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Programa Genôma

Na mira, o cancro cítrico

O alarmante recrudescimento do cancro cítrico no Estado de São Paulo, que se expressa com força nos 349 focos da doença até agora confirmados e espalhados por toda a área de plantio da laranja, começa a ser contra-atacado, para além do controle emergencial em curso, com um projeto de pesquisa de grande porte que, a médio prazo, pode desarmar o problema em suas origens genéticas. É esse o objetivo último do Projeto Genoma-Xanthomonas, que a FAPESP está iniciando formalmente no mês de junho, dentro de seu Programa Genoma.

Com investimentos programados de US$ 5 milhões da FAPESP, mais US$ 500 mil do Fundo Paulista de Defesa da Citricultura – Fundecitrus, esse quarto projeto do Programa Genoma vai realizar o seqüenciamento genético da bactéria Xanthomonas axonopodis pv citri, dentro do mesmo esquema de rede de laboratórios utilizado pelos anteriores – ou seja, o projeto pioneiro, já praticamente concluído, de seqüenciamento da bactéria Xylella fastidiosa, causadora de uma outra doença das laranjeiras, a CVC ou praga do amarelinho, mais o Genoma Humano do Câncer e o Genoma Cana, que estão em fase inicial.

A lista dos laboratórios que vão participar do Genoma Xanthomonas deverá estar definida até 30 de julho. Para conseguir isso, a FAPESP disponibiliza em sua página na Internet, a partir de 2 de junho, o edital do projeto, com todas as instruções para que os grupos de pesquisa interessados possam se inscrever até o dia 2 de julho e participar do processo de seleção previsto. A expectativa é de que entrem no mais novo projeto de pesquisa genômica, em São Paulo, tanto grupos já ligados à Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos, ONSA – de Organization for Nucleotides Sequencing and Analysis, a rede virtual de laboratórios criada pela FAPESP, no final de 1997, para tocar o projeto da Xylella, e hoje responsável pelos projetos Genoma em andamento, quanto novos grupos.

O Projeto-Xanthomonas tem prazo de conclusão previsto para dentro de dois anos, mas poderá, na verdade, ser antecipado, graças ao know-how científico e tecnológico acumulado no trabalho com a Xylella – bactéria, aliás, muito parecida com a causadora do cancro cítrico. Além da decifração do código genético do microorganismo, o projeto, do mesmo modo que foi feito no caso da Xylella, vai abrir-se para um chamado Genoma Funcional, no momento em que se tiver resultados significativos do seqüenciamento. Isso quer dizer que, mais adiante, a FAPESP lança um novo braço do Genoma-Xanthomonas para acolher e financiar projetos de pesquisa que visem a análise das funções biológicas dos genes identificados e diretamente ligados à patogenicidadee virulência da bactéria, capazes de gerar informações fundamentais para o combate e aerradicação do cancro cítrico.

Inovação nas bibliotecas
Em certa medida, o Genoma-Xanthomonas já começou e é por isso que figura há algumas semanas na base de dados do TIGR – The Institute for Genoma Research, instituição dirigida pelo conhecido pesquisador norte-americano Craig Venter. Os dois laboratórios centrais do projeto já estão definidos: o dos professores Fernando Reinach, Ana Cláudia Rasera, Ronaldo Quaggio e Shaker Chuck Farah, no Instituto de Química da USP, e o Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular, do professor Jesus Aparecido Ferro, no Departamento de Tecnologia da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinária da Unesp de Jaboticabal. Está definido também que, na coordenação de informática, atuará o Laboratório de Bioinformática da Unicamp, dos professores João Meidanis e João Setúbal, o mesmo que já vem exercendo essa função nos projetos Genoma Xylella e Genoma-Cana.

Para fazer o seqüenciamento, os pesquisadores utilizarão o material contido em quatro bibliotecas de DNA, e esse é precisamente um dos pontos em que o projeto da Xanthomonas avança em relação ao da Xylella. “A estratégia agora é diferente, porque vamos tentar obter muito mais seqüências menores de clones ao acaso, para depois ancorar as seqüências maiores entre as ilhas que devem se formar, e assim completar o seqüenciamento da bactéria”, explica o professor Jesus Ferro. Dessa forma, espera-se que o problema dos gaps entre seqüências, que foi um grande desafio nas fases finais de seqüenciamento da Xylella, seja bastante reduzido.

A primeira biblioteca, a randômica (palavra que se refere exatamente a processo aleatório), já foi construída nos dois laboratórios centrais, com recursos remanescentes do projeto da Xylella. Ela foi elaborada a partir do DNA total da bactéria, isto é, o genômico e o plasmidial, que foi fragmentado ao acaso, em pedaços contendo de 2 mil a 4 mil pares de base (ou 2 a 4 quilobases, Kb), e clonados em seguida, constituindo os plasmídeos.

Devem ser feitas ainda uma biblioteca em bacteriófago, ou seja, um vírus de bactéria, o Fago lambda, contendo fragmentos clonados de até 20 Kb; uma biblioteca de cosmídeos, com fragmentos clonados que têm entre 35 e 40 Kb, e, por último, uma de BACs (Bacterial Artificial Chromosome), com fragmentos clonados de até 200 Kb. O último vetor não foi usado no projeto da X. fastidiosa.

Já foi feito, segundo o professor Jesus Ferro, o seqüenciamento de 1.000 clones da biblioteca randômica em Jaboticabal e São Paulo. Essas seqüências estão sendo comparadas com as do GenBank, dos Estados Unidos e com as do banco de dados da Xylella, para verificação de homologias. Ressalte-se que existem até o momento apenas 29 genes já conhecidos de Xanthomonas axonopodis pv citri. Afora a mudança estratégica que está articulada com a composição das bibliotecas, a outra inovação do Projeto Xanthomonas em relação ao da Xylella, será a tentativa de fazer seu seqüenciamento em larga escala, a um custo menor, compatível com o padrão internacional (US$ 1 por par de base), graças ao aumento de capacidade de processamento das máquinas já existentes.

Essa otimização operacional, em paralelo à competência técnica propiciada pelo trabalho com a Xylella, torna possível que o projeto da Xanthomonas tenha um custo previsto equivalente a quase um terço daquele, embora o microorganismo causador do cancro cítrico, com cerca de 5 milhões de pares de base e estimados 4 mil genes, tenha o dobro do tamanho do agente da praga do amarelinho.

Virulência espantosa
De certo modo será impossível falar nos próximos meses da Xanthomonas sem recorrer ao conhecimento já acumulado sobre a X. fastidiosa. Na verdade, as duas bactérias são muito semelhantes e essa foi a principal razão científica do novo projeto (a outra razão determinante é econômica, ou seja, a bactéria em questão é causadora de um problema de enorme relevância econômica para o país). A comparação entre os dois genomas, prevêem os pesquisadores envolvidos com o projeto, permitirá certamente avanços significativos no conhecimento de ambos.

Mas, além disso, o novo projeto tem uma relevância considerável do ponto de vista biológico, porque o gêneroXanthomonas infecta várias outras culturas, como a do feijão (X. a. pv phaseolis), a do arroz (X. a. pv oryzae) e a do maracujá (X. a. pv passiflora). “Todas as espécies são muito semelhantes, e o estudo de uma delas permitirá conhecer um pouco todas as outras”, diz o professor Jesus Ferro. O fato é que, em termos científicos, o Brasil está construindo uma situação singular no conhecimento genômico de fitopatógenos, e alçando-se a uma posição especial no campo do genoma de bactérias, a cuja pesquisa, por enquanto, só oito países vêm se dedicando. Entre eles, encontra-se o Japão, com quem o Brasil passa a estar em condições de igualdade nessa área, já que ambos contam com dois projetos.

“Depois do estudo de dois agentes causadores de importantes doenças da laranjeira, é natural que, em futuro próximo, o Programa Genoma parta para a pesquisa genômica da própria planta”, prevê o diretor científico da FAPESP, professor José Fernando Perez. Nada a estranhar, quando no programa já está em desenvolvimento a pesquisa genômica da cana-de-açucar, outra planta de decisiva importância econômica para o Estado de São Paulo.

Se a X. fastidiosa e aXanthomonas axonopodis pv citri são semelhantes, a virulência da segunda é, no entanto, muito maior. Isto porque a bactéria que a provoca é transmitida pelo ar, pelo saco de coleta, pelos engradados utilizados na colheita, pela roupa do trabalhador, pela roda do caminhão que transporta os frutos colhidos.

Bem controlado até 1997, o cancro cítrico explodiu a partir daí (ver box), no rastro do aparecimento da lagarta ou larva minadora na área de plantio. Essa larva do inseto Phyllocnistis citrella abre uma lesão na folha, principalmente, mas também nos ramos das vegetações novas e em frutos, e é essa lesão que serve de porta de entrada à Xanthomonas. A partir daí, ela vai fazendo seu caminho de minas (ou túneis) na laranjeira e em outros citros que atingir. Suspeita-se hoje que o Phyllocnistis citrella adulto carrega a bactéria e transmite o cancro – mas por enquanto isso é apenas uma suspeita.

Classificação dos focos – 1996 a 1999

Focos novos
PROPRIEDADES 1996 / 1997 / 1998 / 1999
Pomares Domésticos 17 / 80 / 151 / 137
Pomares Comerciais 14 / 51 / 119 / 129
SUBTOTAL 31 / 131 / 270 / 266

Recontaminações
PROPRIEDADES 1996 / 1997 / 1998 / 1999
Pomares Domésticos 0 / 18 / 42 / 10
Pomares Comerciais 14 / 41 / 145 / 73
SUBTOTAL 14 / 59 / 187 / 83
TOTAL 45 / 190 / 457 / 349

A nova explosão do cancro cítrico
Trabalhar num projeto de pesquisa ligado ao cancro cítrico é, para a FAPESP, uma espécie de reencontro com os primórdios de sua história. Em 1963, quando a Fundação mal completara um ano de funcionamento, a doença se alastrava e ameaçava dramaticamente a jovem agroindústria da laranja no Estado de São Paulo. E foi nesse momento que ela concedeu o primeiro auxílio para os estudos de controle do cancro, realizados no Instituto Biológico sob a direção da doutora Victoria Rosseti. Daí até 1985, sucederam-se os auxílios para projetos de pesquisa coordenados pela doutora Victoria (14), para publicações científicas, apresentação de trabalhos em reuniões internacionais, visitas a outros centros de pesquisa, publicações científicas e bolsas para pesquisadores. Os investimentos da FAPESP nesse campo totalizaram US$ 5 milhões.

Em 1985, considerava-se a doença praticamente erradicada, e a Campanha Nacional de Erradicação do Cancro Cítrico, lançada 11 anos antes, completamente vitoriosa. O Fundecitrus, criado para a defesa da citricultura, transformara-se numa instituição sólida e eficiente, e a doutora Rosseti era reconhecida como a excepcional especialista em doenças de citros, que desenvolvera um programa de trabalho fundamental para a erradicação e o controle do cancro, sem deixar de pesquisar outros males das laranjeiras. Mais: a citricultura transformara-se numa das principais atividade sócio-econômicas do Estado, e numa das muito importantes para a pauta de exportações brasileiras.

Mas, a natureza faz suas surpresas: o cancro começou a dar sinais de seu reaparecimento em 1994 e, em 1997, já não deixava dúvidas de que pretendia tirar o sono dos produtores. Em 1999, depois de ter produzido prejuízos de US$ 500 milhões no ano anterior, intensificou violentamente sua escalada: de 10 de janeiro até 23 de maio foram registrados pelo Fundecitrus 266 focos novos e 83 focos de recontaminação, em 77 municípios do Estado (veja gráfico). Para efeito de comparação, registre-se que nesse momento, nos Estados Unidos, há apenas 4 focos confirmados da doença e o governo já destinou uma verba de US$ 25 milhões para o controle do cancro.

O plano de combate, com varredura de cerca de 150 milhões de pés de laranja em São Paulo, sob o comando do Fundecitrus, já começou. O governo federal liberou no começo de abril R$ 5 milhões, de um total de R$ 17 milhões prometidos para este ano. O setor privado deverá gastar mais R$ 30 milhões. E a FAPESP volta a esse cenário no campo que lhe é próprio: financiando pesquisas que, talvez, possam transformar o cancro, dentro de alguns anos, num inimigo eliminado.

Os laboratórios do Genoma Câncer
Coordenador de DNA:
Andrew John George Simpson, Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer
Laboratórios Associados de Bioinformática:
1. Aline Maria da Silva, Bioquímica/Instituto de Química/USP
2. Antonio Carlos Cassola, Depto. Fisiologia e Biofísica, Inst.Ciências Biomédicas/USP
3. Igor Polikarpov, Grupo de Cristalografia de Proteína, Lab. Nacional Luz Síncrotron, CNPq/LNLS
4. Jesus Aparecido Ferro, Fac. Ciências Agrárias Veterinárias Jaboticabal/UNESP
5. João Carlos Setúbal, Instituto de Computação/UNICAMP
6. Milton Faria Júnior, Departamento de Química, Física e Matemática /Unaerp
7. Nancy Amaral Rebouças, Instituto de Ciências Biomédicas/USP
8. Richard Charles Garratt, Departamento de Física e Informática, São Carlos/USP
9. Roy Edward Larson, Dept. Bioquímica – Fac. Medicina Ribeirão Preto/USP

Laboratórios Centrais e Laboratórios de Seqüenciamento:
Centro de Seqüenciamento 1 – Instituto de Química/USP
Coordenador: Sérgio Verjovski Almeida
Laboratórios de seqüenciamento ligados a este centro:
Arthur Gruber – Patologia, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia/USP
Edna Teruko Kimura – Histologia e Embriologia, Instituto de Ciências Biomédicas/USP
Hamza Fahmi Ali El Dorry – Bioquímica, Instituto de Química/USP
Mari Cleide Sogayar – Bioquímica, Instituto de Química/USP

Centro de Seqüenciamento 2 – Esc.Paulista de Medicina/UNIFESP
Coordenador: Marcelo Ribeiro da Silva Briones
Laboratórios de seqüenciamento ligados a este centro:
Ismael Dale Cotrim G.Silva – Biologia Molecular/Ginecologia/UNIFESP
João Bosco Pesquero – Biofisica/UNIFESP
Luís Eduardo Coelho Andrade – Medicina/UNIFESP
Rui Monteiro de Barros Maciel – Endocrinologia Molecular/Medicina/UNIFESP

Centro de Seqüenciamento 3 – Faculdade de Ciências Médicas/UNICAMP
Coordenador: Fernando Ferreira Costa
Laboratórios de seqüenciamento ligados a este centro centro:
Christine Hackel – Genética Médica/Faculdade de Ciências Médicas/UNICAMP
Gonçalo Amarante Guimarães Pereira – Genética/Instituto de Biologia/UNICAMP
Helaine Carrer – ESALQ/USP
Maria de Fátima Sonati – Patologia Clínica/UNICAMP

Centro de Seqüenciamento 4 – Faculdade de Medicina/USP
Coordenador: Maria Aparecida Nagai
Laboratórios de seqüenciamento ligados a este centro:
Angelita Habr Gama – Gastroenterologia/FMUSP
Daniel Giannella Neto – Endocrinologia/FMUSP
Elizabeth A.L.Martins – Biotecnologia/ Instituto Butantan/SSSP
Suely Kazue Nagahashi Marie – Neurologia/FMUSP

Centro de Seqüenciamento 5 – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP
Coordenador: Marco Antonio Zago
Laboratórios de seqüenciamento ligados a este centro:
Enilza Maria Espreafico – Morfologia/FMRP/USP
Gustavo H. Goldman – Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCFRP)/USP
Maria Luisa Paco-Larson – Morfologia/FMRP/USP
Vanderlei Rodrigues – Parasitologia/FMRP/USP

Centro de Seqüenciamento do Estado – Inst. Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer
Coordenador: Andrew J.G. Simpson
Laboratórios Centrais do Estado:
Eloiza Helena Tajara da Silva – IBILCE/UNESP
Maria Inês de Moura Campos Pardini – Hemocentro/ Faculdade de Medicina de Botucatu/UNESP
Marina Pasetto Nóbrega – Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento, IPED/UNIVAP
Sandro Roberto Valentini – Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara/UNESP
Silvia Regina Rogatto – Genética/Instituto de Biociências de Botucatu/UNESP

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