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Resenha

Personagens e processos da história

Nem céu nem inferno: Ensaios para uma visão renovada da história | Jorge Caldeira | Três Estrelas | 328 páginas | R$ 45,00

Resenha_Nem céuEduardo CesarAo ler o livro Nem céu nem inferno, de Jorge Caldeira, o leitor descobrirá um novo olhar sobre a história do Brasil. Em linguagem clara e por meio de uma escrita fluida, o autor apresenta uma interpretação sobre diversos episódios e personagens da história do país que destoa dos livros mais convencionais de história, ainda presos ao imperativo cronológico. Doutor em ciência política, jornalista e escritor de livros sobre personagens históricos, a opção de Caldeira foi por um formato pouco usual aos escritos de história. O leitor será conduzido pelas mais de 300 páginas do livro, que, como o próprio subtítulo diz, é “uma visão renovada da história do Brasil”.

Não somente devido ao conteúdo, isto é, às temáticas que foram elegidas pelo autor, mas, fundamentalmente, por conta do próprio formato de escrita adotado é que o livro adquire relevância dentre os novos estudos de história sobre a trajetória do Brasil como Estado e Nação. Mediante o levantamento de boas evidências históricas, o conjunto de ensaios é uma revelação acerca do caminho percorrido por figuras históricas do Brasil, como José Bonifácio e Visconde de Mauá, e de temas que são caros a todos que se aventuram na difícil tarefa de interpretar nossa singularidade, ou seja, aquilo que nos define como brasileiros.

Esse esforço assumido por Caldeira demanda graus de liberdade ao ato de escrever que o autor foi buscar na forma ensaística, pois, como disse certa vez o filósofo T. W. Adorno, o ensaio não admite que seu âmbito de competência lhe seja prescrito. Garanto que o leitor deste livro não terá a desconfiança que, às vezes, nos acomete quando estamos diante de um texto ensaístico. Divididos em dois grandes blocos, os textos coligidos no volume demonstram a obstinação do autor em aprofundar o conhecimento sobre o conceito “Brasil” em toda sua complexidade. Se, num primeiro momento, na parte 1 do livro, Caldeira se dedica a narrar a atuação de figuras de relevo da nossa história, desde a época do Brasil Colônia até o alvorecer do regime republicano, no segundo instante o propósito passa a ser esmiuçar processos históricos mais amplos amparados por nossas instituições políticas, econômicas e religiosas.

Processos e fenômenos dos mais variados, como o descobrimento do Brasil, o carnaval, o futebol, os poderes imperial, parlamentar e militar, a catequese dos jesuítas, a formação do Estado nacional, o sufrágio universal e o empreendedorismo são acionados por Caldeira de modo extremamente inventivo, visando sempre reinterpretar a nossa história e, assim, incidir novas luzes sobre o sentido da especificidade brasileira. Até teorias econômicas do valor são instrumentalizadas nesse sentido.

Dentre os ensaios que mais me chamaram a atenção estão os que versam sobre a tradição democrática do período colonial no Brasil, sobre o primeiro fundidor do país (Clemente Álvares) e o capítulo que encerra o livro, a respeito da ausência de dados estatísticos sobre o Brasil no aclamado livro de Thomas Piketty, O capital no século XXI. Há um outro ensaio que merece uma menção especial, “Diogo Antônio Feijó e a sociedade justa”. Qualquer semelhança com o quadro político do Brasil atual não é mera coincidência, uma vez que o que Caldeira parece querer nos mostrar, com sua narrativa sobre a trajetória e o pioneirismo de personalidades como Feijó, é um novo ethos brasileiro, o descortinar da nossa cultura, a gênese da nossa formação institucional e de alguns dos nossos principais obstáculos como sociedade e país jovem recém-emancipado.

Como o próprio Caldeira observa na introdução do livro, os ensaios que o integram são o resultado de anos de reflexões sobre a história brasileira, que agora os interessados têm a oportunidade de conhecer uma versão interpretativa arejada e avessa a visões binárias adornadas por pretextos ideológicos que escondem juízos morais, postura tão comum nos dias de hoje e que está presente no debate público nacional sobre os desígnios do país. Nem ficção nem historiografia, nem cientificidade nem superficialidade, nem micro nem macro-história, Nem céu nem inferno é um livro sensato e equilibrado para quem está à procura de um olhar verdadeiramente renovado sobre história do Brasil.

Guilherme Grandi é professor do Departamento de Economia da FEA-USP e do Programa de Pós-graduação em História Econômica.

 

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