Os estudos sobre o café resultam em três recomendações práticas. A primeira: não tomar café logo após as refeições, mas apenas uma ou duas horas depois. A cafeína e os taninos se combinam com minerais e reduzem a absorção de ferro, como mostrado por pesquisadores da Universidade do Kansas, Estados Unidos, em um trabalho publicado na revista American Journal of Clinical Nutrition, em março de 1983. Em um estudo mais recente, publicado na Nutrients, em setembro de 2021, pesquisadores da Universidade Médica de Breslávia, na Polônia, concluíram que, além do ferro, beber café depois de comer também prejudica a absorção de cálcio, zinco, magnésio e fósforo.
Há indicações de que o hábito de tomar uma xícara de café depois das refeições, no lugar de licor ou vinho do Porto, teria sido trazido ao Brasil em 1829 pela imperatriz Amélia de Leuchtenberg (1812-1873), segunda esposa de dom Pedro I (1798-1834), disseminando-se entre os frequentadores da Corte e depois entre os plebeus. Mas não se trata de um efeito exclusivo do café, já que mais de 60 plantas contêm cafeína, como guaraná, cacau, chás preto ou verde e erva-mate, além de chicletes, medicamentos e bebidas energéticas.
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Inversamente, alimentos ricos em vitamina C, como vegetais de folhas verdes escuras e frutas cítricas, ampliam a absorção de ferro: uma única laranja pode aumentá-la de três a seis vezes. “Pessoas mais vulneráveis tendem a desenvolver anemia, principalmente quando ingerem grandes quantidades de café logo após as refeições”, comenta a nutricionista Denise Tavares Giannini, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “É importante escolher o momento adequado para o consumo de café.” Um dos estudos de seu grupo, publicado em fevereiro na Nutrition, mostrou que beber café pela manhã e à tarde não prejudica a duração do sono em adolescentes.
A segunda recomendação: para reduzir (ou não aumentar) as taxas de colesterol no sangue, é melhor tomar café filtrado ou o instantâneo. Um dos componentes do café é um lipídio chamado cafestol, que pode aumentar as taxas de colesterol, mas em boa parte é retido pelo filtro de papel, como evidenciado em junho de 1995 por um grupo da Universidade Leiden, na Holanda, no American Journal of Clinical Nutrition. Os modos de preparar os cafés expresso, o turco e o fervido são menos eficazes em deter o cafestol que chega à xícara.
A terceira: não adicionar açúcar, ou reduzi-lo ao mínimo possível. É o que aconselha o Guia alimentar para a população brasileira, publicado em 2021 pelo Ministério da Saúde. É uma forma de diminuir a quantidade de calorias consumidas ao longo do dia e otimizar os efeitos benéficos do café, que são muitos.
“Uma xícara de café pode estar fazendo muito mais pelo seu cérebro do que apenas ajudando você a se sentir mais desperto pela manhã”, observa o médico norte-americano Michael Greger no livro Comer para não morrer (Intrínseca, 2018), em que expõe os efeitos do café no organismo, sempre com base em estudos científicos.
Por aumentar o gasto energético, a cafeína e outros compostos do café, como os diterpenos, podem reduzir o risco de obesidade e de perda muscular. Mas nem sempre. Pesquisadores da Uerj e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) acompanharam durante dois anos 163 pessoas que haviam passado por transplante de rim e verificaram que, nesse grupo, o consumo de café se mostrou associado a ganho de gordura corporal e à perda de força muscular, como detalhado em um estudo publicado em outubro de 2023 na Clinical Nutrition.
Os efeitos do café no organismo não são todos positivos. Entre outros efeitos indesejados, pode aumentar a ansiedade, fazer o ácido clorídrico produzido no estômago subir pelo esôfago em pessoas com a doença do refluxo gastroesofágico ou causar mais crises nas que sofrem de epilepsia. A nutricionista Helen Hermsdorff, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, recomenda o consumo moderado, de uma a três xícaras por dia.
Sua equipe verificou um efeito bastante conhecido da cafeína – a capacidade de espantar o sono – por meio de questionários respondidos por 6.356 profissionais de nível superior com idade média de 32,7 anos e formados em sete universidades de Minas Gerais. Quase um terço (31,9%) dos participantes dormia menos que o mínimo recomendado de sete horas, como detalhado em um artigo de dezembro de 2023 na International Journal of Food Sciences and Nutrition. “Uma das nossas hipóteses é que os profissionais liberais em jornada parcial ou integral de trabalho usam a cafeína para se manter mais despertos”, diz.
A reportagem acima foi publicada com o título “É bom, mas cuidado” na edição impressa nº 340, de junho de 2024.
Artigos científicos
COSTA, M. S. da et al. Association of habitual coffee consumption with obesity, sarcopenia, bone mineral density and cardiovascular risk factors: A two-year follow-up study in kidney transplant recipients. Clinical Nutrition. v. 42, n. 10, p. 1889-1900. out. 2023.
MORCK, T. A. et al. Inhibition of food iron absorption by coffee. The American Journal of Clinical Nutrition. v. 37, n. 3, p. 416-20. mar. 1983.
RODAK, K. et al. Caffeine as a factor influencing the functioning of the human body—Friend or foe? Nutrients. v. 13, n. 9, 3088. 2 set. 2021.
ROOIJ, J. van et al. A placebo-controlled parallel study of the effect of two types of coffee oil on serum lipids and transaminases: Identification of chemical substances involved in the cholesterol-raising effect of coffee. The American Journal of Clinical Nutrition. v. 61, n. 6, p. 1277-83. jun. 1873.
TEIXEIRA, C. M. et al. Higher caffeine consumption is associated with insufficient sleep time in Brazilian adults (Cume study). International Journal of Food Sciences and Nutrition. v. 74, n. 8. 12 dez. 2023.
VIZENTIN, N. P. et al. Caffeine consumption and association with sleep duration and screen time in Brazilian adolescents (Erica Study). Nutrition. v. 118, 112233. fev. 2024.
Livros
GREGER, M. Comer para não morrer: Conheça o poder dos alimentos capazes de prevenir e até reverter doenças. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018.
Guia alimentar para a população brasileira. Brasília: Ministério da Saúde. 2021