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Artes

Modernismo à mostra

Exposição em São Paulo traz pela primeira vez centenas de objetos e documentos de autores como Mário de Andrade e Anita Malfatti

Macunaíma com correções de Mário de Andrade

Léo Ramos Chaves/Arquivo IEB-USP, Fundo Mário de Andrade, código de referência: MA-MMA-061-056-201

Mais de 300 obras e documentos, incluindo diários, cartas, manuscritos, fotos e pinturas de intelectuais que fizeram parte de iniciativas envolvendo o Modernismo brasileiro estão expostos na mostra Era uma vez o moderno (1910-1944), aberta ao público em 10 de dezembro em São Paulo. No marco do centenário da Semana de Arte Moderna, a ser completado em fevereiro do próximo ano, a iniciativa foi organizada por intermédio de parceria entre o Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP) e o Centro Cultural da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Fica em cartaz até maio no prédio da Fiesp.

A mostra, desenvolvida principalmente a partir do acervo do IEB, revela ao público documentos até então acessíveis somente a pesquisadores, caso de um diário da pintora Anita Malfatti (1889-1964), com relatos sobre os bastidores de suas exposições. Em um desses textos, ela conta que com pressa, a caminho de sua primeira exposição individual, organizada em 1914 no centro de São Paulo, decidiu comprar sapatos novos, mesmo sem tempo para prová-los. Os calçados ficaram pequenos e ela acabou por entrar descalça no salão, com o par de sapatos na mão.

Em 1917, em exposição individual organizada depois de a artista passar uma temporada nos Estados Unidos, um dos primeiros a aparecer foi o escritor Mário de Andrade (1893-1945), um autor então desconhecido. Era um dia de chuva e ele chegou encharcado, parou em frente às obras expostas e começou a gargalhar. No diário, Malfatti conta que olhou aquele homem de longe e pensou se tratar de um louco. Dias mais tarde, o escritor voltou à exposição e se apresentou como poeta, apontou para O homem amarelo e disse: “Esse quadro já é meu”. A obra, bem como O mamoeiro, produzido por Tarsila em 1925, está exposta na mostra, que inclui objetos, diários e fotos resultantes de viagens de Mário de Andrade à região amazônica e ao Norte e Nordeste do Brasil. Também pode ser vista carta de 1929 em que Mário de Andrade comunica à pintora Tarsila do Amaral (1886-1973) seu rompimento com o escritor Oswald de Andrade (1890-1954).

O historiador Luiz Armando Bagolin, do IEB e curador da exposição ao lado de Fabrício Reiner, da Biblioteca Mário de Andrade, explica que a mostra pretende evidenciar a dimensão humana dos intelectuais que participaram do debate em torno da possibilidade de se fazer uma arte moderna no Brasil, dentre eles Mário e Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, o poeta Manuel Bandeira (1886-1968), os pintores Cícero Dias (1907-2003), Ismael Nery (1900-1934) e Di Cavalcanti (1897-1976).

A exposição traz também livros que integraram a biblioteca pessoal do escritor, com suas margens repletas de anotações, além de inúmeras obras de arte que compunham sua coleção pessoal. Um desses livros é uma versão de 1944 de Macunaíma, publicada por Mário originalmente em 1928, com anotações que visavam à elaboração de edição futura. Ao folhear o trabalho, Bagolin encontrou um recorte de jornal de Manaus, também de 1944, que traz a notícia sobre a identificação das ossadas do etnólogo e explorador alemão Theodor Koch-Grünberg (1872-1924). O etnólogo viajou pela Amazônia e morreu em Roraima e a notícia recortada pelo modernista revela que seus despojos tinham sido encontrados em uma mala em uma delegacia de Manaus, 20 anos depois de sua morte. “Foi nos escritos de Koch-Grünberg que Mário viu, pela primeira vez, o nome Macunaíma”, afirma o historiador.

“Com a iniciativa, o IEB pretende propor reflexões sobre a Semana de Arte Moderna contextualizadas em um processo histórico que começou antes de 1922 e tem desdobramentos posteriores”, conta. Para desenvolver a proposta, Bagolin realizou pesquisa de um ano e meio no acervo do IEB, revisitando objetos e buscando documentos inéditos e desconhecidos. “Queremos compreender como os próprios modernistas enxergavam a história do movimento. Fontes originais mostram a existência de uma diversidade de posições e iniciativas que buscavam implementar uma arte e literatura modernas no país”, conclui o historiador.

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