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Filosofia Antidogmática

Ensaios de filosofia ilustrada

Rubens Rodrigues Torres Filho (Editora Iluminuras - 192 páginas / R$35,00)

Autora de Schopenhauer e a Questão do Dogmatismo (EDUSP/FAPESP, 1994), é professora no Departamento de Filosofia da USP.

Ensaios de Rubens Rodrigues Torres Filho são reeditados
Os Ensaios de Filosofia Ilustrada, de Rubens Rodrigues Torres Fo., são agora reeditados com novos ensaios. Esse modelo do gênero ensaístico na Filosofia alia ao rigor de suas análises o engenho da exposição, mostrando a figura do filósofo comprometido com a arte do ler e do escrever. Seus temas e variações, em formação camerística, vão ao encontro das expectativas dos que se perguntam o que pode oferecer hoje o estudo da filosofia.

“O dia da caça” põe em questão a figura singular do filósofo, cientista sem objeto preciso, ao exilar-se, na sua ambigüidade, da ciência e da sabedoria inatingível. A reinvenção da filosofia no idealismo alemão traça para Torres o destino do filósofo.

Kant é o centro, o baixo-contínuo em relação ao qual esses ensaios se dispõem criticamente, aliás, a “caça” preferida pelo autor, que desvela o lado sombrio das Luzes. Em A virtus dormitiva, retifica-se a leitura de Kant por Nietzsche, contraponteando os pontos de vista de ambos.  Kant, acusado de ter sido o primeiro “idealista” alemão a cair no sono dogmático, afirmou ter despertado do cochilo dogmático por levar Hume a sério. A Metafísica, como sintoma de uma doença da Razão, não é para ele um equivoco, mas “uma ilusão necessária” inscrita na sua essência.

No “Cinismo Ilustrado”, o sobrinho do famoso músico Rameau põe à prova o filósofo ilustrado, remedando as cômicas pantomimas da sociedade burguesa, e sequer poupa a sua figura ilustre, mesmo ao adotar uma postura cínica. Quem é a Ilustração atina para um novo cinismo, desta vez o “cinismo transcendental” de Kant, que teria se curvado diante de Frederico II. Traça-se aí o destino do Sobrinho na História da Filosofia: seu “descaramento” e sua “dialética anti-socrática”, apropriados pela Dialética “mais manhosa” de Hegel, viram “figura” de uma verdade universal. Só Sócrates músico, sonho de Nietzsche, recuperaria a leveza da dança e da musicalidade bufa do Sobrinho, contraposta à defesa da “sã razão”.

“Kant na Sala de aula” aponta a falácia em que incorreram certos leitores de Kant ao acusá-lo da recaída dogmática na 2a. edição da Crítica, ignorando sua “intenção declarada” de “suprimir o saber para obter lugar para a crença”,  como antídoto contra o dogmatismo.

Em “A Filha Natural em Berlim”, ressurge o tema da dualidade, agora em Fichte: o dualismo entre “espírito” e “letra” não é para ser tomado metafisicamente, pois a oscilação da imaginação entre os termos-limite, ideal/real, eu/não-eu, impede a reificação dos opostos, produzida pela Ilusão transcendental. “Ter espírito”, nada mais é que se livrar dela. A noção de Darstellung – apresentação ou exposição- reunificará teatro e teoria, permitindo que esta se exteriorize.

Os dois ensaios sobre Schelling revelam  sua inventividade em relação à Kant e aos pós-kantianos. O simbólico em Schelling  mostra como foi além da “vocação histórica do idealismo alemão” a busca da unidade entre as três Críticas, ao propor a unificação da física e da ética numa “poética ou sistema da arte”. A produção extra-teórica da síntese revê a questão central da Crítica. A síntese a priori, vista por Schelling como “derivada”, exigiria um fundamento, “uma síntese originária”, no eu ou na liberdade, o que, aliás, Kant já sugerira, na exigência da Razão pelo Incondicionado.

Como fecho, o poema satírico Profissão de fé epicurista, onde vibra o entusiasmo anti-religioso de Schelling:

“Quando falam de luz interior/Conversam muito e nada tem valor,/Grandes palavras enchem os ouvidos/…”

Enfim, belas peças antidogmáticas, que expõem a gênese de pseudo-equívocos, mostrando seu significado, descartando sutilmente, o exercício fácil da filosofia, sem o imprescindível redobro reflexivo.

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