A ex-deputada venezuelana María Corina Machado, principal voz da oposição aos governos de Hugo Chávez (1954-2013) e Nicolás Maduro, foi laureada hoje (10/10) pelo Comitê Norueguês do Nobel com o Prêmio Nobel da Paz. Aos 58 anos, Machado vive na Venezuela.
O comitê destacou seu “trabalho incansável promovendo os direitos democráticos do povo da Venezuela e sua luta por uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia”. O texto oficial da entrega do prêmio afirmou que o país passou de “relativamente próspero e democrático a um Estado brutal e autoritário”, que hoje está em crise econômica e humanitária. O seu mérito, segundo o comitê, foi ser uma figura unificadora da oposição na exigência de eleições livres, em um tempo em que “a democracia está sob ameaça”.
“Dada a importância simbólica do Nobel da Paz, a vitória de Machado indica não somente a preocupação de setores da comunidade internacional com relação à Venezuela, mas também o desejo de chamar a atenção do mundo para a necessidade de se realizar uma transição política no país sul-americano”, observa o cientista político Guilherme Casarões, professor da Universidade Internacional da Flórida (FIU), nos Estados Unidos.
Flavia Loss, professora de relações internacionais do Instituto Mauá de Tecnologia, em São Paulo, tem interpretação convergente. “É um recado que o Ocidente, na forma da nação europeia da Noruega, manda para a Venezuela: não aceitamos o regime chavista e estamos fortalecendo sua opositora.”
Engenheira industrial de formação, Machado elegeu-se deputada em 2011, tendo o mandato cassado em 2014 por ter participado de uma sessão da Organização dos Estados Americanos (OEA). Em 2002 ela havia fundado a organização Súmate (“some-se”, em espanhol), para fazer oposição ao governo de Chávez. Naquele mesmo ano, apoiou a breve deposição do presidente. Em 2012 foi uma das criadoras do partido Vente, pelo qual pretendia concorrer à Presidência em 2024. Uma decisão judicial, porém, a deixou inelegível por 15 anos.
No pleito do ano passado, o candidato apoiado por Machado, Edmundo González Urrutia, foi declarado derrotado. Obteve 44,2% dos votos, diante de 51,2% de Maduro, de acordo com dados oficiais. A comunidade internacional, incluindo o governo brasileiro, exigiu que a Venezuela apresentasse as atas das eleições para acatar o resultado, o que nunca aconteceu. O atual é o terceiro mandato consecutivo de Maduro. Ele assumiu o governo em 2013, com a morte de Chávez, que havia sido eleito pela primeira vez em 1998.
Desde as últimas eleições, as relações entre Brasil e Venezuela têm estado tensas. O governo brasileiro foi duramente criticado pelo líder venezuelano por ter barrado a entrada do vizinho latino-americano no Brics, bloco que reúne Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e mais alguns países do chamado Sul global. Mas em janeiro, na posse de Maduro, o Brasil enviou um representante diplomático.
Casarões considera a venezuelana uma figura controversa. “Ela é frequentemente associada à direita radical. Envolveu-se com tentativas de derrubada do governo, promoveu a radicalização política, defendeu sanções duras e até mesmo intervenção americana no país”, afirma o pesquisador, que coordena o Observatório da Extrema Direita (OED). Nas redes sociais, Machado dedicou o prêmio ao “povo sofredor da Venezuela e ao presidente [dos Estados Unidos, Donald] Trump, por seu apoio decisivo à nossa causa”.
Para Loss, a decisão de dar o Nobel da Paz a Machado é polêmica. “Não é uma novidade que o Nobel da Paz seja politizado”, destaca. “Ele é concedido pelo governo da Noruega, e o Parlamento norueguês aponta as pessoas que vão decidir quem são os ganhadores. Há, portanto, um viés da própria política desse país europeu.”
Casarões avalia que premiar Machado acaba ajudando indiretamente o governo americano. “Num momento em que Trump aumenta a pressão sobre Maduro, inclusive com ameaças militares, o trabalho de María Corina Machado pode ajudar o presidente americano a conseguir apoio internacional para uma eventual mudança de regime no país.”
Relações com o Brasil
María Corina Machado participou em fevereiro deste ano de um webinar promovido pela Fundação Fernando Henrique Cardoso, em que disse que a última vez que saiu da Venezuela foi há 11 anos. Na ocasião, se declarou muito agradecida ao apoio que recebe no Brasil.
“Hoje aqui em terras venezuelanas se está lutando não só pelo futuro de nossa democracia, como da democracia de toda a região, e a estabilidade política deste hemisfério. Não é uma luta de esquerda ou de direita. Trata-se da vigência das leis e dos princípios elementares de uma República e das instituições democráticas”, afirmou durante o evento.
Na introdução do webinar, Celso Lafer, presidente da Fundação FHC e professor emérito do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), exaltou a atuação de Machado. “Sua liderança na condução da oposição democrática é não só indiscutível, mas merecedora da maior admiração”, destacou Lafer, que foi ministro das Relações Exteriores e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio durante os governos FHC (1995-2003) e presidente da FAPESP (2007 a 2015).
No vídeo divulgado hoje pelo Instituto Nobel, ao ser comunicada do prêmio, María Corina Machado se mostrou otimista. “Ainda não chegamos lá, mas tenho certeza de que venceremos”, disse ao diretor do instituto, Kristian Berg Harpviken, afirmando também que não era uma conquista individual, mas sim coletiva, do povo venezuelano.
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