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ENTREVISTA

Antonio Bisconsin Junior: “Comer insetos faz todo o sentido”, defende cientista de alimentos

Pesquisador desenvolve farinha proteica à base de grilos e defende que o país deveria produzir conhecimento e tecnologia na área

Kalita Castro Foto EstúdioBisconsin Junior: “Insetos são ricos em nutrientes e uma boa opção alimentar”Kalita Castro Foto Estúdio

Apesar de considerar que o brasileiro médio não incluirá tão cedo em sua rotina alimentar os chamados insetos comestíveis, o cientista de alimentos Antonio Bisconsin Junior, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (Ifro), defende que faz todo o sentido inseri-los na dieta – tanto pelo valor nutricional quanto pela ótica da sustentabilidade. “Insetos são uma alternativa para nosso sistema agroalimentar, que atualmente produz muito gás de efeito estufa e usa muita terra e recursos, com pouco retorno”, afirmou a Pesquisa FAPESP.

Em 2023, ele concluiu o doutorado no Programa de Ciência de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (FEA-Unicamp), feito sob orientação da professora Lilian Mariutti, que incluiu um período de seis meses no Instituto Leibniz para Tecnologia Agrícola e Bioeconomia, em Postdam, na Alemanha. Lá ele desenvolveu um concentrado proteico de grilo para consumo humano – um suplemento alimentar similar ao conhecido whey protein, a proteína do soro do leite. O concentrado também pode ser usado como ingrediente pela indústria de alimentos.

Uma das tecnologias empregadas por Bisconsin para criar a farinha, chamada de alta pressão hidrostática, foi a mesma utilizada por ele durante o mestrado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no campus de Araraquara, quando estudou a qualidade do suco de laranja produzido de maneira não convencional, por alta pressão. A investigação foi realizada com apoio da FAPESP.

Na entrevista a seguir, ele apresenta as principais conclusões de sua pesquisa sobre a aceitação do brasileiro em incorporar insetos à sua dieta e revela particularidades desse hábito alimentar, pouco difundido no país.

Por que comer insetos?
Estudos deixam claro que insetos são ricos em nutrientes, como proteínas, lipídios de boa qualidade e fibras insolúveis. Com esse perfil nutricional, aliado à questão da sustentabilidade, insetos fazem todo o sentido como opção alimentar. A criação tem um impacto ambiental bem menor do que a de animais de corte tradicionais.

Qual a vantagem de inseri-los na dieta?
A principal é o teor proteico deles. É uma proteína de alta qualidade, comparada à do gado bovino, suíno, dos ovos e do leite. E há o aspecto sustentável. São emitidos menos gases de efeito estufa, a criação demanda pouco espaço, eles consomem menos alimento e água. São diversas vantagens do ponto de vista produtivo.

Onde o consumo por humanos é mais comum?
Em vários países da Ásia e da África. Faz parte da cultura alimentar dessas populações. A Tailândia tem um turismo forte com esse foco e consome bastante grilo. Na República Democrática do Congo, tem muita larva de besouro e lagarta de mariposa. No México, os famosos chapulines – ou gafanhotos – são vendidos em feiras de rua. As pessoas comem como se fosse pipoca. Há também o consumo em países europeus, que historicamente não têm a cultura de se alimentar de insetos, mas já criaram legislações próprias. Snacks, hambúrgueres e almôndegas de inseto são vendidos em algumas redes de alimentos da Holanda, Alemanha, França e Dinamarca.

Que insetos se comem por lá?
Eles usam a larva do Tenebrio molitor, conhecido popularmente como besouro-de-farinha ou bicho-de-farinha, para fazer hambúrguer e almôndega, e o grilo-doméstico, que é o Acheta domesticus, para salgadinhos. Insetos comestíveis já entraram no sistema agroalimentar europeu, embora não seja ainda algo muito popular.

Você come insetos?
Sim, sempre que tenho oportunidade. A última vez foi há um mês, durante uma trilha aqui em Rondônia. Pessoas da região consomem a larva de besouro do coquinho-babaçu, cujo nome popular é gongo, rico em lipídios. O costume dos indígenas é fazer um refogado. Também dá para cozinhar na própria gordura que soltam no aquecimento, mas no meio do mato se come cru mesmo. E tem um segredo. Você segura a cabeça do gongo e morde o restante da larvinha, jogando a cabeça fora. Se puser o bichinho inteiro na boca, ele pode te morder. É adocicado e parece leite de coco condensado, com uma textura mais firme que a do leite de coco.

Entrevista: Antonio Bisconsin Junior
00:00 / 13:53

Insetos têm mais proteína do que as carnes normalmente consumidas por nós?
A quantidade de proteína encontrada nos insetos equivale à das carnes. Mas existe certa confusão quando são exibidos dados de análises. É muito comum as pessoas apresentarem o resultado em base seca, ou seja, desprezando a água natural do produto. Isso faz sentido quando se produz uma farinha do inseto, que tem cerca de 60% a 70% de proteína, mais do que o dobro de uma carne convencional. Mas, quando é o inseto inteiro, considerando a água contida nele, há uma proporção de proteínas e de lipídios semelhante à das outras carnes.

O consumo de insetos traz risco de alergias, como ocorre com os crustáceos?
Sim. Do ponto de vista biológico, insetos e crustáceos são classificados como artrópodes. As substâncias que os crustáceos e os insetos produzem – as proteínas que geram alergia – são muito semelhantes. Mas não há nenhum outro risco à saúde quando comparado aos outros alimentos. A Autoridade de Segurança Alimentar Europeia lançou um relatório há uns cinco anos com a análise de risco de consumo de insetos e não encontrou nenhum problema adicional. É bom ressaltar: estamos falando das espécies já caracterizadas como comestíveis – e não de espécies naturalmente venenosas, tipo uma lagarta urticante.

O Brasil tem potencial para produzir insetos comestíveis?
Sim, principalmente por causa da temperatura local, naturalmente alta. Poderíamos explorar os insetos mais aceitos na Europa e nos Estados Unidos ‒ já existentes no Brasil ‒ e exportá-los para esses mercados. Não gastaríamos tanta energia criando um ambiente artificial para manter uma temperatura alta e acelerar o ciclo de vida do inseto, como fazem indústrias de produção de insetos na Holanda. Elas gastam muita energia. Também temos outra frente possível: os chamados insetos regionais, que fazem parte de nossa cultura. O brasileiro não assume, mas há quem consuma insetos. Restaurantes em São Paulo, Minas e Bahia servem pratos com formigas, por exemplo.

Quais os principais resultados da pesquisa que fez sobre a aceitação de insetos comestíveis?
Entre 2018 e 2019, eu e um grupo de professores e pesquisadores voluntários de universidades federais e da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] entrevistamos 780 pessoas no país. Os moradores das regiões Norte e Centro-Oeste mostraram maior aceitação e familiaridade com o assunto. A cultura que molda a sociedade nessas regiões é influenciada pela dos povos originários, que consomem e consumiam insetos, dependendo do grupo indígena que estamos falando. Já no Sudeste, Sul e Nordeste, onde a população se distanciou dessa cultura originária, houve maior rejeição e desconhecimento sobre o tema.

Há alguma produção no Brasil?
A maioria dos membros da Associação Brasileira dos Criadores de Insetos Alimentícios [Asbracia] cria insetos para alimentação animal. Mas existe uma corrente que defende o uso de insetos para a nutrição humana. Há também uma rede de pessoas que produzem, cozinham em casa e vendem, apesar de não existir legislação. É algo informal. 

De onde veio seu interesso por estudar esses insetos?
Já acompanhava o assunto na graduação [em ciência de alimentos, na Universidade de São Paulo], mas em 2013 a FAO [Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura] publicou um amplo relatório sobre o uso de insetos na alimentação humana, trazendo vários exemplos no mundo, ideias de criação e produção, composição nutricional. O documento, revolucionário para a área de alimentos, me motivou a acreditar nessa ideia.

A proteína de grilo que você desenvolveu no doutorado é para ser usada no lugar do whey protein?
Sim, mas não apenas como suplemento alimentar como o whey protein. Meu objetivo inicial era criar um concentrado, a partir do grilo-preto ou grilo-da-jamaica [Gryllus assimilis], que pudesse ser um ingrediente para a indústria alimentícia. Usamos proteína para fazer sorvete, enriquecer um produto, para dar textura, fazer uma emulsão. As empresas, infelizmente, ainda não abraçaram a ideia. O grilo é endêmico no Brasil e nas regiões mais quentes do mundo, no sul global.

Sua pesquisa mostrou que, no geral, o brasileiro acha nojento comer insetos. Existe uma escala de repulsa?
Sim. Nesse ranking, a barata fica em último lugar – é a mais repulsiva. Outro grupo de insetos mencionado de forma negativa foram as larvas. Larva de besouro ou mesmo lagarta-de-mariposa. Ficaram em penúltimo. Depois vieram as formigas, com uma conotação levemente positiva. Grilos e gafanhotos tiveram a maior aceitação entre os entrevistados.

Algum dia os insetos farão parte da nossa cultura alimentar?
Difícil responder. O ponto fundamental é que não há hoje normas regulamentadas pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] nem pelo Mapa [Ministério da Agricultura e Pecuária] sobre criação, processamento e comercialização de insetos para consumo humano. Além disso, são necessárias mudanças na visão do brasileiro e tempo para as pessoas aceitarem a ideia. Já a questão econômica poderia, sim, levar ao consumo, desde que os insetos se tornem mais acessíveis. A divulgação de receitas e de onde encontrar esses insetos também poderia ajudar a popularizar o consumo.

O brasileiro e o consumo de insetos
Estudo ouviu 780 moradores de oito cidades de todas as regiões do país

Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP Grilo desidratado (pote à esq.) e a farinha feita do inseto: brasileiro resiste a incluí-los em sua dietaLéo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP

 – Maioria dos entrevistados associa a ideia de comer insetos a algo nojento

– Jovens mais escolarizados têm uma atitude mais positiva com relação ao tema

– Rejeição é maior entre mulheres, pessoas com menos anos de estudo e mais velhas

– Grilos e gafanhotos são os insetos mais aceitos, seguidos pelas formigas

– Moradores das regiões Norte e Centro-Oeste mostram maior aceitação

Fonte: BISCONSIN JUNIOR., A. “Insetos comestíveis: Estudo do consumidor e desenvolvimento de ingrediente alimentício”.

Projeto
Impacto da tecnologia de alta pressão hidrostática sobre a qualidade do suco de laranja (no 11/049029-8), Modalidade Bolsas de Mestrado; Pesquisadora responsável Magali Conceição Monteiro da Silva (Unesp); Beneficiário Antonio Bisconsin Junior; Investimento R$ 37.513,55.

Artigos científicos
BISCONSIN JUNIOR, A. et al. Examining the role of regional culture and geographical distances on the representation of unfamiliar foods in a continental-size country. Food Quality and Preference. v. 79, p. 103779. 2020.
MARIUTTI, L. R. B. et al. The use of alternative food sources to improve health and guarantee access and food intake. Food Research International. v. 149, p. 110709, 2021.
BISCONSIN JUNIOR, A. et al. “Food made with edible insects”: Exploring the social representation of entomophagy where it is unfamiliar. Appetite. v. 173, p. 106001, 2022.
BISCONSIN JUNIOR, A. et al. Mycotoxins on edible insects: Should we be worried? Food and Chemical Toxicology. v. 177, p. 113845, 2023.

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