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Resenhas

Os engenhos e os holandeses

O bagaço da cana | Evaldo Cabral de Mello | Companhia das Letras, 216 páginas, R$ 23,00

O recém-lançado livro do historiador Evaldo Cabral de Mello, O bagaço da cana – Os engenhos de açúcar no Brasil holandês, é um tesouro para os pesquisadores que se dedicam a investigar a produção açucareira e todos os desdobramentos que a envolviam na configuração econômica e política do Nordeste colonial seiscentista.

A cana-de-açúcar foi cultivada na península Ibérica desde a época da conquista dos mouros, ocorrida a partir da expansão árabe do século VII. O autor indica em outro estudo que até mesmo a palavra açúcar deriva etimologicamente do árabe al-succar, que tem origem no sânscrito sarkara, ou seja, semelhante à areia branca. Desde Chipre e Creta até o norte da África, o cultivo da cana foi introduzido nessas localidades a partir do século XIV. Por volta de 1440, a região da Madeira foi o ponto de partida para a expansão do cultivo da cana e da produção de açúcar no mundo atlântico, servindo como modelo para os Açores, Cabo Verde, São Tomé e Brasil. Nas primeiras décadas do século XVI, Antuérpia, Amsterdã e Lisboa tinham fortes relações econômicas envolvendo o açúcar pernambucano, as quais, devido à grande demanda, suscitaram muitos investimentos de judeus portugueses e de negociantes dos próprios Países Baixos, levando a que diversos fatores dessa conjuntura histórica, aliada à união das coroas ibéricas, culminassem na invasão holandesa em Pernambuco.

A partir deste contexto, Evaldo Cabral tem como foco o período da dominação batava em Pernambuco, e dividiu o livro em seis capítulos. O primeiro, As fontes, apresenta o diversificado corpus documental consultado pelo autor: denunciações e confissões inquisitoriais, fontes de índole administrativa, listagens de engenhos, crônicas e relatórios sobre o Brasil holandês. O segundo capítulo, Antes dos holandeses, indica as conjunturas históricas e as características dos engenhos anteriores ao período neerlandês em Pernambuco. Os três capítulos seguintes, Os desastres da guerra, Euforias nassovianas e O grande calote, tratam do período holandês e das várias fases e transformações nas características dos engenhos e de sua produção desde o governo de Maurício de Nassau em 1637 até a fase final da Restauração pernambucana de 1654 e seus desdobramentos.

Outro destaque é o debate sobre a natureza da própria insurreição contra os batavos. Esta chegou a ser pensada como “uma empresa desesperada de relapsos devedores luso-brasileiros, ansiosos por se libertarem das dívidas”. Mas parte da documentação demonstrou que muitos devedores não se mostraram totalmente favoráveis à insurreição. No último capítulo, Os engenhos de açúcar no Brasil holandês, é apresentado um levantamento cronológico, histórico e descritivo detalhado sobre os engenhos.

Para cada engenho há um mapeamento de informações que auxilia a visualização de paisagens históricas e dados econômicos, bem como de suas transformações no tempo. Este capítulo também apresenta particularidades que nos aproximam de vários microcosmos, com questões familiares e tramas políticas que permitem a compreensão de processos históricos mais complexos como aqueles que envolviam as relações entre senhores de engenho, holandeses e a administração lusa.

Na verdade, ao trazer informações que constituíram uma das bases para a vasta produção deste historiador pernambucano sobre a história do Nordeste colonial, o livro apresenta notáveis exercícios de investigação e compilação de Evaldo Cabral para organizar e dar sentido a informações de origem tão diversa. Enfim, podemos dizer que O bagaço da cana oferece ainda muito “caldo” sobre este fascinante tema que é o dos engenhos de açúcar coloniais do Nordeste e a dominação holandesa, tendo em vista os seus significados na estruturação da América portuguesa no século XVII.

Milena Fernandes Maranho é pesquisadora-colaboradora do IFCH/Unicamp e autora da tese O moinho e o engenho – São Paulo e Pernambuco em diferentes contextos e atribuições no império colonial português, 1580 – 1720 (USP, 2006).

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