Imprimir Republicar

ENTREVISTA

Advogada busca soluções para preservar natureza e fomentar economia

Sandra Valenzuela de Narvaez, diretora da WWF, defende que políticas de combate à crise climática devem considerar conflitos de posse da terra

WWF/DivulgaçãoSandra de Narvaez defende que países da região amazônica devem se unir para combater o desmatamento e os problemas sociaisWWF/Divulgação

Há mais de 30 anos a advogada especializada em direito ambiental colombiana Sandra Valenzuela de Narvaez, diretora-executiva da organização não governamental World Wide Fund for Nature (WWF) Colômbia, busca caminhos jurídicos que permitam conciliar a preservação do meio ambiente com a criação de alternativas econômicas para comunidades camponesas vulneráveis que vivem em áreas de proteção nacional. Narvaez esteve na linha de frente de processos judiciais que, em 1997, transformaram a região de El Pato-Balsillas, localizada no estado de Caquetá, a noroeste da Amazônia colombiana, na primeira Zona de Reservaamponesa do país. Marcada por décadas de violência resultante do conflito armado, hoje a região é reconhecida por práticas que permitem articular conservação da natureza e geração de condições adequadas à subsistência de famílias locais.

Durante a 12ª Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência (WCSJ), ocorrida no final de março em Medellín, na Colômbia, a advogada participou de um painel que debateu os desafios científicos e políticos para conservar ecossistemas na Amazônia. A necessidade de dialogar com populações locais e compreender o tamanho de economias ilegais foi um dos pontos centrais de seminários do congresso voltados a discutir a preservação da floresta amazônica.

Em entrevista concedida a Pesquisa FAPESP, Narvaez falou de seu trabalho com comunidades que vivem em áreas de proteção ambiental e da necessidade de criação de ações transacionais para evitar o avanço do desmatamento.

Quais são os principais embates envolvendo preservação da natureza e desenvolvimento econômico nessas áreas?
A Colômbia tem hoje 35 áreas nacionais protegidas com a presença de comunidades campesinas. Algumas dessas comunidades têm títulos formais de propriedade de suas terras, enquanto outras não. A legislação colombiana não permite que essas comunidades rurais vivam em áreas protegidas, caso dos Parques Nacionais Naturais. A legislação envolvendo direitos de uso da terra para comunidades camponesas é diferente daquela voltada às populações indígenas, que podem viver dentro de áreas protegidas. Nas últimas décadas, venho trabalhando com o desenvolvimento de estratégias para assegurar a preservação do meio ambiente e criar alternativas econômicas para comunidades vulneráveis que vivem nesses lugares. Também tenho elaborado processos legais para que essas comunidades obtenham títulos formais de propriedade da terra. A ocupação ilegal de áreas protegidas e a ausência de reforma agrária são algumas das causas centrais do conflito armado no país.

Qual a relação entre posse da terra e conflito armado?
Há diferentes causas para o conflito armado na Colômbia e um dos mais importantes é a falta de reconhecimento, por parte do Estado, da titularidade da terra ocupada por certas comunidades camponesas. Na década de 1940, parte delas tomou as armas para reivindicar a reforma agrária e mudanças sociais, fato considerado como o pontapé inicial para eclosão do conflito armado que se generalizou pelo país nas décadas seguintes. Por esse motivo, defendo que políticas para combater o desmatamento e a crise climática devem incorporar questões envolvendo a posse da terra.

Já existiam populações habitando esses territórios quando eles foram declarados áreas de proteção ambiental?
A Lei nº 165, de 1994, subsidiou a formulação da Política Nacional de Biodiversidade, que estabeleceu o compromisso de consolidar o Sistema Nacional de Áreas Protegidas. As comunidades podem ter se instalado nessas zonas antes ou depois de sua declaração como Área Protegida. Juridicamente é difícil comprovar se a ocupação ocorreu antes ou depois. São áreas localizadas em lugares remotos do país, com condições difíceis de acesso. Mas, de maneira geral, podemos afirmar que essas populações se instalaram nas zonas antes da criação dos parques nacionais, a partir da década de 1990. Quando uma comunidade ocupa legalmente determinado território que depois é declarado como zona protegida, uma das possibilidades é o governo indenizar os proprietários. No entanto, o Estado colombiano nunca teve os instrumentos financeiros adequados para comprar essas propriedades. Nesse caso, estamos falando de propriedades regulamentadas, ou seja, com títulos de posse. E temos outros casos de ocupação informal, que não são reconhecidos pelo governo. Em ambas as situações, o que está em disputa são os direitos de conservação ambiental e o direito de comunidades camponesas viverem e subsistirem dos recursos desses locais.

Na Colômbia, o direito à preservação se sobrepõe aos direitos de subsistência de comunidades camponesas?
São dois direitos em igualdade de condições. Por isso, precisamos buscar soluções criativas que beneficiem a todos. Costumo chamar essas soluções de ginástica jurídica.

E quais as alternativas para resolver esses embates?
Desde 1995, trabalhamos em diferentes casos e cada um deles demandou uma solução específica. As condições de comunidades rurais são muito diferentes. Para algumas delas, é evidente que estavam no território em questão antes de sua declaração como área protegida. Já outras adentraram nos limites dessas zonas porque ignoravam se tratar de parques nacionais, na medida em que não há demarcações, ou cercas, que possibilitem essa identificação. Além disso, quando a maioria dos parques foi criada, não contávamos com uma boa cartografia e tampouco com sistemas de informação geográfica. Hoje, essas comunidades vivem uma situação de insegurança jurídica, de forma que o Estado colombiano precisa encontrar soluções adequadas para cada uma delas. Desde a década de 1990, começamos a definir, com o governo, distintas categorias de situações, porque não é possível aplicar a mesma lei para todos. Alguns embates podem ser solucionados com a aquisição, por parte do governo, da terra em disputa, mas essa regra não se aplica para quem não dispõe de títulos de propriedade. Uma dessas categorias envolve, por exemplo, as chamadas ocupações de boa-fé, casos que incluem pessoas que ingressaram em áreas protegidas porque foram deslocadas involuntariamente de outras regiões ou porque desconheciam que aquela era uma zona de proteção. Nessas situações, buscamos instrumentos jurídicos para estabilizar as fronteiras agrícolas dessas comunidades, evitar o arrendamento de grandes áreas ou mesmo o deslocamento de mais gente à área. Por meio de diálogos e acordos firmados com o governo, buscamos definir os tipos de atividade que podem ser praticados pelas comunidades naquele território, sempre respeitando as especificidades de ecossistemas e gerando acordos para a conservação dessas áreas.

Pode citar um caso concreto de solução bem-sucedida?
A região de El Pato-Balsillas, localizada no estado de Caquetá, a noroeste da região da Amazônia, viveu um passado de violência relacionada com o conflito armado e a atuação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). A população dessa área ficou estigmatizada como colaboradora do grupo. Mais tarde, o Acordo de Paz, assinado pelo governo colombiano e as Farc em 2016, reconheceu os camponeses do país como vítimas do conflito armado. Em 1997, após um longo processo, a área tornou-se a primeira Zona de Reserva Camponesa do país. Chegamos a acordos com cada uma das famílias em relação à necessidade de combinar atividades econômicas com preservação. Muitas pessoas se tornaram, por exemplo, guardiãs dos parques. Recentemente, fizemos uma análise dessa zona utilizando sistemas de informação geográfica e comprovamos que os acordos foram cumpridos, ou seja, nesses anos todos, as comunidades estão trabalhando com as atividades econômicas pactuadas e colaborando para proteger a natureza. O caso de El Pato-Balsillas serviu como base para a criação de estratégias jurídicas adotadas em outras reservas. Graças a esses casos-piloto, o governo do país elaborou uma lei nacional incorporando a ideia de que é possível trabalhar em parceria com comunidades camponesas para equilibrar atividades econômicas e conservação da natureza.

Essas comunidades camponesas subsistem de que atividades?
Do consumo de produtos da floresta, da criação de gado e da agricultura. Também estamos trabalhando em capacitação para que atividades de restauração da natureza funcionem para atrair recursos financeiros. No Corredor do Jaguar, por exemplo – zona que vai da sierra de la Macarena até a Reserva Florestal Serranía de la Lindosa, no estado amazônico de Guaviare –, estamos ensinando comunidades locais a combinar atividades de monitoramento desses animais com turismo de baixa escala.

Que ações Brasil e Colômbia poderiam elaborar de forma conjunta para preservar a Amazônia?
Fortalecer a geração de acordos e planos comuns para combater o desmatamento e os problemas sociais deveria ser prioridade de países da região amazônica. Manter a floresta em pé em uma nação não pode trazer efeitos negativos para as vizinhas. Por exemplo, se um país cria mecanismos para fortalecer o combate à mineração ilegal em seu território sem se articular com outros, pode levar as atividades de garimpo a migrar para nações vizinhas. Ou seja, devemos pensar em ações transnacionais para restaurar ambientes impactados pelo desmatamento e criar alternativas econômicas às comunidades que subsistem do mercado ilegal de ouro. Outro ponto é estabelecer uma definição conjunta do que os países entendem por bioeconomia, na medida em que a região amazônica contempla sistemas culturais e de biodiversidade muito diversos. Essas estratégias compartilhadas podem ser articuladas por meio de mecanismos legais de cooperação internacional, como a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (Otca), criada em 1995 e integrada por oito países amazônicos: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.

Como o conhecimento científico contribui para a atuação da WWF?
A ciência é a base de todo o trabalho de conservação que realizamos na WWF. Nossos especialistas desenvolvem abordagens inovadoras e aplicam informações obtidas em pesquisas em esforços para atender às necessidades da natureza e de pessoas. Na organização, realizamos pesquisas em áreas como biologia, hidrologia, oceanografia e ciências sociais, para buscar ferramentas e métodos de conservação de ponta, conectar sistemas naturais e sociais e combater ameaças que nosso planeta enfrenta. Nossas equipes rastreiam as necessidades de conservação em territórios em que atuamos e elaboram análises regionais e globais para definir quais as prioridades para hábitats e espécies. Também contamos com o processo científico para garantir que nossos programas de conservação locais sejam eficazes e produzam resultados que possam ser mensuráveis. Por outro lado, publicações científicas, ferramentas tecnológicas e conjuntos de dados gerados pela WWF também subsidiam projetos e iniciativas de conservação, em diferentes países.

Republicar