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Embalagem

Poupando recursos

Quanto, realmente, de recursos naturais consome um produto para chegar ao consumidor? Ou, talvez mais importante, qual o impacto na natureza da fabricação e descarte daquela parte que às vezes é tão ignorada, a embalagem? Não é coisa que se despreze. Mesmo os produtos classificados apenas como ecologicamente corretos, ou seja, que podem ser reciclados ou não poluem os rios, estão com os dias contados. As novas normas que surgem no comércio internacional exigem muito mais que isso, o controle do impacto ambiental de cada etapa da produção. Já há sinais firmes de que essa é uma tendência do futuro. Os países da Comunidade Européia, por exemplo, só compram polpa de papel de países que comprovadamente usam comedidamente os recursos naturais. Os exportadores brasileiros já passaram nesse teste.

Agora, é a vez dos fabricantes brasileiros de embalagens. Seu principal instrumento é um estudo que está nos estágios finais, conduzido por especialistas do Centro de Tecnologia de Embalagem (Cetea) do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), de Campinas. A pesquisa, que deve ficar pronta em outubro deste ano, vai indicar medidas estratégicas a serem tomadas para reduzir o impacto ambiental da fabricação de embalagens de plástico, vidro, madeira, alumínio e papel.

Chamado Análise do Ciclo de Vida de Embalagens para o Mercado Brasileiro, o trabalho, iniciado há dois anos, teve financiamento de R$ 231 mil da FAPESP e de R$ 425 mil de um convênio de associações e empresas fabricantes de embalagens, representadas pela Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa Agropecuária (Fundepag), e se desenvolve no âmbito do Programa de Parceria em Inovação Tecnológica (PITE), da FAPESP.

É a primeira vez que o setor de embalagens realiza um estudo tão abrangente. Ele segue, inclusive, um método de diagnóstico e de planejamento de produtos com reconhecimento mundial, a Análise do Ciclo de Vida (ACV). “Estamos mudando a avaliação subjetiva ou orientada apenas para um ponto do processo de produção de embalagens, para uma visão mais ampla e consistente do ponto de vista ambiental”, diz o engenheiro de alimentos Luis Fernando Ceribelli Madi, coordenador do Cetea e responsável pela pesquisa.

Os efeitos são claros. A partir do estudo do Cetea, as empresas brasileiras de embalagens poderão reivindicar os certificados da série ISO 14000, que reconhecem os esforços feitos pelos fabricantes para reduzir, continuamente, o impacto ambiental de seus processos. Os responsáveis por esses certificados adotam desde 1992 o método ACV como critério de avaliação. Nos próximos anos, sublinha a gerente de embalagens plásticas e meio ambiente do Cetea, a engenheira de alimentos Eloísa Garcia, a exigência desse certificado pode transformar-se numa barreira não tarifária no mercado internacional: poderão circular livremente entre os países apenas produtos que respeitem normas mínimas quanto ao uso de recursos naturais.

Eletricidade
As conclusões preliminares formam um retrato dos pontos positivos e negativos das embalagens brasileiras. Já está claro, por exemplo, que a situação em relação à energia elétrica, um dos principais insumos industriais, é a princípio confortável. No Brasil, predomina a energia gerada por usinas hidrelétricas, de baixo impacto ambiental se comparadas às termelétricas, mais comuns na Europa, que consomem recursos naturais não renováveis, como óleo diesel, carvão ou gás natural. Para amenizar as objeções dos grupos ecologistas internacionais que questionam as áreas alagadas pelos reservatórios das hidrelétricas, os pesquisadores do Cetea adicionaram uma variável nesta análise: o uso da terra.

“O impacto de uma hidrelétrica sobre uma terra urbana, já transformada, é menor que o causado em uma área de floresta”, diz a engenheira Eloísa. Mesmo assim, as termelétricas ainda são mais agressivas à natureza do que as hidrelétricas. “Não há tecnologia inteiramente limpa”, observa Fernando von Zuben, diretor de meio ambiente da Tetra Pak, uma das duas empresas participantes do projeto (a outra é a Companhia Siderúrgia Nacional, de Volta Redonda). “Todo processo industrial gera impacto ambiental, maior ou menor”, diz ele.

No caso do transporte, que aparece diversas vezes durante a fabricação e a distribuição das embalagens, a situação não é tão tranqüila. Enquanto as empresas da Europa utilizam principalmente o transporte ferroviário ou aquático, as brasileiras se apóiam quase inteiramente no transporte rodoviário. Do ponto de vista ambiental, é uma desvantagem. Comparados com trens ou navios, os caminhões consomem mais óleo diesel, derivado do petróleo, um bem natural cada vez mais escasso, e emitem mais gases, como o monóxido e o dióxido de carbono.

Sete etapas
A equipe do Cetea analisou o impacto ambiental da produção de energia, do sistema de transportes e de um terceiro item, o geren-ciamento de resíduos sólidos e tóxicos, ao longo da história de cada embalagem. A trajetória é dividida em sete etapas: a extração da matéria-prima, a fabricação do material da embalagem, a fabricação da própria embalagem, o uso industrial da embalagem, a distribuição, a reciclagem ou a reutilização e o descarte, quando o material é definitivamente eliminado. A visão de conjunto desfaz alguns mitos. Etapas que se repetem, a exemplo do consumo de água ou de óleo diesel, são mais importantes para a avaliação ambiental do que um item isolado, como a decomposição de materiais, restrita ao capítulo sobre gerenciamento de resíduos.

É o caso das garrafas plásticas de polietileno tereftalato (PET), usadas em refrigerantes. Com elas, se reaproveitadas, podem ser feitos fios, tecidos, tapetes ou novas garrafas. “Quando não são reutilizadas, as garrafas são enviadas para aterros e lixões e se mantêm inertes, sem risco de contaminação de lençóis freáticos, soloou ar”, diz Eloísa. “Elas apenas ficam lá.” A amostragem do estudo cobriu 20 sistemas de embalagens de plástico, vidro, alumínio, madeira e papel, formados pelas próprias embalagens e seus acessórios, como chegam aos consumidores.

Caixas de leite e de sucos de frutas e as latas e garrafas de cervejas e refrigerantes são apresentadas nos supermercados em caixas com 6, 12 ou 24 unidades, envolvidas em papelão ondulado e, às vezes, com filmes plásticos de polietileno. Maçãs chegam ao varejo em caixas de papelão, raramente à vista dos compradores. Madi e sua equipe estudaram também embalagens utilizadas em indústrias e na construção civil, como os sacos de 50 kg, feitos de papel kraft, usados em embalagens de cimento.

Centenas de visitas
Todo o trabalho realizado pelos sete pesquisadores da equipe é externo. Eles visitaram e entrevistaram funcionários de cerca de 500 empresas. No caso do cimento, pesquisas em cinco fábricas de papel kraft levaram a quatro fabricantes de sacos e a 11 empresas de cimento, usuárias dos sacos. O estudo das embalagens de maçã levou a 11 fábricas de papel capa, 15 de papel miolo, 17 de papelão ondulado, mais 17 de caixas de papelão ondulado e a 20 centrais de distribuição de produtos hortifrutigranjeiros.

O número de empresas varia de acordo com o tipo de material e de embalagem, mas o desafio é o mesmo: descobrir o consumo de materiais, energia e água, a emissão de gases e a produção de resíduos. Cada tipo de embalagem terá uma análise própria, mas não se pretende chegar a uma pontuação final, que classifique os produtos. Para a equipe do Cetea, comparações são indesejáveis. “Entre uma embalagem de alumínio e outra de plástico, não há uma melhor e outra pior”, diz a engenheira Eloísa. Se uma consome bauxita, lembra, a outra usa petróleo. “Todas devem buscar melhorias contínuas”, afirma.

O grupo de pesquisa precisou coletar todas as informações, pois estatísticas de outros países, neste caso, pouco adiantariam para formar um modelo brasileiro. Mas, no campo conceitual, não faltou apoio internacional. O Cetea contou com a consultoria do Pira, um instituto inglês especializado em Análise de Ciclo de Vida, do qual adquiriu o programa Pira Environmental Management System (PEMS), para medir o impacto ambiental a partir das informações coletadas das empresas brasileiras.

Referências importantes para o desenvolvimento do trabalho vieram também da Society of Environmental Toxicology and Chemistry (Setac), a qual, na década de 80, definiu a metodologia para Análise de Ciclo de Vida. Cumprindo uma recomendação internacional, os resultados apurados são supervisionados por um grupo externo de especialistas, o chamado critical review, formado por um brasileiro, um alemão e um americano.

As informações coletadas e checadas com base nesses critérios poderão ser adotadas ou detalhadas pelas próprias indústrias. “Analisando o ciclo de vida, cada empresa vai conhecer e encontrar os pontos em que pode melhorar a qualidade dos seus produtos”, comenta Ernesto Ronchini Lima, assessor técnico de meio ambiente da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), uma das entidades que patrocinaram a pesquisa. As implicações podem ser ainda maiores. Segundo von Zuben, da Tetra Pak, esse trabalho permitirá não só mapear as necessidades das indústrias como também rever o planejamento estratégico nacional, enfatizando-se, por exemplo, o uso mais intenso de ferrovias.

Decisões em grupo

O estudo sobre o ciclo de vida das embalagens tem um modelo próprio de organização e de planejamento das atividades. Cinco representantes das associações de empresas (de vidro, alumínio, embalagens de PET, papelão ondulado e celulose e papel), dois das indústrias participantes (Tetra Pak e CSN) e a equipe do Cetea do Ital formam o Comitê Diretor, que se reúne a cada dois meses para avaliar ou redirecionar o trabalho.

Esses encontros são fundamentais para a pesquisa. Num deles, logo no início do estudo, há dois anos, cada setor escolheu os tipos específicos de embalagens a serem analisadas. Mais tarde, a adoção do grupo de consultores internacionais, o Critical Review, que não constava do planejamento inicial, também passou pela análise do grupo.

“O Comitê Diretor é uma forma de manter o grupo coeso e de facilitar a coleta de informações, que é a maior dificuldade da análise de ciclo de vida das embalagens”, explica Madi, o coordenador da pesquisa. Segundo o engenheiro do Ital, o Comitê pode intervir nos rumos do trabalho, mas não tem o direito de opinar no delineamento do estudo ou na metodologia adotada pelos pesquisadores. Os participantes do Comitê recebem um relatório dos trabalhos a cada dois meses.

No final da pesquisa, devem receber o relatório geral e cada um, separadamente, os setoriais específicos. Cada empresa participante, ao longo do trabalho, também será informada sobre sua contribuição no impacto ambiental da produção de embalagens a que estiver relacionada. “Como este trabalho envolve empresas e setores concorrentes, nunca deixaremos aparecer no conjunto informações individualizadas”, diz Madi.

Perfil
Luis Fernando Ceribelli Madi é graduado em engenharia de alimentos pela Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com mestrado na Escola de Embalagens da Universidade do Estado de Michigan, nos Estados Unidos. É coordenador do Centro de Tecnologia de Embalagem (Cetea) do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), onde trabalha desde 1972.

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