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Difusão

Clareza também conta

Trabalhos científicos apresentados durante encontro em Porto Alegre foram avaliados com base na capacidade de comunicação dos autores, entre outros critérios

Em sentido horário, a partir do alto: os finalistas Melissa Alves, Carlos Vieira e Thais Zilles, e Elisa Ferraretto, coordenadora da banca de avaliação

Reprodução

“Muitos devem estar se perguntando: ‘O que esse título significa?’”, questionou a estudante de graduação em biomedicina, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Melissa Daniele Alves, quando iniciou sua apresentação para uma banca formada por jornalistas e divulgadores de ciência. No slide lia-se “Comparação entre as faixas de RNI em dispositivo microfluídico Point of Care e Método Laboratorial Padrão Ouro”. Ela precisaria explicar, de maneira didática e sem jargões, o que era, afinal, aquele projeto de pesquisa. Em cinco minutos. 

O que estava em disputa naquela final, que ocorreu na manhã do dia 13 de novembro, era o prêmio de melhor trabalho da 40ª Semana Científica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), ligado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ao continuar sua apresentação, Alves buscou sinônimos na linguagem do dia a dia para fugir dos termos técnicos. “O título é uma comparação entre o tempo de coagulação do sangue em um dispositivo portátil de papel e o método usado em laboratório em pacientes que fazem uso de coagulantes orais”, explicou. 

O dispositivo foi desenvolvido pelo Instituto Tecnológico de Semicondutores da Unisinos (itt Chip). Como bolsista de iniciação científica, Alves ajudou na produção, testagem e análise dos resultados e agora, durante o período de distanciamento social, auxilia na sua divulgação em eventos científicos. Como os exames laboratoriais levam semanas para ficar prontos, os pacientes que precisam saber a dosagem correta da medicação podem vir a receber a informação quando sua condição já mudou. Com o teste em papel, o resultado sai em segundos. O dispositivo se mostrou eficaz, tem pedido de patente internacional e está em processo de análise para ser produzido comercialmente pela startup Biosens, criada por pesquisadores da universidade. 

Também ilustradora, Alves usou uma plataforma digital de design para fazer uma apresentação atraente para o público não especializado. Ela criou um infográfico para o projeto que, por condensar e ilustrar de forma objetiva o funcionamento do dispositivo, já foi utilizado em editais para arrecadar recursos para a pesquisa.  

O encontro, que ocorreu no formato on-line por conta da pandemia do novo coronavírus, teve 1.163 trabalhos da área da saúde selecionados nos níveis de graduação, mestrado e doutorado. Desses, 964 foram apresentados como pôsteres virtuais e 120 escolhidos para apresentações orais. De segunda-feira a quinta-feira (9 a 12 de novembro), uma comissão selecionava o melhor trabalho entre as apresentações orais de cada dia, com base no mérito científico. Na sexta-feira, os quatro finalistas apresentaram suas pesquisas para os profissionais de comunicação, que tiveram a palavra final. A apresentação de Alves foi selecionada como vencedora considerando critérios como a complexidade do tema desenvolvido, a clareza, o vocabulário e os recursos utilizados. 

Antes de apresentar um projeto em qualquer evento científico, Alves conta que tem o hábito de mostrar a apresentação para a mãe e para a namorada, que cursa publicidade e propaganda. “Elas me dão dicas para melhorar, dizem se entenderam a explicação. Sempre penso que pode ter alguém no evento que não entenda algo muito técnico”, diz. Em anos anteriores, ela já havia participado da competição Minha Pesquisa em 180 segundos, promovida pela Unisinos. O desafio era apresentar seu estudo com apenas um slide para uma banca de pesquisadores. “Na Semana Científica foi a primeira vez que me apresentei para jornalistas. Foi uma das apresentações mais gostosas que já fiz, porque eu já conhecia o projeto muito bem. Escrevi cada novo slide pensando em como fazer todo mundo entender.” 

Além da prévia que costuma mostrar para a família, ela refinou suas habilidades de comunicação quando foi monitora da disciplina de bioquímica da universidade e percebeu que os próprios alunos tinham dificuldade de entender alguns conceitos. “Comecei a ilustrar histórias lúdicas para ajudá-los. No fim, meu TCC [trabalho de conclusão de curso] será sobre storytelling com o uso de ilustrações para o ensino de graduandos de cursos da área da saúde”, conta. Storytelling é uma técnica narrativa de contar histórias ou explicar conceitos usando um enredo e recursos audiovisuais. É muito utilizada em publicidade e marketing. Alves pretende abrir uma empresa de ilustração científica quando terminar a graduação.  

Em outro trabalho finalista elogiado pelos jurados, o estudante de medicina Carlos Vieira e a graduanda em enfermagem Thais Zilles, ambos da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) apresentaram, em formato de entrevista, o Minuto Corona. A iniciativa de extensão, que integra o Projeto Rondon da universidade, nasceu durante a pandemia depois que os estudantes detectaram muitas informações desencontradas – e erradas – circulando nas redes sociais. Com outros colegas, eles passaram a analisar informações de publicações internacionais e de órgãos oficiais para torná-las acessíveis a um público amplo. As produções são distribuídas nas redes sociais e pelo WhatsApp. 

“No meio acadêmico falamos muito sobre produzir ciência para a sociedade. Mas precisamos chegar na outra ponta da linha. Penso que são essenciais as iniciativas que estimulem os pesquisadores a conversar com a sociedade e a mostrar o que estão produzindo e como estão produzindo”, diz Vieira. Já Zilles destaca que o evento do HCPA ajuda a valorizar a pesquisa feita nas universidades. “Seria bom se os encontros científicos tivessem cada vez mais essa abordagem voltada para a comunicação com a população”, sugere. 

Reprodução A apresentação vencedora buscou maneiras de atrair o público com recursos como infográficos e ilustraçõesReprodução

Inspiração na Austrália
Este é o sétimo ano em que a semana científica do HCPA tem uma banca final que avalia a habilidade de comunicação dos melhores trabalhos inscritos. O desejo de trazer esse componente para o evento, no entanto, é bem mais antigo. A inspiração nasceu quando a bióloga Ursula Matte, do Departamento de Genética da UFRGS e coordenadora adjunta do evento, viu algo similar na Austrália. Em 2000, durante o doutorado em genética e biologia molecular, ela fez estágio no Women’s and Children’s Hospital, na cidade de Adelaide. A semana científica da instituição era aberta para toda a comunidade. “Eles faziam uma grande divulgação, com cartazes espalhados pela cidade, para atrair a população. Os melhores trabalhos eram apresentados para uma banca de jornalistas. Eu assisti às apresentações e isso me marcou muito. Desde então, tive vontade de realizar algo assim”, recorda-se.

Em colaboração com a jornalista Elisa Ferraretto, assessora de comunicação do HCPA e coordenadora da banca avaliadora do melhor trabalho da semana científica, elas conseguiram materializar o desejo em 2014. Muitas vezes, como jornalista, Ferraretto sentia dificuldade ao entrevistar alguns pesquisadores que apresentavam um vocabulário muito técnico. “É importante que os jovens cientistas aprendam a fazer essa transposição da linguagem e percebam o benefício de estabelecer uma comunicação com a sociedade”, diz. 

Para Matte, muitos pesquisadores vivem um dilema. “No intuito de mostrar o que aprendi, passo a falar de um jeito cada vez mais hermético, mais complexo. E as pessoas vão se afastando. Quando são anunciados os cortes de verba pública para ciência, como vamos mostrar a importância do que fazemos? Ninguém vai entender”, alerta. 

Ana Paula Morales, jornalista e cofundadora da Agência Bori, destaca que esse tipo de iniciativa em um evento científico é importante sob dois aspectos: por um lado, pode despertar a consciência da divulgação científica nos cientistas em formação; por outro, faz com que eles treinem essa habilidade na prática. “Eu não parto da premissa de que todo cientista tem que ser um divulgador científico, ter um blog, estar nas redes sociais. Mas ele precisa entender a importância de se comunicar e estar aberto para isso”, diz.

Durante a semana científica, Morales, que também é pesquisadora associada do Laboratório Avançado de Estudos em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), participou de uma mesa-redonda sobre a importância de divulgar ciência no Brasil. Na ocasião, ela apresentou a experiência da Agência Bori, que procura fazer a ponte entre os cientistas e a imprensa. A iniciativa prepara releases e antecipa estudos para os jornalistas e criou um cadastro de pesquisadores que estão dispostos a ser fonte para reportagens. Para ela, essa é uma maneira de o pesquisador divulgar ciência, dando visibilidade para as pesquisas feitas no Brasil. “Os veículos de comunicação atingem um público mais amplo, que não necessariamente estava procurando por informações científicas, mas acaba sendo exposto àquela informação. Para isso, o pesquisador precisa entender a importância da comunicação para além de seus pares”, afirma. “A pandemia deixou isso muito claro: a ciência está em todas as editorias e tem impacto em aspectos econômicos e sociais.” 

Morales lembra que no dia 15 de novembro ocorreu a etapa final de outro evento com objetivo de conscientizar pesquisadores sobre a relevância da comunicação científica, o FameLab Brasil. Na competição, cientistas das áreas de engenharia, biologia, tecnologia e exatas gravaram vídeos de três minutos com o desafio de apresentar um conceito científico de forma simplificada. Pela primeira vez, o evento foi transmitido em rede nacional, pela TV Cultura de São Paulo. Realizado pelo British Council Brasil, o evento conta com a FAPESP como uma das instituições parceiras. “O FameLab faz duas coisas: treina pesquisadores em formação e atinge um público mais amplo, por ser televisionado”, explica a jornalista.

Como apresentar conceitos científicos
Sugestões para uma comunicação mais efetiva

– Procure usar analogias e termos do dia a dia para transpor a informação de forma acessível às pessoas com diversos tipos de conhecimento
– Seja lúdico, use fotos ou ilustrações para prender a atenção do público. Plataformas on-line como o Canva e a Biorender podem ser utilizadas para a criação de imagens e infográficos
– Infográficos ou mapas mentais ajudam a simplificar a explicação. As cores também são importantes para dar harmonia à apresentação
– Certifique-se de que o jornalista entendeu sua explicação quando der entrevistas. Abra espaço para que manifeste dúvidas
– Sintetize e destaque os pontos mais importantes da pesquisa, resultados e seus impactos na sociedade e/ou para a ciência
– Tente responder rapidamente às solicitações da imprensa. É uma oportunidade para democratizar a ciência com vozes diferentes das que são ouvidas habitualmente

Fonte: Entrevistados ouvidos para esta reportagem

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