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Química

Método permite esmiuçar reações eletroquímicas complexas

Análise pode abrir caminho para novas pesquisas relacionadas ao aumento da eficiência e ao uso do etanol em motores elétricos

Catalisador de platina e ouro usado para promover reações eletroquímicas (esq.) e reator eletroquímico termostatizado (dir.)

Fotos: Hamilton Varela | Ilustrações: Freepik.com/Starline

Pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (IQSC-USP), sob coordenação do engenheiro químico Hamilton Varela, criaram um método que permite esquadrinhar reações químicas complexas, como a que garante aos sistemas vivos manter sua temperatura estável, independentemente das variações no ambiente externo. A nova metodologia, resultado de mais de uma década de pesquisa, poderá, no futuro, levar ao desenvolvimento de motores movidos por eletricidade gerada a partir do etanol. Nessa situação, os carros elétricos não precisariam de baterias. Bastaria abastecê-los com etanol, que, ao entrar na célula a combustível, passaria por uma reação eletroquímica que o converteria na eletricidade usada para o motor funcionar.

No trabalho, publicado na revista Catalysis Today, os pesquisadores descrevem as etapas intermediárias do processo de oxidação do ácido fórmico sobre platina. “Com o método que desenvolvemos, também conseguimos saber a velocidade de cada uma dessas reações e como elas interagem entre si ao longo do processo”, comenta Varela. “É a primeira vez que se consegue fazer isso em reações eletroquímicas.”

Há algum tempo, ele e seus colaboradores pesquisam o comportamento oscilatório de reações químicas muito estudadas por sua simplicidade e potencial de aplicação prática. Em meados de 2008, verificaram que a dinâmica de uma delas, a de oxidação de ácido fórmico, mimetizava de certa forma a homeostase, um complexo mecanismo bioquímico que mantém a temperatura corporal constante em organismos de sangue quente, como os mamíferos. Em um estudo publicado àquela época na revista Journal of Physical Chemistry A, o grupo descreveu um experimento no qual instalaram uma placa de platina de 5 milímetros quadrados em uma solução de ácido fórmico dentro de uma célula eletroquímica. Na reação, observaram que ela se ligava temporariamente à platina e, depois, liberava gás carbônico (CO2) ou monóxido de carbono (CO), que reveste o eletrodo de platina.

No entanto, ao contrário do que é típico em reações químicas, o processo não ficava mais rápido quando a temperatura subia. Isso porque, nessas condições, as etapas intermediárias da reação de oxidação do ácido fórmico com a platina interagiam de tal forma que a frequência das oscilações permanecia constante (ver Pesquisa FAPESP nº 165). É o que acontece na homeostase. “Mesmo quando a temperatura do ambiente varia dentro de uma certa faixa, a temperatura de alguns organismos se mantém estável, e isso se dá sem que haja alterações na frequência de ritmos biológicos, como os batimentos cardíacos”, explica Varela.

Mas, apesar de a oxidação do ácido fórmico ser uma reação muito simples, os pesquisadores ainda não sabiam explicar quais eram as reações intermediárias envolvidas. “As reações químicas não acontecem de forma direta, do estágio A para o B, mas respeitam uma sequência de reações menores”, esclarece. Mais de uma década de pesquisa depois, Varela e os doutorandos Alfredo Calderón-Cárdenas e Enrique Paredes-Salazar desenvolveram uma metodologia que lhes permite esmiuçar as etapas menores desse processo e entender como elas interagem, de modo a manter suas oscilações estáveis.

Em laboratório, eles usaram um reator para monitorar a oxidação de ácido fórmico dentro de uma célula eletroquímica e, com isso, produzir dados que quantificassem as substâncias que surgiam e desapareciam à medida que a reação ia acontecendo. Com base nessas informações, utilizaram o modelo desenvolvido para explicar os processos químicos em cada um dos estágios do processo. Em seguida, usaram esses modelos para alimentar simulações numéricas e as compararam com o experimento do primeiro estudo.

“Conseguimos identificar as principais etapas da oxidação do ácido fórmico”, diz Varela. “São sete no total, das quais três estão associadas ao aumento e quatro à diminuição da frequência oscilatória, em resposta ao aumento de temperatura.” Segundo Varela, os dois conjuntos de etapas se compensam, de modo a anular o efeito da temperatura externa, mantendo a frequência oscilatória constante, assim como acontece na homeostase.

“Identificamos um sistema simples que apresenta as mesmas características de um processo complexo como a homeostase”, afirma. “Agora, com o método que desenvolvemos, conseguimos saber quais são as etapas intermediárias envolvidas nesse processo, qual o papel de cada uma e como elas interagem entre si.”

O pesquisador pretende usar a metodologia para estudar as reações envolvidas na oxidação do etanol — cuja cadeia é mais complexa —, de modo a analisar a dinâmica de reação de cada etapa intermediária desse processo. O objetivo é identificar os gargalos que limitam o desempenho do combustível em células a combustível. O projeto se desenvolverá no âmbito do Centro de Pesquisa para Inovação em Gás (RCGI), financiado pela FAPESP em parceria com a petrolífera Shell. “Descobrindo isso, podemos pensar em modelos de catalisadores que acelerem as etapas mais lentas, melhorando o desempenho dos dispositivos para produção de eletricidade ou de hidrogênio a partir do etanol.” Mais adiante, de acordo com ele, aventa-se a possibilidade de criar mecanismos semelhantes capazes de converter o etanol em energia elétrica.

“O método desenvolvido pelo grupo de Varela é importante porque nos ajuda a entender os fundamentos de reações eletroquímicas complexas, permitindo-nos otimizá-las com outras técnicas em desenvolvimento”, destaca Julio Meneghini, professor da Escola Politécnica (Poli) da USP e diretor científico do RCGI. Segundo ele, esse tipo de engenharia teria o condão de pavimentar o caminho para inovações disruptivas em várias áreas, contribuindo para a descarbonização das sociedades e a mitigação das mudanças climáticas. “A metodologia desenvolvida pela equipe de Varela constitui uma parte importante de um esforço maior nesse sentido.”

Projetos
1. Eletrocatálise V: Processos eletrocatalíticos de interconversão entre as energias química e elétrica (nº 13/16930-7); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Edson Antonio Ticianelli (IQSC-USP); Investimento R$ 6.707.990,96.
2. Electrocatálise VI: aspectos fundamentais e aplicados em problemas emergentes e clássicos em conversão eletroquímica de energia (nº 19/22183-6); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Edson Antonio Ticianelli (IQSC-USP); Investimento R$ 3.835.612,91

Artigos científicos
CALDERÓN-CÁRDENAS, E. A. et al. Modeling the triple-path electro-oxidation of formic acid on platinum: Cyclic voltammetry and oscillations. Catalysis Today. v. 359, p. 90–8. 2021.
NAGAO, R. et al. Temperature (Over)compensation in an oscillatory surface reaction. Journal of Physical Chemistry. A. v. 112, p. 4617–24. 2008.
CALDERÓN-CÁRDENAS, E. A. et al. Thorough analysis of the effect of temperature on the electro-oxidation of formic acid. Journal of Physical Chemistry. C. v. 124, p. 24259−70. 2020.

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