Comportamentos que podem causar risco à saúde, como o sedentarismo e o consumo de álcool, de tabaco e de alimentos industrializados, tornaram-se mais frequentes durante a pandemia, de acordo com uma pesquisa feita com 45 mil brasileiros adultos por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e das universidades Federal de Minas Gerais (UFMG) e Estadual de Campinas (Unicamp). Os dados foram obtidos por meio do inquérito de saúde ConVid – Pesquisas de Comportamento, um questionário aplicado pela internet entre os dias 24 de maio e 24 de junho em indivíduos acima de 18 anos de todos os níveis de escolaridade e regiões do país.
Os participantes prestaram informações sobre seus hábitos no momento em que as medidas de distanciamento social estavam no auge e também como eram antes da pandemia. Segundo Deborah Malta, coordenadora do estudo e pesquisadora da Escola de Enfermagem da UFMG, as medidas de distanciamento social foram fundamentais para que grupos mais suscetíveis à Covid-19, como idosos, obesos e hipertensos, se protegessem da doença. “Mas, assim como se observou em outros países, houve uma piora em fatores de risco à saúde referentes aos estilos de vida das pessoas.”
As mudanças de comportamento criaram outras vulnerabilidades, que agora precisam ser consideradas pelas políticas de promoção da saúde, alerta Malta. “A redução de atividade física pode provocar uma rápida deterioração da saúde cardiovascular e mortes prematuras entre populações com maior risco de enfermidades do coração. Da mesma forma, o consumo maior de alimentos ricos em açúcares, gorduras e calorias constitui um fator de risco para a obesidade, hipertensão e doenças cardiovasculares.”
Doze por cento da amostra era composta por fumantes. Um terço desse contingente relatou ter aumentado o consumo de tabaco – na maioria dos casos, 10 cigarros extras por dia durante a pandemia e com maior frequência entre as mulheres. Já o crescimento da ingestão de bebidas alcoólicas, apontado por 17,6% dos respondentes, foi uniforme em ambos os gêneros, mas se destacou entre as pessoas de 30 a 39 anos, atingindo 24,6% desse estrato.
Os hábitos alimentares igualmente tiveram prejuízo. O consumo regular de frutas e de feijão teve um recuo ligeiro, dentro da margem de erro, mas o de hortaliças sofreu queda mais expressiva: 33% dos indivíduos durante a pandemia ante 37,3% no período anterior a ela. Paralelamente, aumentou de forma relevante o consumo de alimentos não saudáveis em pelo menos dois dias por semana. Em relação a alimentos congelados, a prevalência subiu de 10% para 14,6%; a salgadinhos, de 9,5% para 13,2%; e a chocolates, biscoitos doces e pedaços de torta, de 41,3% para 47,1%. A faixa etária dos adultos jovens se destacou. O consumo de chocolates, biscoitos e tortas atingiu 63% das pessoas entre 18 e 29 anos, diante de 54,2% antes da emergência sanitária.
Os dados sobre alimentação divergem dos de outro levantamento realizado pela internet, publicado por pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), que apontou um aumento no consumo de frutas, hortaliças e leguminosas e estabilidade no de alimentos industrializados durante a pandemia. Os resultados não são comparáveis porque as metodologias adotadas nos dois estudos são diferentes. O trabalho coordenado por Deborah Malta baseou-se em uma amostra da população quatro vezes maior que a do estudo da USP e foi realizado em um único momento, comparando comportamentos antes e durante a pandemia. Já a pesquisa da USP coletou dados em dois momentos diferentes, em fevereiro e em maio, indagando o que o indivíduo havia comido no dia anterior.
Segundo a pesquisa da Fiocruz, da Unicamp e da UFMG, o isolamento social também favoreceu comportamentos sedentários. A prática de atividade física regular caiu de 30,1% para 12% dos indivíduos. Na faixa dos 18 a 29 anos, a queda foi maior: de 32,6% para 10,9%. O tempo médio assistindo à TV chegou a 3,31 horas por dia, 1 hora e 45 minutos a mais do que antes da pandemia, enquanto o uso de computador ou tablet consumiu 5 horas diárias, uma hora e meia a mais do que no período anterior.
Para recrutar os voluntários, foi mobilizada uma rede de 200 pesquisadores em todas as regiões do país. Cada um deles pediu a 20 pessoas de sua rede de relacionamentos para que preenchessem o questionário. Esse grupo, por sua vez, enviou o link do inquérito a mais indivíduos, mas agora a seleção dos convidados seguiu parâmetros de estratificação por sexo, idade e escolaridade, a fim de assegurar representatividade à amostra. No total, 47.184 participaram, mas pouco mais de 2 mil questionários foram descartados por falta de preenchimento de dados importantes. O estudo, divulgado inicialmente no repositório SciELO Preprints, foi publicado no dia 30 de setembro no periódico Epidemiologia e Serviços de Saúde – Revista do Sistema Único de Saúde do Brasil.
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