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Resenha

Em busca da solidariedade perdida

Afinidades revolucionárias: Nossas estrelas vermelhas e negras. Por uma solidariedade entre marxistas e libertários | Olivier Besancenot e Michael Löwy | Tradução: João Alexandre Peschanski e Nair Fonseca | Editora Unesp | 200 páginas | R$ 38

290_097_Resenha_AfinidadesEduardo CesarQuando o sociólogo da cultura Michael Löwy, diretor de pesquisa no Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) da França, brasileiro e um dos pensadores mais renomados no campo das esquerdas antistalinistas, juntamente com Olivier Besancenot, funcionário dos Correios e candidato presidencial na França em 2002 e 2007, com resultados respeitáveis para o Nouveau Parti Anticapitaliste (NPA), resolveram juntar esforços e escrever Afinidades revolucionárias (publicado na França em 2014, já traduzido para o grego e em vias de sê-lo para o alemão e o espanhol), claro estava que não previam os impasses da conjuntura atual, a partir dos acontecimentos recentes nos Estados Unidos, no Brasil, na Turquia e em outros cenários. Seu intuito, para além do exame atento do que sucede nesses e noutros países, foi retroceder cerca de 150 anos, até a fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores (conhecida como I Internacional) e a emergência da Comuna de Paris, para revisitar esse laboratório de ideias e práticas revolucionárias, em meio a polêmicas, cisões, mas também a diálogos, afinidades e ações solidárias.

Se você ler ou ouvir alguém dizer que possui a “chave” do enigma da transformação revolucionária no mundo atual, desconfie. Uma das maiores lições deste livro é sua despretensão a qualquer monopólio da verdade, como é comum entre agrupamentos de esquerda, tão dados à arrogância de fórmulas prontas e ao autoritarismo sectário autorreferente e pontificante. E isso vale, é bom notar, tanto nas correntes de linhagem marxista quanto nas de caráter anarquista. O esforço de percorrer novamente experiências significativas e até traumáticas, com a erudição que décadas de estudo e militância proporcionaram aos autores, muito sofisticada em termos de conhecimento teórico e histórico-político em face do rebaixamento intelectual e moral das redes ditas “sociais” e da intolerância como moeda corrente de pseudodebates que só fazem ampliar a fragmentação do pensamento crítico, faz deste livro um belo exemplo de exercício dialógico no melhor sentido filosófico, político e estético que se possa configurar.

Talvez essas afinidades revolucionárias entre marxistas e libertários, perseguidas com desvelo por Löwy e Besancenot, sejam, afinal, utópicas. Mas utopia, aqui, na acepção romântica dos primeiros grandes críticos da modernidade capitalista, pode se identificar com a experiência histórica real e possível. Depois da Comuna de Paris, outros momentos decisivos são revividos, como o Primeiro de Maio de Chicago (1886), a Revolução Russa, a Revolução Espanhola e Maio de 1968. Neles, a mesma pesquisa é ensaiada: buscar os elos solidários que aproximaram, nas lutas concretas, as duas correntes. E o diálogo se dirige também a personagens que tentaram essa ponte para além de suas siglas ou movimentos: Louise Michel, Pierre Monatte, Rosa Luxemburgo, Emma Goldman, Buenaventura Durruti, Benjamin Péret, subcomandante Marcos, Walter Benjamin, André Breton e Daniel Guérin.

No prefácio aos leitores brasileiros, são lembradas as figuras notáveis de Mario Pedrosa, Fúlvio Abramo, Pedro Catalo, Edgard Leuenroth, Hermínio Sachetta e Maurício Tragtenberg, como alguns pensadores e militantes da solidariedade revolucionária libertária em nossa história política republicana. Da Frente Única Antifascista (FUA), em 1934, que reuniu, em São Paulo, anarquistas, comunistas, socialistas, trotskistas e democratas liberais contra o fascismo emergente dos integralistas, às impressionantes Jornadas de Junho, em 2013, reunindo jovens autonomistas do Passe Livre a trabalhadores sem-teto do MTST, há muitas trajetórias a serem analisadas e discutidas. Quais as relações entre democracia direta e representativa? Entre sindicatos e partidos? Entre indivíduos e coletivos? Entre autonomia e federalismo? Entre autogestão e planejamento? Entre preservação da natureza planetária e sociedade pós-capitalista?

Nenhuma resposta é fácil. Este livro não as dá de gaiato, mas ajuda muito a melhor conhecer as questões.

Francisco Foot Hardman, doutor em filosofia pela USP e com pós-doutorado no Collège International de Philosophie, é professor titular de literatura e outras produções culturais do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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