Professor de literatura na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Éverton Barbosa Correia resolveu estudar a obra literária do recifense Joaquim Moreira Cardozo (1897-1978) de tanto que o poeta João Cabral de Melo Neto (1920-1999), também de Recife, exaltava-o. Cardozo tem, a rigor, duas obras, uma como poeta e outra como engenheiro. Ele foi o responsável pelos cálculos estruturais que colocaram em pé os prédios projetados pelo arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012), como a Catedral e o Congresso Nacional, ambos em Brasília, que completou 60 anos em abril de 2020.
Formado em engenharia civil em 1930 pela Escola de Engenharia de Pernambuco, hoje integrada à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Cardozo mostrou habilidade para fazer cálculos estruturais de obras vanguardistas quando trabalhou na Diretoria de Arquitetura e Construção (DAC), que cuidava de obras públicas no estado. Incentivado pelo chefe, o arquiteto Luiz Nunes (1909-1937), ele projetou a Escola Rural Alberto Torres, de 1936, com arcos e vigas horizontais que sustentavam as rampas de acesso e já expressavam a arquitetura moderna.
“Cardozo, por ser poeta, crítico de arte e engenheiro, aderiu aos ideais da arquitetura moderna”, avalia o arquiteto Leonardo Inojosa, professor da Universidade de Brasília (UnB). Em sua tese de doutorado, concluída em 2019, ele argumentou que suas soluções estruturais inovadoras marcaram a arquitetura moderna brasileira das décadas de 1930 a 1980.
Em 1940, depois de proferir um discurso para uma turma de formandos da Escola de Engenharia com comentários que não agradaram ao governo do estado, Cardozo foi demitido da DAC e se mudou para o Rio de Janeiro. No Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), conheceu Niemeyer, para quem fez o projeto estrutural do Conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte, inaugurado em 1943. Esse trabalho marcou o início de uma parceria que durou 30 anos.
Uma das obras em que trabalharam na Pampulha foi a Igreja de São Francisco de Assis. “O projeto era inovador dos pontos de vista arquitetônico, pelas formas livres e ousadas da pequena igreja, e estrutural, pela construção em concreto armado, técnica ainda pouco explorada no Brasil”, observa o arquiteto Alexandre Martins, do Centro Universitário Faculdades Integradas Alcântara Machado. A experiência adquirida em Minas alicerçou o trabalho conjunto em Brasília, que incluiu os palácios do Supremo Tribunal Federal, da Alvorada e do Itamaraty.
Amigos poetas
“Sua poesia tinha o mesmo rigor técnico que suas obras de engenharia, com uma notável preocupação com a sonoridade e a combinação das palavras”, diz Correia. “Poucos poetas brasileiros modernos foram tão bons no domínio da técnica da construção de poemas quanto Cardozo.”
De 1910 a 1913, como estudante do Ginásio Pernambucano, Cardozo ajudou a fundar o jornal O Arrabalde, no qual publicou seu primeiro conto, Astronomia alegre. Foi cartunista no Diário de Pernambuco e, nos anos 1920, dirigiu a Revista do Norte, na qual publicou seus primeiros poemas. No Rio, conviveu com Manuel Bandeira (1886-1968) e Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). “Ele não se preocupava em organizar seus poemas em livros. Só publicou por pressão dos amigos escritores”, comenta Correia. Cardozo lançou seu primeiro livro, Poemas, em 1947, aos 50 anos. O segundo, Signo estrelado, saiu em 1960, com um retrato dele a nanquim feito por Emiliano Di Cavalcanti (1897-1976).
Sua produção literária ganhou força depois de sua aposentadoria, marcada por uma tragédia. Em 4 de fevereiro de 1971, as obras do Pavilhão de Exposições da Gameleira, em Belo Horizonte, desabaram e mataram cerca de 70 operários. Acusado judicialmente, ele provou que não houve erro de cálculo e que a causa do acidente tinha sido um descuido na remoção do escoramento das estruturas.
Cardozo publicou sete obras de poesia e seis de teatro. “O período entre 1970 e 1975 foi seu ciclo mais produtivo, com peças que tratam de temas eruditos e populares, como o bumba-meu-boi”, diz Correia, um dos organizadores de uma edição especial da revista Gláuks de fevereiro de 2020 sobre a obra literária de Cardozo.
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