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Orgulho LGBTI+

Direito à diversidade de gênero

Comemorado há mais de 50 anos, Dia do Orgulho LGBTI+ é marcado por avanços no conhecimento científico e desafios legislativos

Julia Wolf

No dia 28 de junho de 1969, uma operação policial realizada no bar Stonewall Inn, localizado na região de Manhattan, em Nova York, nos Estados Unidos, e frequentado pela comunidade homossexual, desencadeou uma rebelião que ficou conhecida como Revolta de Stonewall. Considerado marco zero do movimento de luta por direitos civis da população LGBTI+ (sigla para designar pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, travestis e intersexuais), o acontecimento é recordado anualmente em eventos e festivais no mundo.

Neste ano, o Programa das Nações Unidas para a População (UNFPA) estabeleceu que a extinção de leis discriminatórias contra esse público deve ser prioridade dos países. De acordo com o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), 67 nações ainda criminalizam relações entre pessoas do mesmo sexo, sendo que 10 delas impõem pena de morte nessas situações. Além disso, até cerca de 30 anos atrás, a homossexualidade era considerada doença. Apenas em 1990 foi retirada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID).

O Brasil contava com 2,9 milhões de pessoas com 18 anos ou mais que se declaravam como lésbicas, gays ou bissexuais em 2019, conforme a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS): Orientação sexual autoidentificada da população adulta, divulgada em março de 2022. Número similar foi revelado pelo primeiro estudo acadêmico sobre a quantidade de pessoas identificadas como transgênero ou não binárias que vivem no país. De acordo com esse levantamento, realizado pela Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (FMB-Unesp) e publicado em 2021, na Nature Scientific Reports, 3 milhões de indivíduos estão incluídos nesses grupos, o que corresponde a cerca de 2% da população adulta brasileira. A revista Pesquisa FAPESP publicou reportagem sobre o estudo, na qual também abordou os diálogos que vêm sendo desenvolvidos entre pesquisadores da área médica e das humanidades para preencher lacunas relacionadas ao conhecimento sobre diversidade sexual e de gênero, além de oferecer subsídios à elaboração de políticas públicas.

Aqui, a maioria das demandas da população LGBTI+ não tem sido atendidas pela via do Poder Legislativo, por meio de projetos de lei, mas sim a partir de ações movidas pelo Poder Judiciário. Reportagem publicada por Pesquisa FAPESP em 2018 trouxe os resultados de estudo sobre como processos iniciados em tribunais estaduais, que seguiram para segunda instância até chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF), abriram caminho para a legalização da união civil homoafetiva. O reconhecimento, pelo próprio STF, aconteceu em maio de 2011. Em relação ao papel do Poder Executivo nesses avanços, o Decreto nº 8.727, de 2016, efetivou o direito de uso de nome social em ambientes públicos e privados por pessoas com identidade de gênero diversa do que consta no registro civil. O nome social é a designação pela qual a pessoa travesti ou transgênero prefere ser chamada.

Léo Ramos Chaves/ Revista Pesquisa FAPESP

Apesar dos avanços, o Brasil é o país que mais mata, em números absolutos, pessoas trans e travestis no mundo, conforme o projeto de pesquisa “Trans murder monitoring (TMM)”. Em 2022, foram 96 homicídios registrados no país. México (56) e Estados Unidos (51) aparecem em segundo e terceiro lugares.

Em 2018, a revista também mostrou como o aumento de direitos dessa parcela da população começou a reverberar em universidades. A reportagem mapeou políticas desenvolvidas em instituições de todo o país de inclusão, acolhimento e permanência para alunos e pesquisadores cuja identidade de gênero se opõe a de seu sexo biológico. A preocupação em criar ambientes plurais de pesquisa foi tema de outra reportagem, de 2022, que tratou de ações do Instituto Fields de Pesquisa em Ciências Matemáticas, sediado em Toronto, no Canadá, cuja meta é transformar a matemática, caracterizada pela majoritária presença masculina, em uma disciplina mais diversa.

Pesquisas sobre diversidade sexual e de gênero vêm sendo cobertas pela revista há mais de 15 anos. Uma das primeiras reportagens publicadas sobre o tema data de 2007, quando foram abordados os resultados de estudos que procuraram desconstruir preconceitos relacionados a famílias de pais homossexuais. Dois anos mais tarde, outro texto mostrou os achados de pesquisa desenvolvida pela endocrinologista Berenice Bilharinho Mendonça, da Universidade de São Paulo (USP), para mapear distúrbios de desenvolvimento sexual (DDS), suas possíveis origens, evolução, sinais e tratamentos. Os resultados do estudo também foram publicados em vídeo. Mendonça também concedeu uma longa entrevista à revista, na qual falou sobre o avanço de pesquisas sobre distúrbios genéticos do desenvolvimento sexual e da necessidade de combater o preconceito em relação ao assunto. Ainda na área da saúde, em 2019, foi publicado o resultado de um amplo estudo sobre a influência dos genes no comportamento homossexual humano. Já em 2023, uma análise detectou que, no Brasil, pessoas LGBTI+ tendem a realizar menos exames preventivos do que indivíduos cisgênero heterossexuais.  

Se no início do século XIX a diversidade sexual e de gênero era objeto prioritário de pesquisa das ciências médicas, nas últimas décadas as humanidades ganharam protagonismo, conforme o psiquiatra Alexandre Saadeh, coordenador do Ambulatório Interdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (Amtigos) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP). Segundo ele, depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e da disseminação da pílula anticoncepcional a partir da década de 1960, análises sobre sexualidade se multiplicaram em universidades e institutos de pesquisa. “Inicialmente, preponderava a ideia de que a sexualidade humana tinha um padrão único, apoiado na ideia dos sexos masculino ou feminino. Com o passar dos anos, essa noção foi perdendo espaço e, hoje, pesquisas envolvendo a sexualidade se baseiam na premissa de que ela é diversa e precisa ser estudada considerando toda essa pluralidade”, finaliza o psiquiatra.

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