Um artigo divulgado em 2019 no periódico BMJ Open, conduzido por cientistas australianos, informou que 445 estudos sobre transplantes assinados por autores chineses continham dados sobre cirurgias que não respeitaram os padrões éticos exigidos atualmente por publicações científicas e podem ter utilizado órgãos retirados sem consentimento de doadores. Passados seis anos da denúncia, apenas 44 artigos – um em cada 10 – foram alvo de retratação por má conduta, de acordo com um levantamento do site Retraction Watch. Outros 17 papers foram sinalizados entre 2019 e 2020 com notas de “expressão de preocupação”, mas nada aconteceu desde então. Essas notas são alertas anexadas a artigos avisando os leitores de que aquele conteúdo está sob investigação e pode vir a ser retratado em breve.
O estudo de 2019 mapeou todos os artigos publicados em periódicos médicos em inglês entre janeiro de 2000 e abril de 2017 que relatavam transplantes em pacientes chineses. Os 445 estudos envolveram 85.477 procedimentos. No entanto, 99% deles não incluíram informações sobre o consentimento dos doadores tampouco davam garantias de que os órgãos utilizados não provinham de prisioneiros condenados à morte. A acusação de que a China utiliza órgãos de prisioneiros em transplantes se baseia em relatos de órgãos de defesa dos direitos humanos, como a Coalizão Internacional para Acabar com o Abuso de Transplantes na China, e é alimentada por uma discrepância estatística: segundo um relatório publicado em 2016 pela organização, o número oficial de transplantes no país, na casa dos 10 mil por ano, é significativamente inferior ao relatado por hospitais, entre 60 mil e 100 mil
Em entrevista ao Retraction Watch, a primeira autora do estudo, a bioeticista Wendy Rogers, pesquisadora da Universidade Macquarie em Sydney, Austrália, conclamou os editores de periódicos a participarem com mais ênfase do processo. “É deplorável que muitas revistas não tenham retratado pesquisas antiéticas sobre transplantes”, disse. “As publicações têm obrigações rigorosas em relação aos direitos humanos, que são violadas pela publicação de pesquisas capazes de levantar preocupações críveis sobre abusos de direitos humanos.”
Apesar da morosidade na análise dos artigos denunciados, várias retratações foram anunciadas recentemente: sendo 13 em 2025. As mais recentes ocorreram em 10 de outubro, quando a revista Clinics and Research in Hepatology and Gastroenterology, da editora Elsevier, cancelou oito estudos sobre transplantes de fígado. Segundo as notas de retratação, os autores foram questionados pela revista sobre a origem dos órgãos e aprovação ética dos transplantes relatados, mas não prestaram esclarecimentos. De acordo com Rogers, as novas retratações podem ter resultado de uma interpelação feita no final de 2024 e 2025 a cada um dos periódicos mencionados. Simone Francis, responsável pela comunicação da Coalizão Internacional para Acabar com o Abuso de Transplantes na China, enviou um e-mail às revistas lembrando o problema e cobrando providências.
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