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Humanidades

Brasileiro quer resultados e estabilidade

“Brasileiro não sabe votar”. A frase, repetida à exaustão dentro e fora dos meios políticos, especialmente em época de eleição, terminou se transformando em um rótulo difícil de desgrudar. Mas a realidade é bem diferente: o eleitor brasileiro não é bobo e sabe direitinho o que está fazendo na hora em que deposita a cédula na urna. Mais: vota com coerência e é extremamente fiel às suas convicções políticas.

Exagero? Muito ao contrário. Uma série de pesquisas realizadas por uma equipe de professores dos departamentos de Ciência Política e de Estatística da Universidade de São Paulo (USP), chegou a este diagnóstico. Os resultados do trabalho, que vem sendo feito há 10 anos, comprovaram que o eleitor sabe o que quer e que vota na intenção de conseguir seus objetivos.

“O eleitorado brasileiro deseja a estabilidade econômica e política acima de tudo e julga os candidados a partir daí”, revela o professor José Augusto Guilhon Albuquerque, professor de Ciência Política, coordenador científico do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP e coordenador das pesquisas. O universo pesquisado (em níveis nacional, estadual e municipal) apresentou um perfil do eleitor e um comportamento político semelhantes em eleições realizadas em períodos distintos, confirmando a estabilidade da escolha eleitoral.

O que determina o voto
A pesquisa multidisciplinar Tipologia do Eleitorado Brasileiro começou em 1986 e estendeu-se até 1996, sempre tomando por base o pleito ocorrido anteriormente. O principal objetivo do trabalho era identificar os fatores que determinam a opção do eleitor. Por que Collor e não Lula? Por que Pitta e não Erundina? Por que PSDB e não PT? Enfim, conhecer como o eleitor vota, porque vota, porque escolhe determinado candidato, quais são seus valores e opiniões políticas, entre outras questões. Em todas as fases, a pesquisa contou com o patrocínio da FAPESP, no valor total de cerca de R$ 165 mil, em valores atualizados.

O eleitor brasileiro, constatou-se, tem um perfil moderado, porque deseja mudanças com ordem e estabilidade. A maior fatia está posicionada mais ao centro (40%), 35% é de direita, enquanto 25% é de esquerda. Considerando-se o eleitorado paulistano, as três posições se equilibram. No início dos trabalhos, o professor Guilhon tinha uma hipótese a ser testada: “O eleitor raciocina estrategicamente quando faz sua escolha”.

Dito e feito. As pesquisas confirmaram que a opção do eleitor não é aleatória e segue três tipos de orientação:

1. Identificação, em que escolhe alguém de sua profissão, de sua região ou de seu partido.

2. Oposição, em que o eleitor vota no candidato que tem os mesmos adversários que ele.

3. Benefício ou expectativa de desempenho, em que o eleitor valoriza mais os resultados e vota em quem ele acredita que irá realizar o que ele espera e precisa.

Na prática, estas três categorias se combinam, mas há sempre predominância de uma sobre as demais. Na eleição de 1989, que elegeu o presidente Fernando Collor de Mello, por exemplo, prevaleceu a expectativa de desempenho, como se pode observar no quadro.A grande esperança do eleitor era que Collor viesse a ser um novo Juscelino Kubitschek e colocasse o Brasil no primeiro mundo. Não aconteceu.

Seguindo o mesmo raciocínio, Luis Inácio Lula da Silva perdeu porque ofereceu identidade, enquanto as pessoas esperavam desempenho, diante de um país às voltas com a inflação e um custo de vida na estratosfera. Em 1994, Fernando Henrique Cardoso saiu vitorioso porque prometeu desempenho com credibilidade, uma vez que as pessoas estavam satisfeitas com o Plano Real e ansiavam por mais justiça social e estabilidade. Se ele tinha dado o primeiro, poderia muito bem viabilizar os outros. Além disso, ele assegurou uma aliança com a direita, que isolou Lula na esquerda, garantindo a maioria de que precisava.

Ao longo do trabalho, os pesquisadores buscaram não somente desvendar a estratégia do voto como também testar as principais hipóteses das teorias correntes que associam o voto à condição sócio-econômica do eleitor, ou, ainda, a associação entre o voto e a identidade social e política.

Conclusão: a relação entre renda e voto desaparece quando se leva em conta a identificação partidária, ideológica ou a estratégia do voto. Isso quer dizer que uma pessoa de esquerda, rica ou pobre, vai votar sempre na esquerda e assim por diante.

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