Para dar conta da representação da gravidade no domínio da mecânica quântica, isto é, na escala dos átomos e das partículas subatômicas, as equações de campo da relatividade geral precisam ser modificadas por fatores de correção. A primeira e principal dessas emendas numéricas é um parâmetro denominado alfa (α) e seu valor exato ainda não foi determinado.Uma das implicações do alfa é influir na interação entre os grávitons, hipotéticas partículas quânticas, sem massa, que seriam as portadoras da força gravitacional e a transmitiriam para as demais partículas.
Um artigo produzido por três físicos teóricos calculou o valor mínimo que alfa deveria apresentar para que a teoria do alemão Albert Einstein (1879-1955) começasse a dar conta de também descrever as interações gravitacionais no universo microscópico da física de partículas. De acordo com o trabalho, publicado em agosto de 2021 no periódico científico Physical Review Letters (PRL), alfa teria de ser um número igual ou maior que 0,14. O resultado calculado pelos autores do artigo foi quase igual ao valor mínimo do alfa encontrado, ainda nos anos 1990, por defensores da teoria das cordas: 0,1389.
Obter uma expressão numérica para esse fator de correção é um passo essencial para a formulação da gravitação quântica, uma espécie de embrião de uma teoria de tudo, capaz de unificar as ideias da relatividade geral e da mecânica quântica. Até agora, o único modelo físico-matemático que tinha realizado cálculos e chegado a uma proposta de valor mínimo para alfa tinha sido a teoria das cordas.
Segundo essa proposta, as partículas elementares da matéria, em vez de serem objetos pontuais, seriam filamentos microscópicos unidimensionais, semelhantes a cordas, que vibrariam em 10 dimensões do espaço-tempo. “Ficamos surpresos com o resultado do nosso trabalho. Pode ter sido uma coincidência ou não”, comenta o português Pedro Vieira, um dos autores do artigo, cujas pesquisas são, parcialmente, financiadas pelo programa São Paulo Excellence Chair (Spec), da FAPESP. “Ainda é muito cedo para dizer que a teoria das cordas está certa ou que ela seja a única alternativa possível para unir a relatividade geral e a mecânica quântica. Além do alfa, existem outros fatores de correção que precisam ser calculados, como beta e gama.”
Vieira divide seu ano de trabalho entre as aulas e pesquisas no Instituto Perimeter, no Canadá, e no Centro Internacional de Física Teórica do Instituto Sul-americano para Pesquisa Fundamental (ICTP-Saifr), que funciona no Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (IFT-Unesp). O italiano Andrea Guerrieri, da Universidade de Tel Aviv, em Israel, e o português João Penedones, da Escola Politécnica Federal de Lausane (EPFL), na Suíça, também assinam o artigo na PRL.
Valor da correção agora calculado foi quase igual ao que a teoria das cordas propusera
A trinca de físicos usou uma abordagem distinta da empregada no passado pelos teóricos das cordas para calcular o valor mínimo do principal fator de correção para as equações da relatividade. Eles lançaram mão de um método matemático denominado S-matrix bootstrap, que, em outro artigo de 2021, já tinham usado para estudar possíveis propriedades dos pions, uma classe de partículas subatômicas muito leves. “A técnica do bootstrap começou a ser utilizada nos anos 1960, quando chegou a ser popular na física quântica, mas depois perdeu terreno para outras abordagens”, explica Guerrieri, que permaneceu por três anos, entre 2017 e 2020, como pós-doutorando no ICTP-Saifr.
Esse método parte de princípios ou postulados gerais — como causalidade, invariância de Lorentz (as leis da física são iguais independentemente da localização do observador) e o fato de que uma probabilidade não pode ser maior do que 1 — para calcular certas propriedades decorrentes da interação entre partículas subatômicas no mundo quântico. No caso, foi usado para prever o menor valor possível do fator de correção alfa. Para que seja viável usar a técnica do S-matrix bootstrap, que demanda grande capacidade computacional para realizar uma série de operações, Vieira, Guerrieri e Penedones tiveram de adotar em seu trabalho um modelo simplificado de realidade, baseado em uma versão dominante da teoria das cordas.
No mundo idealizado por essa proposta, haveria 10 dimensões do tempo e espaço (seis a mais do que as conhecidas) e a manifestação de uma propriedade denominada supersimetria. Segundo essa propriedade, cada partícula do Modelo Padrão da física — a teoria dominante que, há meio século, explica as interações entre as forças conhecidas, com exceção da gravidade, e os constituintes da matéria — deveria ser acompanhada de outra partícula, chamada de superparceira. “Em trabalhos futuros, devemos tentar calcular o alfa em ambientes com menos dimensões”, diz Vieira.
Nem todos interpretam o trabalho que calculou o menor valor possível para o fator de correção alfa como um novo impulso à teoria das cordas, que, por ora, carece de provas experimentais. “Todos os dados observacionais indicam que o Universo tem quatro dimensões e não apresenta supersimetria”, diz o físico André Landulfo, do Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC (CCNH-UFABC), que não participou do estudo. “Não me parece que o resultado do artigo tenha alcance para ser utilizado em teorias de gravitação quântica que possam ter realidade física. Portanto, acho difícil usá-lo para fortalecer a teoria das cordas como uma alternativa viável, muito menos como a única alternativa viável, para a formulação de uma teoria de gravitação quântica.”
Projeto
Aplicações de teoria quântica de campos (nº 19/24277-8); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Programa São Paulo Excellence Chair (Spec); Pesquisador responsável Pedro Vieira (Unesp); Investimento R$ 888.746,51.
Artigo científico
GUERRIERI, A. et al. Where is string theory in the space of scattering amplitudes? Physical Review Letters. v. 127, n. 8. 20 ago. 2021.