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PESQUISA NA QUARENTENA

“Com sete meses de isolamento total, sem contato físico, cheguei a um lugar que não imaginei que existisse”

O entomólogo Juliano Morimoto, pesquisador na Universidade de Aberdeen, na Escócia, aliou a matemática e a geometria em seus estudos sobre nutrição de insetos e foi premiado com uma bolsa na Alemanha

Na lousa Juliano Morimoto pensa e anota fórmulas e cálculos que depois trabalhará no computador

Arquivo pessoal

Sou entomólogo, mas cheguei à Alemanha em março deste ano para estudar geometria diferencial no Centro Riemann de Geometria e Física da Universidade de Leibniz, em Hannover, na Alemanha. De acordo com informações do centro, sou o primeiro biólogo a ter recebido essa premiação, que é geralmente concedida a matemáticos e físicos. Trabalho principalmente com ecologia nutricional e comportamento de insetos, mas com a pandemia me voltei à matemática para manter a produtividade.

Dei início ao grupo de pesquisa que lidero na Universidade de Aberdeen, na Escócia, o Insect [Insect Nutrition, Sex, Ecology, and Conservation Team] seis semanas antes de a pandemia estourar no início de 2020. Com a universidade fechada e sem possibilidade de coletar dados, precisei me adaptar e, como já trabalhava com um método chamado geometria nutricional, mergulhei na parte teórica para desenvolver o lado analítico da área, me aprofundando na matemática e no Machine Learning [aprendizado de máquina]. Esse novo foco acabou me levando à bolsa atual na Alemanha.

A geometria nutricional é um método experimental que nos permite observar o equilíbrio e a interação dos nutrientes nas dietas dos animais e seres humanos. Isso nos ajuda a identificar dietas potencialmente mais ou menos benéficas à saúde. A metodologia se chama geometria nutricional porque estuda as formas geométricas que podem se originar a partir das limitações fisiológicas dos organismos em termos do consumo de nutrientes.  Quando o método foi proposto, em 1993, a fundamentação analítica para interpretação dos dados experimentais ainda não estava bem desenvolvida. No doutorado, na Universidade de Oxford, no Reino Unido, usei essa metodologia aplicada à nutrição dos insetos. Entretanto, era comum que os dados fossem analisados de forma visual. Como, por exemplo, em um gráfico em que os eixos são carboidratos e proteínas e as diferentes cores mostram o tipo de interação entre eles. Observar a transição de uma cor para outra é muito subjetivo, depende de quem analisa (ver imagem).

Juliano Morimoto / Universidade de AberdeenGeometria nutricional permite investigar composição ideal da dieta, como teores de proteínas e carboidratosJuliano Morimoto / Universidade de Aberdeen

Na pesquisa que comecei durante a pandemia estou desenvolvendo metodologias para análises mais objetivas, que permitem calcular determinada superfície da imagem sem depender da análise visual, de forma replicável. Para isso, uso fórmulas e recursos da matemática e da estatística. Em uma próxima etapa, vamos desenvolver um software para automatizar essa análise, que pode ser usada em outras áreas, como saúde pública e até odontologia. Durante a estada na Alemanha também estou trabalhando para ampliar o método para além da nutrição, inserindo dados ambientais para uma análise ecológica.

Desde 2016, tenho publicações mostrando os métodos que usamos para analisar um experimento com drosófilas e outras moscas de importância para a agricultura. São exemplos práticos de como usamos a geometria nutricional para observar quais nutrientes contribuem para o desenvolvimento e comportamento dos organismos. Por exemplo, em um estudo usando geometria nutricional com drosófila, mostramos qual o balanço da dieta para que machos tenham maior sucesso em atrair e fertilizar fêmeas.

Tive a honra de, em 2021, ser um dos três pesquisadores do mundo a receber o prêmio da Sociedade Real de Entomologia, voltado para jovens pesquisadores. Ele foi concedido pelo corpo de contribuições da minha pesquisa na área de entomologia, o que inclui o uso da geometria nutricional. Fiquei muito feliz com a honraria e de representar o Brasil no cenário acadêmico internacional.

Juliano Morimoto / Universidade de AberdeenGráficos para espécies de gambá e de tamanduá ajudam a descrever o uso que cada uma faz do ambienteJuliano Morimoto / Universidade de Aberdeen

É curioso estar agora totalmente mergulhado na matemática e na geometria porque são disciplinas com as quais eu não tinha muita familiaridade no ensino médio. Quando retornar para Aberdeen, estarei ainda temporariamente realocado no Instituto de Matemática, para manter as colaborações interdisciplinares.

Por conta da minha dificuldade e ao mesmo tempo por querer quebrar a resistência que muitas pessoas têm com a matemática, também usei esse período da pandemia para organizar os passos para uma eventual segunda edição do livro Geometria poética, que foi publicado pela primeira vez em 2018 com financiamento do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] e pode ser baixado gratuitamente. A ideia é mostrar como a matemática está no nosso dia a dia, assim como a poesia, com uma linguagem mais acessível para estudantes do ensino médio. Sempre gostei de poemas e desde criança os escrevo – mas, por enquanto, só para mim.

Ficarei na Alemanha até junho. Por aqui, as coisas ainda estão caminhando para uma certa normalidade. Cheguei no dia em que eles pararam de exigir teste de Covid-19 para vir à universidade. Ainda pedem a carteira de vacinação e exigem o uso de máscaras em ambientes internos. Tive um pouco de dificuldade com a língua, porque muita gente não fala inglês e eu não falo alemão. Mas já consegui criar uma rotina, encontrar uma academia e mapeei um supermercado perto de casa.

Aliás, foram os exercícios físicos que me ajudaram a passar pelo pior momento da pandemia em 2020. Eu tinha acabado de chegar na Escócia, que foi o país mais rigoroso com o lockdown no Reino Unido. Fechou tudo o que não era considerado comércio essencial. Fiquei sete meses sozinho, sem falar com ninguém pessoalmente, sem contato físico. Podia sair uma hora por dia na rua, para me exercitar. Foi muito difícil. Psicologicamente, cheguei a um lugar que não sabia que existia, parecia algo diferente da depressão. Tinha dias em que eu acordava desejando apenas o contato físico com outra pessoa, encostar em alguém. E não havia nenhuma perspectiva de quando isso poderia acontecer. Para completar, o clima do país não ajudou, quase não havia dias de sol. Fiquei mais de três anos sem ver minha família no Brasil. Pude visitá-los há pouco, no final de 2021, agradecido que todos ficaram bem durante a pandemia.

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