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São Paulo em números

Pesquisa feita pela Fundação Seade gera poderoso banco de dados sobre a atividade econômica paulista

O setor industrial paulista ainda responde por um valor adicionado – valor bruto da produção menos custos e despesas diretamente relacionados à atividade produtiva – perto de 4 vezes superior ao gerado no setor comercial do Estado. Dos dois, é ainda a indústria que emprega o maior número de pessoas, embora o setor comercial concentre a grande maioria das empresas. Mais: a maioria das empresas industriais e comerciais é de pequeno porte.

No caso das primeiras, surpreendentes 90,8% possuem até 100 empregados, o que as classifica como pequenas; entre as empresas comerciais, o índice é ainda maior: 99,7% estão naquela faixa. Em contrapartida, são as indústrias de grande porte que empregam o maior número de trabalhadores, enquanto no comércio dá-se exatamente o oposto: são as menores as que mais ocupam mão-de-obra.

Sobre a Região Metropolitana de São Paulo, uma outra revelação. Apesar da anunciada desconcentração da atividade econômica nos últimos anos, com a saída de empresas da Grande São Paulo para outras regiões do Estado, a Região Metropolitana ainda concentra 57% das unidades industriais e igual percentual dos trabalhadores desse setor e 40,5% dos estabelecimentos comerciais, com seus 50,5% de pessoal ocupado. E a concentração é ainda maior em se tratando de segmentos com tecnologia moderna, como o de serviços de informática: 78,7% das unidades desses serviços estão localizados na Região Metropolitana de São Paulo e 85,6% do pessoal ocupado.

Em oposição, as regiões mais distantes da Região Metropolitana de São Paulo são as que apresentam menor concentração de empresas e grau menor de atividade econômica e de incorporação de tecnologia. Numa posição intermediária, estão as regiões de Sorocaba, Campinas, São José dos Campos e Santos, que formam o entorno na Região Metropolitana de São Paulo e cuja industrialização a ela está integrada.

Todas essas informações foram obtidas pelaPesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep , um amplo estudo realizado pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), e que teve o apoio da FAPESP, na forma de ump rojeto temático, e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Realizada ao longo de quatro anos (consulte o quadro Metodologia inovadora ), a Paep abre um leque de recursos praticamente ilimitados onde antes havia uma escassez de números, ao construir um conjunto de indicadores que possibilita acompanhar os processos de reestruturação produtiva nas diversas regiões do estado. Seu banco de dados, consubstanciado em um CD-ROM acessível a qualquer interessado, permite mais de mil variáveis. “O usuário pode montar a tabela que quiser”, informa Luiz Henrique Proença Soares, diretor adjunto de Produção de Dados da Fundação Seade e coordenador da pesquisa.

Carência de dados
Ligada à Secretaria Estadual de Economia e Planejamento, a Fundação Seade produz e analisa informações no âmbito do Estado de São Paulo. Sempre se debateu com a falta de dados abrangentes confiáveis. “A produção de estatísticas esteve ancorada, no Brasil, nas últimas décadas, à realização de censos econômicos qüinqüenais pelo IBGE. Esse trabalho, contudo, parou em 1985. O próprio censo demográfico de 1990 foi adiado para o ano seguinte”, assinala Proença Soares. Não havia, portanto, parâmetros para medir a atividade econômica, a partir de pesquisas de fôlego.

Não havia nada sistematizado nem mesmo sobre o impacto do processo de abertura da economia brasileira que levou as empresas a serem pautadas pela lógica da globalização. A Seade, através de sua Pesquisa de Emprego e Desemprego , domiciliar, só percebia mudanças no panorama do mercado de trabalho, com aumento nas taxas de desemprego e precarização das relações de trabalho. Faltava, entretanto, o lado das empresas, em princípio em plena ebulição, introduzindo novos procedimentos tecnológicos e formas de gestão e vivenciando transformações no seu próprio controle de capital. Nada se sabia, também, sobre a dinâmica regional do Estado de São Paulo.

A Paep trouxe luz a essas questões. O investimento global na pesquisa foi de R$ 5 milhões. A FAPESP desembolsou R$ 1,1 milhão, além de participar ativamente da elaboração da metodologia do trabalho, desenhada a partir de 1992. A Finep colaborou com US$ 500 mil. O trabalho, ao longo de todas as etapas, teve mais de 600 colaboradores, a maioria envolvida nos trabalhos de campo. Os dados têm como ano-base 1996, considerado ano de ouro do Real. Interessante, portanto, como ponto de referência, já que o objetivo da Seade é inaugurar uma série histórica, com levantamentos de quatro em quatro anos. Este primeiro foi concluído em dezembro de 1998. O próximo deve sair em 2002.

Indústria e comércio
A pesquisa, por amostragem, estima que a economia paulista apresentava em 1996 um universo com 41,4 mil empresas industriais co mais de cinco pessoas ocupadas e 359,3 mil comerciais – ambos os segmentos empregando, cada um, cerca de 2 milhões de pessoas. Na indústria, a ocupação se concentra nas empresas de grande porte. Aquelas com 1.000 funcionários ou mais empregam 26,5% da mão-de-obra industrial, ao contrário do que acontece no comércio, onde 76,1% da mão-de-obra está em pequenas lojas, de até 29 funcionários (observe tabela As que mais empregam).

Na estrutura industrial paulista, indica a Paep, “prevalecem altos graus de concentração do valor de produção nas grandes empresas dos principais gêneros, que basicamente conformaram a matriz do desenvolvimento paulista nos anos 60 e 70”. Ao mesmo tempo, a pesquisa constatou o aumento do já alto grau de heterogeneidade estrutural desse parque industrial, em grande parte decorrente do “esforço inovador associado às imposições ditadas pela competição advinda, em grande medida, da abertura comercial pós-1990”.

Outra constatação foi a de que a estrutura industrial paulista “apresenta-se ainda mais complexa e diversificada, com atividades distribuídas em praticamente todos os gêneros da indústria de transformação”. Dentre eles, destacam-se, por valor adicionado produzido e capacidade empregatícia, os setores químico, de alimentos e bebidas, montagem de veículos automotores, máquinas e equipamentos, e edição, impressão e reprodução de gravações. Somados, representam “55,3% do valor adicionado, 41,6% do pessoal ocupado e 30,2% das empresas”.

Quanto à modernização, foi observado “alto desempenho das unidades intensivas em tecnologia” em todos os setores industriais, exceto nos tradicionais, como couro e calçados e vestuário. Para estabelecer o grau de incorporação de inovação tecnológica, foram consideradas informações sobre uso de técnicas de gestão da qualidade e produtividade e uso de equipamentos de automação industrial, de manufatura ou de processo.

“As unidades inovadoras chegam a concentrar mais de dois terços do valor agregado do segmento a que pertencem”, destaca Proença Soares, ressalvando que os setores com alto índice inovador não necessariamente são os de maior peso na estrutura econômica do Estado. Equipamentos de informática, por exemplo, último colocado na participação do valor adicionado, é campeão quanto à modernização de suas unidades: 63,8% das unidades são inovadoras, 76,6% usam algum tipo de técnica de produtividade e qualidade, 30,5% trabalham com automação da manufatura e 26,0% têm automação de processo.

Em contrapartida, o setor de alimentos e bebidas, o que emprega maior contingente de mão-de-obra e que concentra a segunda taxa mais elevada de valor adicionado, apresenta, de acordo com a pesquisa, “uma das menores taxas de participação no número de plantas inovadoras (19,3%), usuárias de novas técnicas de produção (44,4%) e de equipamentos de automação industrial (9,2% das unidades do setor empregam algum tipo de automação na manufatura e 7% utilizam equipamentos de automação de processo)”. As unidades inovadoras desse segmento, contudo, respondem por mais de 50% do valor adicionado pelo setor.

“O processo de abertura comercial, em um período de valorização cambial, levou as empresas a adotarem estratégias de reestruturação no sentido de se tornarem mais eficientes e enfrentar a crescente competição”, constatou a pesquisa. A estratégia mais adotada – tanto em relação ao número de empresas quanto ao valor adicionado – “foi a utilização de novos métodos de organização do trabalho” (adotado por empresas que representam nada menos do que aproximadamente 90% do valor adicionado na indústria). “Tal estratégia pode ajudar a explicar o aumento das taxas de desemprego no período”, concluíram os pesquisadores.

No caso da estrutura do setor comercial paulista, a Paep revelou que o segmento varejista emprega 72,3% do pessoal ocupado do comércio estadual. Em contrapartida, o setor atacadista foi responsável, em 1996, por 28,5% do valor adicionado do comércio estadual, o varejo concentrou 57% e o segmento de veículos, peças e combustíveis foi responsável pelos 14,2% restantes. Quanto à modernização, foi constatada a ocorrência de um intenso processo de automação comercial, explicada pelos pesquisadores como decorrência da estabilidade monetária e da abertura comercial do país, que deslocou o vetor da lucratividade das empresas da esfera financeira para a operacional.

Assim, em 1996, 11% do universo de 409 mil estabelecimentos comerciais em São Paulo já contavam com algum grau de automação (sistema de digitação de código numérico, sistema de leitura ótica, ou automação no processo de controle e reposição de estoques).

Controle e capital
A Pesquisa da Atividade Econômica Paulista traz ainda informações sobre o comércio exterior das empresas – participação das exportações nas vendas das empresas e peso das importações, como a compra de insumos e matérias-primas, nos seus custos – e sobre a reestrutura patrimonial das empresas.No comércio, apenas 1,5% de suas vendas (em receita líquida) se destinam ao exterior e são feitas por empresas atacadistas. Na indústria, as exportações representam 10,3% da receita e as importações, 18,7% da compra de insumos e matérias-primas. Há informações ainda sobre os segmentos nos quais as exportações têm maior participação na receita líquida e sobre os que as importações têm maior peso na compra de insumos e matérias-primas.

Quanto à estrutura patrimonial das empresas, a pesquisa traz dados importantes sobre as formas de controle das empresas – independentes, pertencentes a grupo de pessoa física ou pertencentes a grupo de pessoa jurídica – e sobre a origem do capital controlador, com os dados evidenciando o avanço da internacionalização da indústria paulista, embora de maneira bastante diversa por segmentos e subcategorias da atividade.

No total, embora ainda sendo poucas (2,2% do número geral de empresas), os empreendimentos com controle de capital estrangeiro respondem por 37% da receita líquida total e do valor adicionado gerado no Estado. Por segmento, entretanto, as empresas com capital estrangeiro “são majoritárias entre as indústrias químicas (55,6% da receita líquida), de material eletrônico e de comunicação (53,2% da receita líquida) e automobilística (73,9% da receita líquida)”.

Uma outra constatação da Paep: “Entre os ramos industriais, nos quais a participação das empresas com capital estrangeiro é também muito expressiva, encontram-se alguns dos mais competitivos e/ou mais exigentes em densidade tecnológica, tais como equipamentos de ótica e precisão, material elétrico, de transporte, e máquinas e equipamentos, inclusive os de informática”. Há presença significativa de empresas com controladores estrangeiros também no subsetor de alimentos: 34,5%. Em oposição, as empresas exclusivamente nacionais dominam os segmentos mais tradicionais – como couro, vestuário, têxtil e produtos de metal – e aqueles que tiveram decisiva presença ou apoio estatal, como indústria extrativa, refino de petróleo e álcool, metalurgia básica e fabricação.

No setor comercial de médio e grande portes, a participação de controladores estrangeiros é menos significativa, tanto em número de empresas quanto no percentual de receita e valor agregado gerado, e se concentra na atividade de atacado e, em segundo lugar, de varejo não especializado.

Referência
Essas informações são uma pequena parcela do todo que a Paep permite observar. Disponível em formato de CD-ROM, a pesquisa pode ser ainda mais abrangente. Cruzamentos além dos previstos nesse produto básico podem ser feitos com a participação de técnicos da Seade, mediante consulta. Há, porém, um limite. Ele se situa exatamente na fronteira que resguarda informações individuais das cerca de 23 mil empresas que devolveramos extensos questionáriosconsiderados válidos, de uma base amostral final com 27 mil, retorno comparável ao que se pode obter em qualquer país desenvolvido.

“É praticamente um trabalho de censo econômico”, define Proença Soares, certo de que a Paep é um primeiro passo na oferta de informações estatísticas consistentes, de que tanto carece o país. Seus resultados certamente serão referência obrigatória para o poder público na formulação de suas políticas socioeconômicas, e são úteis também para os setores empresariais e para a comunidade acadêmica, servindo como fonte de dados para novos estudos e pesquisas.

Metodologia inovadora

Para realizar uma pesquisa tão abrangente como a Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep foi preciso criar metodologia própria, que permitisse medir a atividade econômica, qualificar o processo de reestruturação produtiva e dar insumos para uma análise regional do Estado de São Paulo. O trabalho foi realizado com a ajuda decisiva da comunidade científica. A formatação dos questionários contou com contribuições da Universidade de São Paulo, USP, da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, entre outras instituições de ensino.

Entidades sindicais patronais também ajudaram decisivamente, em especial na checagem das questões e na formulação mais adequada para entendimento do empresário. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Fiesp, por exemplo, auxiliou até na localização de determinadas empresas. Na estrutura de campo, trabalharam mais de 500 pesquisadores, durante um ano. Havia questionários especiais para a indústria da construção civil e questões especialmente formuladas para a extração de dados específicos da agroindústria que, no caso de São Paulo, é uma atividade importante.

As entrevistas eram pré-agendadas e, na data, o pesquisador ia até a empresa, instalava os disquetes ou deixava o questionário em papel, dando os esclarecimentos necessários. As empresas tiveram, em média, uma semana para responder, porque algumas perguntas exigiam informações dos contadores, engenheiros de produção e outros executivos. Foi montada uma estrutura de retaguarda para esclarecimento de dúvidas através de Internet, fax e telefones, além de cinco escritórios operacionais no interior do Estado, em áreas cedidas por parceiros.

A opção de disponibilizar as informações não em tabelas, mas no formato CD-ROM, é para ampliar a possibilidade de uso da base de dados. O produto pode ser comprado na Fundação Seade (Av. Cásper Líbero, 478, telefone 227-9788). Há, incluso, um glossário metodológico que, impresso, tem mais de 300 páginas. Se houver interesse em apenas um dos segmentos estudados, há versões por setor (a completa, custa R$ 250; a da indústria, R$ 150; a do comércio, R$ 75; a dos serviços, R$ 75; e a dos bancos, R$ 40).

Perfil:
Luiz Henrique Proença Soares, 45 anos, é graduado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Fez mestrado e doutorado no Institut d’Urbanisme de Paris, Universidade de Paris XII. Trabalha na Fundação Seade desde 1987, exercendo o cargo, desde 1995, de diretor adjunto de Produção de Dados.

Projeto:
Pesquisa da Atividade Econômica Paulista (PAEP) (95/04634-4); Modalidade: Projeto Temático; Coordenador: Luiz Henrique Proença Soares; Investimento: R$ 1,1 milhão da FAPESP

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