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Física

Múons na arapuca

Protótipo de detector instalado na Suíça usa sistema de rastreamento projetado por brasileiros e registra partículas de origem cósmica

O protoDune visto por dentro

CERN

Em meados de setembro, partículas vindas do espaço começaram a atravessar um tanque em forma de cubo com 6 metros de altura, instalado na Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (Cern), na Suíça, e deixar rastros de luz que foram captados por detectores criados no Brasil. As partículas de origem cósmica são múons, que têm carga elétrica negativa, como os elétrons, mas massa mais elevada. Ao acionar os sensores nas paredes do imenso tanque, os múons colocaram em atividade o chamado protoDune, protótipo de equipamento bem maior que será instalado no interior de uma mina desativada nos Estados Unidos.

O físico italiano Ettore Segreto, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a física Ana Amélia Bergamini Machado, à época professora da Universidade Federal do ABC (UFABC) e atualmente na Unicamp, foram responsáveis pela instalação do sistema de detecção de luz do Cern e idealizaram os sensores que registraram a passagem dos múons. Conhecidos pelo nome de Arapuca, abreviação de Argon R&D Advanced Program UniCAmp, esses sensores captam a luz emitida pela interação dos múons com os átomos de argônio líquido que preenchem o protoDune. São pequenas caixas retangulares com paredes internas recobertas de um material altamente refletor. Ao todo, 32 foram instaladas no protoDune. “As arapucas nos alertaram sobre a presença de partículas no tanque e permitiram estimar a energia dessas partículas de forma mais precisa”, conta Segreto.

Ao passar pelo argônio líquido, mantido a 184 graus Celsius negativos, os múons provocam dois fenômenos distintos: arrancam elétrons (ionizam) dos átomos de argônio e emitem fótons (partículas de luz). Os fótons viajam mais rápido e acionam os sensores arapuca, anunciando a passagem dos múons. O caminho percorrido por eles, no entanto, é conhecido a partir da detecção dos elétrons, que, ao atravessarem sucessivas redes de fios, permitem reconstituir a trajetória das partículas que atingiram o tanque.

“A produção de luz é mais rápida do que a ionização, então a detecção da luz dispara o sistema que reconstrói a trajetória das partículas, além de ajudar a determinar sua energia ao interagir com o argônio”, explica Ernesto Kemp, físico da Unicamp que também participou da construção das arapucas instaladas no Cern. “Múons e elétrons, por exemplo, são muito parecidos e só é possível distinguir um do outro por sua energia.”

Entrevista: Ettore Segreto
     

“Em dezembro, deveremos ter os primeiros testes completos de funcionamento do protoDune e uma avaliação do desempenho das arapucas”, informa Segreto. O registro dos múons de origem cósmica é uma fase necessária para o aprimoramento desses detectores. Eles estão sendo projetados para integrar um equipamento bem maior: o Deep Underground Neutrino Experiment (Dune), do qual devem participar 175 instituições de 32 países, entre eles o Brasil.

Formado por quatro detectores com 12 metros de altura, por 14 metros de largura e 58 metros de comprimento, o Dune ficará a 1.500 metros de profundidade no interior de uma mina abandonada no estado de Dakota do Sul, nos Estados Unidos. Seus detectores serão usados para investigar um outro tipo de partícula – o neutrino –, emitida por um equipamento instalado no Fermi National Accelerator Laboratory (Fermilab), a 1.300 quilômetros de distância dali, nos arredores de Chicago, Illinois. Os neutrinos são considerados uma das partículas mais abundantes e misteriosas do Universo. Com carga elétrica neutra, eles quase não interagem com o restante da matéria, razão por que já foram chamados de partículas fantasma. Uma característica que se pretende investigar é se os neutrinos se comportam de modo diferente de suas antipartículas, os antineutrinos. Se encontrarem diferenças, talvez consigam entender por que existe mais matéria do que antimatéria no Cosmo. Imagina-se que o Big Bang, a explosão que teria originado o Universo, tenha produzido quantidades iguais de matéria e antimatéria, que, ao se encontrarem, se aniquilam. Por razões desconhecidas, em algum momento houve um desequilíbrio permitindo que a matéria prevalecesse e originasse átomos, estrelas e seres vivos. Os físicos brasileiros estimam que serão necessárias 30 mil arapucas para equipar os detectores do Dune.

Projeto
Programa de argônio líquido na Unicamp (nº 16/01106-5); Modalidade Jovem Pesquisador; Pesquisador responsável Ettore Segreto (Unicamp); Investimento R$ 3.713.113,59.

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