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Química

Reação luminosa em análise clínica

Novas técnicas permitem exames laboratoriais mais baratos e eficientes

Dois pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveram uma tecnologia inédita no Brasil para diagnósticos clínicos baseados na utilização de reações que emitem luz e permitem mensurar o nível de várias enzimas de interesse laboratorial. A presença e a quantidade dessas enzimas determinam a existência de uma doença relacionada a elas. Nas novas técnicas, as enzimas crescem e provocam reações químicas em substâncias orgânicas, chamadas de substratos, o ponto central do estudo das equipes dos professores Luiz Henrique Catalani, do Instituto de Química, e Ana Campa, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas.

Na pesquisa, foi possível sintetizar os substratos utilizando matéria-prima mais simples e mais barata do que os produtos importados disponíveis no mercado. Ana destaca também que o objetivo é criar substratos menos tóxicos para os profissionais da área de análises clínicas e para o descarte nos efluentes, além de serem mais práticos, sensíveis e estáveis. Segundo Catalani, esses substratos são moléculas que possuem uma estrutura principal fixa e uma parte variável, em função do tipo de enzima que atuará sobre eles. “A ação da enzima sobre o substrato dispara uma série de reações que culminam na produção de luz.”

A emissão total de luz do sistema não é visível pelo olho humano. Ela é medida por um equipamento chamado luminômetro. O resultado fica visível num gráfico onde a intensidade de luz emitida é comparada com uma curva-padrão, permitindo obter informações sobre a quantidade de enzima presente, por exemplo, na porção de sangue analisada. A enzima atua como um marcador propositadamente conectado a um anticorpo, em um processo chamado de enzimaimunoensaio (EIA), que pode indicar a presença de uma doença.

Enzima da pancreatite
A ação enzimática pode ser verificada num exame de fluido corporal – soro sanguíneo ou qualquer outro – para a identificação da atividade de uma enzima que indica a ocorrência de uma doença. Um exemplo é a pancreatite, que gera um aumento no nível da enzima lipase no sangue. “Esse aumento pode ser detectado se for utilizado um substrato que possa ser reconhecido pela lipase”, diz Catalani. Quando tem uma dúvida sobre qualquer patologia do pâncreas, o médico costuma pedir um exame de lipase pancreática.

“Talvez apenas um laboratório de São Paulo faça esse exame como base no novo procedimento. A maior parte usa o que chamam de marcadores secundários – outras enzimas que marcam a patologia.” Para isso, fazem o ensaio a partir de uma mistura de óleo de oliva e de água. Quando a lipase é adicionada a essa mistura ocorre uma diferença na turbidez que pode determinar a atividade da lipase no soro. “Nosso processo é muito mais sensível e mais preciso.”

Além dos radioisótopos
Outro uso da tecnologia com enzimas em análises clínicas é a substituição dos radioisótopos como marcadores para verificar a presença no organismo de um antígeno – vírus ou bactéria, por exemplo. Nos radioimunoensaios (RIA), em uso desde os anos 50, anticorpos são previamente produzidos, isolados e marcados com um elemento radioativo. Durante o ensaio, eles ligam-se ao antígeno formando um complexo que é separado do meio de análise.

Segundo Catalani, essa técnica tem perdido terreno gradativamente nos últimos 20 anos para o uso dos enzimaimunoensaios. “Houve um avanço grande durante muito tempo dos radioimunoensaios, inclusive com a facilitação do trabalho. Porém, essa técnica é muito cara, por vários aspectos, como a produção e descarte do radioisótopo, o uso de aparato especial de segurança para o laboratório, normas trabalhistas a serem observadas, entre outros fatores.”

O pesquisador exemplifica essa mudança com o trabalho da equipe em relação à enzima ALP (fosfatase alcalina), que hidrolisa (reage com a água) fosfatos: “A parte do substrato variável é um fosfato, que teve sua estrutura alterada de forma que a enzima passe a reconhecer o substrato. Podemos agora desenvolver uma metodologia que, em vez de radioisótopo, use um substrato simples, barato e eficiente para quantificar a ação da enzima num imunoensaio com medida de quimiluminescência. Esse tipo de tecnologia tem varrido os radioimunoensaios do mercado”, afirma Catalani.

Marcar anticorpos
Ana explica que a terceira utilidade das técnicas desenvolvidas pelo grupo é a marcação de anticorpos por enzimas em diversos procedimentos. Nas técnicas de identificação de proteínas e fragmentos de DNA e RNA, que são preparados em um gel (polímero orgânico) de eletroforese, a revelação é uma etapa crucial. Apesar dos inconvenientes, essa revelação tem sido feita com radioisótopos: “Como alternativa a essa técnica, pode-se utilizar enzimas como marcadores e a conseqüente emissão de luz para avaliação dos resultados”.

Catalani e Ana desenvolvem outros trabalhos com Luiz Marcos da Fonseca e Iguatemy Lourenço Brunetti, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara, e Roberto Passetto Falcão, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, que tem uma coleção de células de leucemia para pesquisas. Num dos trabalhos, constatou-se que um substrato desenvolvido pelo grupo tem possibilidade de ser usado na classificação de alguns tipos de leucemia.

Na identificação dessas doenças, num primeiro momento o laboratorista analisa o formato das células brancas do sangue e, a seguir, são feitos testes das características e ações químicas dessas células. Para alguns tipos, a enzima esterase passa a ser um marcador importante. De acordo com Ana, um dos substratos criados pela equipe permite uma diferenciação de atividade da esterase em monócito (tipo de célula branca) em relação a outros tipos de células. “Com base nisso, estamos propondo um método para classificação de alguns tipos de leucemia.”

Sem patentes
O trabalho que revelou a possibilidade de identificação de tipos de leucemia já foi publicado, bem como outros sobre enzimas marcadoras de doenças, o que impossibilita o patenteamento dos processos. Catalani lamenta: “Durante algum tempo, tentamos obter condições de patenteá-los, mas na época ainda não havia o Núcleo de Patentes e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Além disso, tínhamos de apresentar os resultados do projeto”. Contudo, o grupo tem em andamento outras linhas de pesquisa, passíveis de patentes. São a continuação do desenvolvimento de novos substratos que vão servir a novos tipos de exames clínicos.

O Projeto
Biotecnologia Clínica: Desenvolvimento de Sistemas Quimiluminiscentes Disparados por Enzimas e sua Aplicação em Diagnóstico Clínico (nº 97/04957-3); Modalidade Linha regular de auxílio à pesquisa; Coordenador Luiz Henrique Catalani; Investimentos R$ 79.596,66 e US$ 81.340,00

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