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COVID-19

Estudo em Serrana indica controle da epidemia após 75% de adultos imunizados

Aplicação em massa da CoronaVac em cidade paulista levou a uma redução de 95% no número de mortes e de 86% nas internações decorrentes da Covid-19

Aplicação de segunda dose da CoronaVac em voluntário do estudo

Instituto Butantan

A vacinação completa de 75% da população adulta de Serrana, município de 45 mil habitantes no interior de São Paulo, foi suficiente para controlar a epidemia do novo coronavírus na cidade. O anúncio foi feito por autoridades do governo paulista e do Instituto Butantan em entrevista coletiva na segunda-feira (31/05) para divulgar os resultados da pesquisa científica que avaliou a efetividade da CoronaVac, imunizante desenvolvido pela farmacêutica chinesa Sinovac Biotech.

“As mortes caíram 95%, as internações recuaram 86% e os casos sintomáticos foram reduzidos em 80%”, disse o governador João Doria durante a coletiva. “É possível controlar a epidemia através da vacinação. Não precisamos isolar, ilhar ou impedir o trânsito de pessoas para controlar a epidemia. A chave é a vacinação”, enfatizou o infectologista Ricardo Palacios, diretor médico de ensaios clínicos do Instituto Butantan e um dos idealizadores da investigação.

Batizado de Projeto S, o estudo coordenado e financiado pelo Butantan, com apoio da FAPESP, vacinou 27.160 moradores de Serrana com as duas doses do imunizante ao longo de oito semanas entre 14 de fevereiro e 10 de abril. O número equivale a 95,7% do público-alvo, composto pelos habitantes com 18 anos ou mais. O município foi dividido em 25 subáreas, formando quatro grandes grupos populacionais que receberam o imunizante em semanas sucessivas. Quando o terceiro grupo tomou a segunda dose, a disseminação do vírus foi controlada, de acordo com os autores da pesquisa, o que significa que a imunização de cerca de 75% da população-alvo – no caso, adultos maiores de 17 anos – parece ter sido suficiente para barrar a pandemia.

Instituto Butantan Sala de controle das operações do Projeto S, montada em uma escola do municípioInstituto Butantan

Todas as vacinas foram doadas ao projeto pela Sinovac. “Poucos programas de vacinação do mundo têm um valor tão expressivo [de cobertura vacinal]. E mostra mais uma vez: a população quer ser vacinada”, disse o médico Marcos de Carvalho Borges, pesquisador principal do Projeto S e diretor-geral do Hospital Estadual Serrana, ao apresentar os dados de cobertura vacinal na cidade.

De acordo com as autoridades, foram aplicadas 54.882 doses de CoronaVac e registrados 67 eventos adversos graves, mas nenhum relacionado à vacinação. Segundo Borges, qualquer situação com alguma gravidade que ocorra com um voluntário depois de ele ser imunizado é registrada no estudo como evento adverso grave. “Por exemplo, a pessoa tomou a vacina e, duas semanas depois, bateu o carro. Isso é um evento adverso grave, mas não tem nenhuma relação causal com a vacina”, afirmou. Após a primeira dose, 4,4% relataram reações, porém apenas 0,02% de grau 3 (mialgia e cefaleia), que interferiu nas atividades do dia a dia. Após a segunda dose, houve 0,2% de relatos de reações adversas, mas nenhuma de grau 3 ou superior. “Isso reforça que a vacina é muito segura”, comentou Borges.

Entre os vacinados foram registrados oito óbitos por Covid-19. Sete deles, no entanto, haviam tomado apenas a primeira dose. A partir de 15 dias da segunda inoculação não foi registrada nenhuma morte e houve apenas duas internações em decorrência da Covid-19 (ver infográfico). Na avaliação imunológica feita da população antes de iniciar o estudo, os pesquisadores verificaram que 25,7% dos moradores da cidade já haviam sido expostos ao vírus.

Imunidade indireta
O grande marco temporal utilizado pelo estudo foi a semana epidemiológica 14, que foi de 4 a 10 de abril, quando a segunda fase de vacinação foi concluída em todos os grupos da cidade. “Quando comparado o período até terminarmos a intervenção, na semana 14, com o período posterior, nós encontramos uma redução de casos sintomáticos geral, em toda a cidade de Serrana, independentemente de as pessoas tomarem ou não a vacina, de 80%”, disse o infectologista Ricardo Palacios, acrescentando que houve uma diminuição geral nas internações de 86% e de 95% nas mortes (ver infográfico). “Isso reflete a somatória do efeito direto das pessoas que recebem a vacina e, portanto, estão se protegendo, e o efeito indireto, que é a redução da transmissão do vírus porque temos pessoas vacinadas na comunidade.”

A sincronização na queda de casos sintomáticos e hospitalizações entre vacinados e não vacinados na cidade, segundo Palacios, é um marcador do efeito indireto da imunização. “Essa é a evidência da proteção indireta, que tem sido também chamada de imunidade coletiva, mas que eu prefiro usar o termo de imunidade indireta, porque é uma forma em que quem recebe a vacina também está ajudando a proteger o outro.”

A incidência de casos sintomáticos e hospitalizações de crianças e adolescentes abaixo de 18 anos apresentou, igualmente, queda, mesmo que essa faixa etária não tenha sido vacinada. “Esse dado é extremamente importante, porque, em outras vacinações, quando se implementa por faixa etária, um dos efeitos que pode acontecer é que você vai empurrando a infecção para aquelas faixas etárias que não foram vacinadas. O que vimos foi um efeito protetor. Vacinar os adultos vai criando essa espécie de barreira de proteção, um casulo, sobre as crianças”, afirmou Palacios, ressaltando a relevância da informação para as discussões sobre retomada das aulas presenciais no país. “Não será necessário vacinar as crianças para retomar as atividades escolares.”

A imunização em massa também levou à queda no número de internações de idosos acima de 70 e de 80 anos. “O efeito da vacina é tão forte que consegue proteger até mesmo aqueles que por algum motivo não foram vacinados, mesmo nas faixas etárias mais avançadas”, disse Palacios. Os dados brutos da pesquisa serão apresentados posteriormente, informou Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan: “Essa é uma publicação esperada no mundo inteiro. Esses dados todos serão publicados não em um, mas seguramente em mais de um trabalho, porque a quantidade de experiências que foram absorvidas aqui é numerosa”.

Os pesquisadores também compararam os dados de Serrana com os de 16 municípios da região, entre eles Brodowski, Jardinópolis e Cravinhos. “Vemos o reflexo de uma epidemia descontrolada na região. Em geral, a microrregião de Ribeirão Preto está sofrendo enormemente e isso não está acontecendo em Serrana”, ressaltou Palacios. O infectologista salientou que há um trânsito contínuo de pessoas entre as cidades, pois quase um quarto da população de Serrana tira o seu sustento de trabalhos em Ribeirão Preto. “Serrana é um lugar que está exposto constantemente a lugares onde o vírus está circulando de forma muito importante e, mesmo assim, tem a epidemia sob controle.”

Proteção contra a P1
A vacinação do Projeto S ainda coincidiu com a introdução na região da variante P1, predominante no país, e os resultados foram animadores. “Essa é uma reconfirmação de algo que já sabíamos, de que a vacina é efetiva em relação à variante P1”, disse Palacios. Amostras dos vírus foram sequenciadas pelo Hemocentro de Ribeirão Preto, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), que faz o monitoramento da região e, de acordo com o diretor do Butantan, não foi observado o surgimento de variantes novas locais.

Para o infectologista Esper Kallás, do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo, o apoio da população de Serrana, com a participação de mais de 95% do público-alvo na pesquisa, é extraordinário. “Alguns podem questionar se o que nós estamos vendo é somente uma onda [movimento natural de refluxo da pandemia] que está acontecendo em Serrana, mas olhar o seu entorno é testemunho de que o efeito da vacina é irrefutável. Isso mostra a eficácia e a segurança da vacina e o desempenho dela mediante as variantes”, disse, ao comentar os resultados do Projeto S. “É só dessa maneira que nós vamos conseguir enfrentar essa pandemia. Do contrário, vamos simplesmente claudicar nas ondas pandêmicas que virão.”

Projeto
Desenvolvimento de vacina contra a Covid-19 (n° 20/10127-1); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Políticas Públicas; Pesquisador responsável Dimas Tadeu Covas (Instituto Butantan); Investimento R$ 32.501.477,00.

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