouco menos do que os 12 dias da programação da Rio-92, que ocorreu de 3 a 14 de junho de 1992. “Por ser rara e ambiciosa, podem sair da conferência coisas que, no momento em que acontecem, a gente não se dá conta do quanto são importantes”, disse ao jornal Valor Econômico o embaixador André Corrêa do Lago, negociador-chefe do Brasil para a Rio+20. “Mas essas conferências, ao trabalharem com o longo prazo, também têm um enorme grau de incerteza. Existem processos que param no meio e outros que inspiram toda uma geração.”
Laura Daviña
Boas intenções
A força da Rio+20 está em reunir chefes de Estado, e não apenas seus representantes, para discutir grandes questões. “Não é uma conferência de diplomatas e ministros defendendo os interesses de seus países, como acontece nas conferências das partes do clima e da biodiversidade que ocorrem todos os anos e acumulam avanços lentos. É uma janela de oportunidade para os estadistas, que poderão assumir compromissos gerais com o futuro do planeta”, diz Carlos Nobre, climatologista do Inpe, que é secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do MCTI e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais.
O primeiro rascunho de documento da conferência, divulgado há dois meses, tem 128 artigos e é pródigo em boas intenções e exortações a práticas sustentáveis, mas vem sendo criticado por propor pouca coisa prática. “A questão não é a conferência, mas o day after. É preciso gerar compromissos que façam a conferência resultar em ações”, diz o físico José Goldemberg. Produzido por uma comissão da ONU envolvendo Estados-membros, agências internacionais, organizações não governamentais e grupos políticos, o chamado “documento zero” reúne compromissos genéricos, sem delimitar metas – mas deve ser substituído por uma nova versão em março, depois de incorporar novas sugestões dos países. “Do jeito como está, o documento se parece com o da Rio+10, que ocorreu em Johanesburgo em 2002, e teve impacto baixo fora dos meios diplomáticos”, afirma Carlos Joly.
Laura Daviña
Marcovitch coordenou o estudo Economia da mudança do clima no Brasil: custos e oportunidades, feito por um consórcio de instituições, que identificou as principais vulnerabilidades da economia e da sociedade brasileira em relação às mudanças climáticas. Ele fará uma palestra no workshop relacionando o estudo com os desafios da Rio+20. Carlos Joly, coordenador do Biota, também destaca a necessidade de estabelecer métricas, que no campo da biodiversidade deveriam referir-se a um patamar aceitável de áreas protegidas, como parques e reservas, de hábitats preservados, de conectividade nos hábitats fragmentados e de proteção a espécies endêmicas, entre outras. O documento zero fala genericamente sobre a criação de indicadores e delega a um grupo de trabalho a tarefa de defini-los, nos próximos três anos.
Segundo Joly, o próprio conceito de economia verde precisaria ser mais bem definido pela conferência. “Falta uma definição mais redonda e mais exata do que é a economia verde e o que ela abrange, pois esse é um dos temas principais”, diz. O Pnuma, principal autoridade global sobre meio ambiente da ONU, define economia verde como “uma economia que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo tempo que reduz significativamente riscos ambientais e escassez ecológica. Em outras palavras, uma economia verde pode ser considerada como tendo baixa emissão de carbono, é eficiente em seu uso de recursos e socialmente inclusiva”. Não substituiria o conceito de desenvolvimento sustentável, mas seria um caminho para atingi-lo mais adiante.
Laura Daviña
A elasticidade do conceito dá margem a divergências entre o mundo desenvolvido e o em desenvolvimento. A questão da transferência de tecnologia é um dos pontos de discordância. “A economia verde depende da concepção de novas tecnologias. Os países em desenvolvimento querem mecanismos claros que permitam o compartilhamento ou transferência dessas tecnologias, mas esse não é o foco dos países ricos, mais preocupados com questões ambientais e com a proteção à propriedade intelectual”, diz Carlos Joly. “Os países pobres receiam que a definição de parâmetros sobre a economia verde sirva de argumento para manobras protecionistas, com os países ricos dizendo: não vou comprar seu produto porque sua economia não é verde”, explica. O documento zero propõe que a economia verde não seja usada para levantar barreiras comerciais.
Não há garantias de que os cientistas conseguirão exercer influência decisiva nos rumos da conferência. Apesar do trabalho do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas, assegurando o perigo do aquecimento global, a última conferência do clima da ONU, realizada em Durban, optou por adiar a implementação de medidas já definidas como necessárias (ver Pesquisa FAPESP nº 191). “Num momento de crise econômica, as autoridades tendem a cuidar dos problemas sociais mais graves e deixar o resto para depois”, diz José Goldemberg. Carlos Nobre, do Inpe, lembra das dificuldades do experimento LBA, um programa de pesquisas na Amazônia, de reverter seus resultados em políticas. “Passamos a refletir sobre as razões pelas quais a ciência gerada não conseguia influenciar a redução do desmatamento. E, depois, quando o desmatamento caiu, não conseguimos concluir se era resultado do programa ou do trabalho de alguns cientistas”, afirma. O embaixador Rubens Ricupero vê grande influência dos cientistas no debate ambiental. “O tema só entrou na agenda internacional e passou a fazer parte da consciência das pessoas no começo dos anos 1970 e isso se deve quase exclusivamente ao resultado da ação dos cientistas”, afirma.
Caminho para a amazônia
Segundo Carlos Nobre, uma das contribuições principais da ciência brasileira envolve a capacidade de monitorar o desmatamento por meio de satélites, ainda que se trate de um progresso mais técnico do que científico. “A queda do desmatamento ajudou a credenciar o Brasil a sediar a conferência”, lembrando que a Rio+10, realizada em 2002, foi sediada em Johanesburgo, não aqui. Ele adverte que a ciência ainda não foi capaz de apontar um caminho para a Amazônia que ajude a agregar a riqueza dos recursos naturais de forma harmônica e permita criar oportunidades de renda a partir dos serviços do ecossistema.
No campo da agricultura, observa Nobre, a economia verde também exigirá mudanças profundas, capazes de torná-la mais racional no uso de água e energia. “Paradoxalmente, o Brasil poderia atingir com certa facilidade a agricultura sustentável, mas precisa querer”, diz, citando o exemplo do açaí, fruta amazônica que se tornou um produto global nos últimos cinco anos, cujo comércio hoje envolve mais dinheiro do que a madeira. “Não houve uma estratégia para isso. O açaí virou um nicho de mercado mundial, mas a ciência não fez nada para que isso acontecesse.” Nobre ressalta que o país tem o maior potencial do mundo em biomassa, em energia eólica e solar. Com isso, poderia facilmente transformar seu modelo de uso de energia, o que outros países têm mais dificuldade de fazer. “Estamos mais perto, mas outros países saíram na frente na transição. Estão se mobilizando mais”, afirma. “Não podemos dormir em berço esplêndido. Quem sabe se em 2030 não nos tornemos o país tropical mais sustentável e mais limpo. Para que isso ocorra até lá, a comunidade científica tem de acreditar nisso agora.”
Republicar