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BOAS PRÁTICAS

Pesquisadores discutem meios de recompensar melhor quem compartilha dados

Segundo editorial da Nature, a publicação de artigos e a oferta de registros de pesquisa deveriam ter peso semelhante em processos de avaliação

Bettmann / getty images

Um editorial da revista Nature publicado em abril apontou uma contradição nas políticas de governos e agências de fomento envolvendo a avaliação acadêmica e o estímulo ao compartilhamento de dados de pesquisa. Um cientista que disponibilize livremente informações de seus estudos, como é a orientação disseminada atualmente, pode ser menos reconhecido ou recompensado do que um outro que opte por restringir o acesso a registros primários de seus experimentos.

A revista menciona um caso concreto que ela própria difundiu. Trata-se de um estudo publicado em 6 de abril descrevendo gráficos de padrões do desenvolvimento do cérebro, semelhantes àqueles que registram o peso e a altura das pessoas ao longo da vida. Liderado por neurocientistas das universidades de Cambridge, no Reino Unido, e da Filadélfia, nos Estados Unidos, o artigo utilizou registros de cerca de 120 mil exames de ressonância magnética vinculados a mais de uma centena de estudos de grupos diversos. Parte desses dados era de acesso restrito, sob a alegação de que era preciso proteger a privacidade de pacientes. Foi necessário celebrar acordos para obtê-los e analisá-los.

A contradição é evidenciada nos créditos desse artigo. Alguns dos cientistas que eram proprietários de dados reservados e aceitaram cedê-los assinam entre os mais de 200 coautores do paper. Já aqueles que ofereciam seus dados sem limitações aparecem apenas nos agradecimentos. É certo que só devem assinar artigos científicos pesquisadores que tenham feito contribuições substanciais para a concepção ou realização da pesquisa – outros tipos de colaboração devem constar na lista de agradecimentos.

Na opinião dos editores da Nature, a publicação de artigos e o compartilhamento de registros deveriam ter peso semelhante em processos de avaliação, contratação e promoção de pesquisadores, a fim de que essa prática seja estimulada. “Universidades, grupos de pesquisa, agências de financiamento e editores de periódicos devem, juntos, começar a considerar como podem reconhecer melhor os dados abertos em seus sistemas de avaliação”, propõe o editorial.

Um artigo publicado em janeiro na revista Journal of Medical Internet Research por pesquisadores das universidades de Leuven e de Gent, na Bélgica, também evidenciou essa insatisfação de pesquisadores que franqueiam seus dados. Foram entrevistados 17 epidemiologistas que utilizam repositórios financiados pela União Europeia. Eles relataram uma falta de padrão na atribuição de autoria de artigos. Em alguns casos, assinaram o artigo apenas por fornecerem seus dados. Em outros, foram creditados nos agradecimentos, com o argumento de que a relação de autores já era muito extensa.

Entrevista: Luane Sales
00:00 / 19:57

Nos últimos 10 anos, agências de fomento à pesquisa de diversos países, como Estados Unidos, Austrália e também os europeus, passaram a exigir que os projetos financiados por elas tivessem planos de gerenciamento de dados, de modo a garantir que seguissem os padrões conhecidos pela sigla em inglês Fair (localizáveis, acessíveis, interoperáveis ​​e reutilizáveis por colegas). Em outubro de 2017, a FAPESP passou a exigir que os pesquisadores anexassem aos seus pedidos de financiamento um plano de gestão de dados científicos, desde a coleta até a plataforma onde eles seriam disponibilizados (ver Pesquisa FAPESP nº 260). Esses planos permitem que as informações possam ser reaproveitadas e mais facilmente confirmadas.

O compartilhamento vem crescendo, mas de forma desigual. A cientista de dados norte-americana Carol Tenopir, da Universidade do Tennessee, em Knoxville, realizou na última década três levantamentos sobre o assunto com mais de 2 mil cientistas de vários países. Constatou que 96% dos especialistas em meio ambiente e ecologia entrevistados se dispunham a fornecer informações de pesquisa, enquanto psicólogos e pedagogos exibiam interesse muito menor. A disposição, porém, nem sempre resultava em ações. Menos da metade dos pesquisadores depositava seus dados em repositórios. Entre os temores mencionados, destacavam-se o de que colegas aproveitassem os registros antes que os proprietários pudessem analisá-los de forma aprofundada ou de que a divulgação infringisse a legislação. Há uma série de situações em que esses dados precisam ficar protegidos, como aquelas que envolvem a privacidade dos sujeitos da pesquisa, interesses comerciais legítimos ou riscos à segurança e saúde públicas. Mesmo em algumas dessas situações, porém, eles podem ser parcialmente divulgados. Em muitos casos, a privacidade de sujeitos de pesquisa, por exemplo, pode ser preservada pela exclusão de indicações capazes de levar à sua identificação.

A preocupação em recompensar o esforço dos cientistas pela transparência não é propriamente uma novidade. Ela foi destacada na 6ª Conferência Mundial de Integridade Científica, realizada em Hong Kong em 2019. Na declaração lançada ao final do encontro, uma das recomendações foi a de recompensar melhor quem adota práticas da chamada ciência aberta, que promovem a transparência na pesquisa e o trabalho em colaboração. Várias instituições se movem nessa direção. A Universidade de Glasgow, na Escócia, estabeleceu critérios de avaliação que não se limitam a indicadores como citações de artigos e prêmios conquistados. Seus docentes precisam declarar quais esforços fizeram para garantir a disseminação de dados seguindo os princípios da ciência aberta. A Universidade de Tecnologia de Delft, nos Países Baixos, criou uma galeria em seu site com as fotografias e perfis de 70 “campeões de dados”, entre professores, estagiários de pós-doutorado, estudantes e técnicos que gerenciam informações de pesquisa de forma aberta e disseminam orientações sobre a prática para colegas.

O biólogo molecular Barend Mons, do Centro Médico da Universidade de Leiden, nos Países Baixos, que é conselheiro de programas científicos da União Europeia, alerta que as responsabilidades sobre o compartilhamento estão muito concentradas em indivíduos e precisam ser assumidas pelas instituições em que eles trabalham. Mons recomenda que as universidades contratem um especialista em curadoria de dados para cada grupo de 20 pesquisadores. “O maior erro que as instituições podem cometer é tentar treinar todo jovem cientista para ser um administrador de dados improvisado”, disse à Nature.

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