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Inovação

Fabricante de automóveis encabeça o ranking nacional de patentes

Stellantis conquista o topo da lista, desbancando a Petrobras; instituições públicas de ensino e pesquisa são destaque do levantamento

Stellantis

Resultado da fusão ocorrida em 2021 entre a fabricante ítalo-americana de automóveis Fiat Chrysler Automobiles (FCA) e o conglomerado francês Grupo PSA, controlador das marcas Peugeot e Citroën, a Stellantis é a nova líder do ranking de depositantes de patentes de invenção no Brasil de 2024. A listagem, divulgada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) no fim de maio, apresenta os 50 primeiros colocados.

Com sede em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a fabricante com atuação global, cujo nome significa “iluminar com estrelas”, depositou 185 patentes no país no ano passado, mais do que o triplo de 2023 (58), quando ocupou a terceira posição (ver reportagem “INPI revela os campeões da inovação em 2023”). Com o salto, superou a Petrobras, que anotou 155 patentes e dominava o levantamento do INPI desde 2021.

A evolução da Stellantis nas estatísticas nacionais de propriedade intelectual coincide com a alta nos investimentos em inovação tecnológica da empresa no país. Em março, a montadora inaugurou o TechMobility – Centro Stellantis de Desenvolvimento de Produto & Mobilidade Híbrida-Flex, cujo objetivo é desenvolver soluções que favoreçam a descarbonização do setor automotivo. Cerca de 400 engenheiros foram contratados para trabalhar no complexo.

A multinacional também participa do programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover). Trata-se de uma iniciativa do governo federal que incentiva investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de inovações que promovam eficiência energética, redução das emissões de dióxido de carbono (CO2), economia de baixo carbono, reciclabilidade e tecnologias assistivas à direção.

“Com muito orgulho recebemos esse resultado, fruto de um intenso trabalho que conta [no Brasil] com a expertise de 2 mil engenheiros de desenvolvimento de produto, além de 60 laboratórios e centros de engenharia completos”, declarou o gerente de engenharia avançada da Stellantis, Toshizaemon Noce, em nota à imprensa. A empresa anunciou recentemente investimentos de R$ 32 bilhões até 2030 para o lançamento de 40 novos modelos de carro e de oito novos powertrains (motores). É o maior aporte no setor no continente, de acordo com a companhia. O foco será o desenvolvimento de tecnologias híbridas e elétricas, capazes de impulsionar a transição energética do setor.

Para a engenheira de produção Ana Lucia Vitale Torkomian, presidente do Fórum Nacional de Gestores de Inovação e Transferência de Tecnologia (Fortec), o ranking de 2024 revela um cenário consolidado, mas com movimentações importantes. Para ela, a ascensão da Stellantis é expressiva e simbólica. “O salto no número de depósitos de patentes nos últimos dois anos revela um esforço estratégico de fortalecimento da base tecnológica local, sobretudo por meio do polo automotivo de Betim”, ressalta Torkomian, que também é professora do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

“A política de P&D da multinacional combina visão global, inovação aberta, fortes investimentos regionais, sustentabilidade e integração com universidades e startups”, afirma. Para a pesquisadora, o alinhamento entre estratégia corporativa e atuação local deve ter contribuído para elevar a posição da empresa no ranking do INPI.

A força da academia
Depois de Stellantis e Petrobras, as universidades federais de Campina Grande (UFCG), da Paraíba (UFPB) e de Minas Gerais (UFMG), ocupam, respectivamente, o terceiro, o quarto e o quinto lugares. A instituição de ensino superior paulista mais bem posicionada é a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), na sexta colocação. A Universidade de São Paulo (USP) surge no 10º lugar (ver os 10 primeiros no infográfico abaixo) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp) figura no 33º.

Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP

Entidades de ensino e pesquisa, a maioria públicas, se destacam entre os 50 maiores depositantes residentes. Totalizam 34 organizações, quase 70% do Top 50. Empresas e instituições da cadeia produtiva automotiva, como o Instituto de Pesquisa Hercílio Rondon, sediado no Rio Grande do Sul, em 9º lugar, a companhia Robert Bosch (19º) e a multinacional CNH Industrial (29º) também se sobressaem no levantamento.

“A concentração do ranking de depósitos de pedidos de patentes em instituições acadêmicas é, a rigor, uma manifestação da precariedade do sistema de inovação no Brasil”, avalia o economista Marcelo Pinho, também da UFSCar. “Em países avançados, ocupam a liderança desses rankings empresas que dispõem de sólidas competências tecnológicas e realizam grandes esforços de P&D como parte de estratégias de inovação agressivas.”

A forte presença de universidades públicas no ranking, conforme Torkomian, reflete, por um lado, a capacidade de geração de conhecimento das instituições de ensino superior no Brasil e, por outro, a baixa intensidade tecnológica do setor produtivo nacional. “As empresas brasileiras, salvo honrosas exceções, ainda investem relativamente pouco em P&D. E o resultado aparece nos escassos pedidos de proteção da propriedade industrial, como revela o relatório do INPI”, afirma.

No Top 50, há dois inventores individuais, ambos associados às atividades de educação e ensino. O engenheiro metalúrgico Artur Camposo Pereira, da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), depositou 60 patentes em 2024 e ocupa o 7º lugar no ranking. Com 17 depósitos, a matemática Graziele Bombonato Delgado Valereto, aparece na 45ª posição.

Em termos regionais, organizações do Sudeste e do Sul se destacam no grupo dos 50 maiores depositantes, com 19 e 13 organizações, respectivamente. Em seguida vêm as instituições do Nordeste (11), todas universidades federais. As duas mais bem colocadas – UFCG, que em 2023 ocupou a vice-liderança, superada apenas pela Petrobras, e UFPB – somam 162 depósitos. Minas Gerais é o estado com o maior número de depositantes, com 10 organizações, sendo seis universidades federais, três empresas privadas (Stellantis, Vale e CNH Industrial) e uma pessoa física. Os mineiros lideram igualmente no número de patentes de invenção (508).

Residentes x não residentes
O relatório do INPI, além do depositante residente (estabelecido no país), apresenta também a lista dos maiores depositantes não residentes – nesse grupo, a pessoa física ou jurídica não está de forma permanente no Brasil. A relação é liderada por duas companhias de tecnologia, a norte-americana Qualcomm, especializada na fabricação de chips para smartphones, com 1.002 depósitos, e a chinesa Huawei, produtora de equipamentos eletrônicos (330). A britânica Nicoventures Trading (223), fornecedora de produtos de nicotina sem tabaco, completa o pódio.

“É importante destacar a desproporção entre os depósitos de residentes e não residentes, com números muito maiores dos últimos”, ressalta Pinho. As instituições não residentes somaram 19.322 depósitos no ano passado, número bem superior às 5.740 patentes solicitadas pelos residentes. No total, foram requeridos 25.062 depósitos de patentes no país em 2024, uma leve queda em relação ao ano anterior (25.367).

A maioria dos depositantes não residentes tem origem nos Estados Unidos (32%). Os chineses aparecem em segundo lugar, com 14%. Na Europa, destacam-se instituições sediadas na Alemanha (8%), França (6%) e Suíça (6%). Japão (8%) e Coreia do Sul (6%) também têm números expressivos.

“A quantidade muito maior de depósitos de patentes de não residentes preocupa”, diz Torkomian. “Esse dado reforça que a proteção da propriedade industrial no Brasil tem servido mais aos não residentes, como forma de garantir a exploração do mercado nacional, do que como indicador de geração de tecnologia endógena.” Para a pesquisadora da UFSCar, em países inovadores geralmente ocorre o oposto: a maior parte das patentes é gerada internamente e exportada via proteção internacional.

Além do levantamento sobre patentes de invenção, o documento do INPI traz os rankings de depositantes de marcas, desenhos industriais, modelos de utilidade e programas de computador. O relatório completo pode ser consultado no relatório aqui.

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