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Pandemia

O impasse da volta às aulas

Retorno em fevereiro pode aumentar transmissão do coronavírus; adiamento ampliaria perda de aprendizagem e evasão escolar

A volta às aulas no dia 2 de fevereiro pode aumentar o risco de transmissão do coronavírus entre as crianças e suas famílias

Léo Ramos Chaves

Desde o início da pandemia nunca foram tão altos os números de internações por Covid-19 no Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). O total passou de três ou quatro crianças com comorbidades e não vacinadas ao mesmo tempo em 2020 e 2021 para 12 na segunda-feira (17/1) e 18 na quinta-feira (20/1) – o equivalente a 11% dos 160 leitos. Nenhuma morte foi registrada até agora neste ano.

No estado de São Paulo, de acordo com a Secretaria de Estado da Saúde (SES), o número de crianças e adolescentes (com idade até 18 anos) em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) passou de 106 em 15 de novembro de 2021 para 171 em 17 de janeiro.

“A variante ômicron do novo coronavírus está contaminando rapidamente nossas crianças”, comentou o secretário de Saúde de São Paulo, Jean Gorinchteyn, em uma entrevista coletiva realizada no dia 19 de janeiro. Segundo ele, a situação torna urgente a vacinação de crianças e adolescentes. No dia 14, começou a imunização de crianças de 5 a 11 anos com comorbidades e deficiências, indígenas e quilombolas. Se o plano da SES se concretizar, todas crianças e adolescentes devem estar vacinados até o início de março.

A despeito do crescimento no número de internações, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Seduc) determinou o reinício das aulas no dia 2 de fevereiro de todos os 2 milhões de alunos do ensino fundamental nas redes pública e privada. O comparecimento já era obrigatório desde novembro de 2021, e assim continua.

Divulgação Governo do Estado de São Paulo Um caminhão sai do centro de distribuição de São Paulo em 20 de janeiro de 2022 com um carregamento de CoronaVac para crianças de 5 a 11 anosDivulgação Governo do Estado de São Paulo

De acordo com um comunicado da Seduc, “as aulas presenciais seguem todos os protocolos de segurança, como uso de álcool em gel e máscaras, aferição de temperatura e higienização constante dos ambientes e das mãos, identificação e afastamento dos casos e seus contactantes, conforme orientação da Comissão Médica da Educação, ratificada pelo Comitê Científico de Saúde do Estado”.

A vacinação de crianças em idade escolar é incentivada, mas não obrigatória, e as escolas deverão exigir a apresentação das carteiras de vacinação no fim do primeiro bimestre, devendo comunicar ao Conselho Tutelar se isso não for feito, de acordo com a Seduc.

Ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI), Carla Domingues concordou com a volta às aulas mesmo sem as crianças estarem completamente vacinadas: “Os pais têm que cobrar da escola o distanciamento das carteiras, que elas [as crianças] tenham condições de higienizar as  mãos, que não deixem de usar máscaras e que haja recreios em horários diferentes para turmas”, disse ela em um debate on-line no dia 20 de janeiro.

Em julho de 2021, o médico sanitarista e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) Gonzalo Vecina Neto argumentou que a decisão de volta às aulas deveria ser descentralizada, tomada em conjunto entre os diretores das escolas, professores e pais, “de acordo com as condições de segurança”, como se faz em países mais desenvolvidos. Nessa época e agora, porém, a decisão foi centralizada pela Seduc, válida para todas as escolas do estado de São Paulo.

Léo Ramos Chaves As crianças, mesmo depois de vacinadas, devem manter as outras medidas de segurança contra o coronavírusLéo Ramos Chaves

“As crianças deveriam voltar às aulas já vacinadas para evitar o aparecimento de doentes, que implicaria a interrupção das aulas em toda a sala”, comenta a pediatra Magda Carneiro-Soares, vice-presidente do Conselho Diretor do Instituto da Criança e do Adolescente. Segundo ela, a vacinação de crianças deveria ter sido antecipada, começado em dezembro e concluída em janeiro. “Para complicar, temos um surto de influenza, que chegou três meses mais cedo que o habitual e está atingindo as crianças.”

Mesmo com a ômicron se espalhando, o fechamento das escolas, como no início da pandemia, deve ser evitado sempre que possível, declarou a diretora-executiva do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Henrietta Fore, em dezembro de 2021: “As evidências são claras: fechamentos prolongados de abrangência nacional, recursos limitados para estudantes, professores e pais e falta de acesso ao aprendizado a distância aniquilaram décadas de progresso na educação e tornaram a infância irreconhecível”.

O fechamento das escolas causou perdas de aprendizado “quase irrecuperáveis”, reduziu o acesso a uma fonte regular de nutrição (merenda escolar) e aumentou tanto as taxas de depressão e ansiedade entre as crianças quanto o risco de evasão escolar, destacou um relatório conjunto do Banco Mundial, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e do Unicef distribuído no domingo, 23 de janeiro. De acordo com esse estudo, em todo o Brasil, 1 em cada 10 alunos de 10 a 15 anos relatou que não planeja voltar às aulas assim que suas escolas reabrirem.

Em junho de 2021, um estudo do Instituto Unibanco e do Insper já havia alertado que estudantes do ensino médio da rede estadual de todo o país iniciaram o ano letivo de 2021 com defasagens em língua portuguesa e matemática maiores do que o esperado na escala do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), caso as aulas presenciais não tivessem sido suspensas por causa da pandemia.

Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil A vacinação de crianças de 5 a 11 anos começou dia 14 de janeiro e deve terminar em marçoFabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

“Ao voltarem às aulas em fevereiro, as crianças estarão pelo menos um pouco protegidas com a primeira dose da vacina”, afirma a biomédica Tatiana Lang D’Agostini, diretora do Centro de Vigilância Epidemiológica da SES. A vacinação, ela ressalta, protege contra o desenvolvimento de doença grave e morte, não contra a infecção. Para minimizar uma alta nos contágios a partir do ambiente escolar, será necessário manter os cuidados determinados em 2021.

No dia 20 de janeiro, com base em testes feitos com crianças a partir dos 3 anos na China e dos 6 anos no Chile, a Anvisa aprovou o uso pediátrico da CoronaVac, produzida pela empresa chinesa Sinovac e embalada pelo Instituto Butantan, que deve acelerar a vacinação de crianças e adolescentes. Ela foi aprovada para idades entre 6 e 17 anos. Em São Paulo, a vacina da Pfizer está reservada para crianças de 5 anos e as imunocomprometidas.

“Podemos vacinar todas as crianças do estado em um tempo muito curto”, comenta D’Agostini. O intervalo em São Paulo entre as duas doses é de 28 dias para a CoronaVac. Diante da eventual resistência dos pais, ela ressalta que as duas vacinas aprovadas – a da Pfizer e a CoronaVac – são eficazes e seguras, sem efeitos adversos graves associados à vacinação.

Desde o início da pandemia, a SES registrou 93 óbitos de crianças no estado. Somadas aos adolescentes, foram 203 casos de síndrome inflamatória multissistêmica pós-Covid, uma condição que pode acarretar sequelas neurológicas no longo prazo, no estado, e 1.434 no país de abril de 2020 a dezembro de 2021, de acordo com o boletim epidemiológico do governo paulista. “As crianças são suscetíveis e não tiveram acesso à vacina até agora, os adultos precisam protegê-las e não deixar de vaciná-las”, afirma D’Agostini.

De acordo com as projeções do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), da Universidade de Washington, Estados Unidos, a pandemia deve continuar se expandindo no Brasil nas próximas semanas. Até o início de fevereiro, o número diário de mortes de adultos e crianças pode ultrapassar muito as 320 registradas em 21 de janeiro.

Livro
The state of the global education crisis: A path to recovery. Washington D.C., Paris, New York: Banco Mundial, Unesco e Unicef, 2021.

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