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CAPA

Tecnologia de ponta

Com a presença de pesquisadores brasileiros e do exterior, do ministro da Ciência e Tecnologia, Luíz Carlos Bresser Pereira, do Coordenador de Pesquisa Agropecuária da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, Lourival Carmo de Mônaco, do presidente da Copersucar – Cooperativa dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo, Homero Correa de Arruda Filho e do presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, a FAPESP lançou oficialmente, nos dias 12 e 13 de abril, o Projeto Genoma Cana.

Uma iniciativa conjunta com a Copersucar, o projeto prevê o seqüenciamento de genes de grande significado para a agroindústria da cana-de-açúcar, especialmente aqueles relacionados com o metabolismo da sacarose e com a resistência da planta a pragas e doenças. O lançamento foi feito durante um workshop internacional, organizado pelo Dr. William Burnquist, pesquisador da Copersucar, que reuniu os maiores especialistas em genoma de cana-de-açúcar.

Num dos lados do auditório da FAPESP, Paulo Arruda, coordenador de DNA do Projeto Genoma Cana, olhou os especialistas de várias partes do mundo reunidos em São Paulo e comentou: “Para nós, isso é muito bom, pois podemos tirar proveito de outras tecnologias, que eles já dominam, e atingir mais facilmente nossos objetivos”. Em outro lado, quem falava era Barbara Huckett, do centro de pesquisas da South African Sugar Association, a associação dos produtores sul-africanos de cana-de-açúcar. “O convite que recebi para estar aqui demonstra uma intenção de compartilhar experiências desde o início”, afirmou.

“Esta é uma maneira muito especial de fazer um bom projeto”, acrescentou. A doutora Huckett não estava sozinha em sua apreciação. Todos os especialistas que participaram do workshop de apresentação do Projeto Genoma Cana à comunidade científica internacional, no auditório da Fundação, consideraram tímidos seus programas com relação ao brasileiro. E mais. Reconheceram que a verba de US$ 8 milhões destinada ao projeto e a competência já instalada da rede virtual de laboratórios Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos (ONSA – de Organization for Nucleotide Sequencing and Analysis ) colocam o grupo de São Paulo na liderança mundial da pesquisa Do genoma da cana-de-açúcar.

Os resultados do workshop já estão começando a aparecer. No fim de abril, de acordo com Arruda, estavam bem adiantados os entendimentos para uma parceria com Jean Cristof Glaszmann, pesquisador do CIRAD, o instituto francês de pesquisas sobre agricultura tropical e subtropical, para um mapeamento conjunto de elementos identificados pelos pesquisadores de São Paulo; e também com Andrew Paterson, da Universidade da Geórgia, dos Estados Unidos, que acaba de receber uma verba de US$ 3,5 milhões para fazer o seqüenciamento genético do sorgo.

O sorgo e a cana-de-açúcar são Geneticamente parentes muito próximos e a cooperação entre as equipes de pesquisa dos dois projetos pode resultar em descobertas decisivas, não só para essas plantas mas para as gramíneas em geral. “Com os demais estrangeiros, também deverá haver interação, em maior ou menor escala, mas ela ainda se está definindo”, informou o coordenador.

“Certamente, há possibilidade de colaboração entre o CIRAD e o projeto brasileiro, que trará um volume enorme de informações para a comunidade científica envolvida com a cana”, afirmou Laurent Grivet, do instituto francês, que participou do workshop. “Os Estados Unidos e o Brasil teriam muitos benefícios se coordenassem os programas do sorgo desenvolvidos por nós e o Genoma Cana da FAPESP”, declarou Andrew Paterson, da Universidade da Geórgia. “Juntos, poderíamos aprender como usar melhor os resultados desses importantes projetos. Como líder do projeto do sorgo, fico muito entusiasmado com essa possibilidade”, completou.

Importância econômica
O interesse dos especialistas da África do Sul, Austrália, Estados Unidos e França presentes ao workshop se justifica. O domínio do conhecimento do genoma de plantas e das tecnologias aliás, investiu somente em 1998 nada menos de US$ 85 milhões em seu programa de pesquisas de genoma de plantas. Para o Brasil, ampliar o conhecimento genético sobre cana-de-açúcar é fundamental para sua economia – o que justifica o empenho e as iniciativas da FAPESP na área. O Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar, responsável por 25% da produção mundial, e, desse total, 60% saem do Estado de São Paulo. Só nesse Estado, a cana movimenta negócios da ordem de R$ 8 bilhões por ano e é responsável por 600 mil empregos diretos.

São Paulo é líder mundial em produtividade da cana-de-açúcar, obtendo o menor custo de produção do mundo, e importante exportador de açúcar. Era natural que um projeto relacionado com a cana se seguisse ao sucesso do Projeto Genoma-Xylella, relacionado com a produção de laranja. “O desafio do próximo século para a humanidade é a ampliação da produção de alimentos e fibras de forma amigável com o meio ambiente”, declarou o diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez. “Isso vai depender da nossa capacidade de fazer biotecnologia”, acrescentou.

Perez lembrou ainda que a idéia de fazer um projeto genoma dos genes expressos da cana de açúcar surgiu na Copersucar e foi trazida à FAPESP pelo professor Carlos Vogt, diretor executivo do Uniemp – Fórum Permanente das Relações Universidade e Empresa. “A proposta foi analisada pela nossa assessoria, que nos garantiu que o projeto não só era viável como respondia a uma atualidade”, disse o diretor científico da FAPESP, assinalando, ainda, que o Projeto Genoma Cana tem uma vocação nacional. Falando na cerimônia de lançamento do projeto, o ministro da Ciência e Tecnologia, Luís Carlos Bresser Pereira, pediu que os cientistas defendam as plantas transgênicas, atualmente sob ataque de grupos ambientalistas.

De acordo com o ministro, projetos para mapear os genes de um organismo, quando são lançados, recebem o apoio de toda a comunidade científica. Mas, quando os conhecimentos obtidos são postos em prática e se avizinham das plantas transgênicas, surgem os protestos. O ministro citou especialmente as exigências do completo conhecimento das conseqüências das modificações de um organismo antes de seu uso, o chamado full knowledge .

“Estamos entre cientistas e sabemos que, pelo menos depois de Karl Popper, uma exigência dessas é absolutamente ridícula”, disse Bresser Pereira.”Existe conhecimento provável, falseável, mas exigir full knowledge é voltar ao tempo das cavernas”, acrescentou. Popper, um filósofo da ciência britânico de origem austríaca, morto em 1994, defendia a idéia de que a atitude científica, diante de uma hipótese, não é procurar casos particulares que a confirmem, mas procurar casos que a tornariam falsa.

A ciência progrediria por conjeturas e refutações, num processo que tende ao conhecimento objetivo. De qualquer maneira, a FAPESP não está sozinha no Projeto Genoma Cana. Ele tem a participação da Cooperativa dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar), inclusive no financiamento do programa. Não é pouca coisa. A Copersucar pesquisa o melhoramento da cana-de-açúcar há mais de 30 anos. Os conhecimentos adquiridos nessas pesquisas estarão à disposição do projeto.

“O melhoramento genético da cana- de-açúcar foi um dos primeiros projetos do Centro de Tecnologia da Copersucar, em1969, e continua até hoje como o programa que detém a maior parcela do nosso esforço”, disse o presidente da Copersucar, Homero Correa de Arruda Filho, acrescentando: “Hoje, os conhecimentos em genética molecular passaram a ser aplicados em cana-de-açúcar. O complexo sistema bioquímico que a planta utiliza para produzir açúcar já não é mais uma caixa preta, mas estamos longe de conhecer os 50 mil genes da planta. O Projeto Genoma Cana da FAPESP veio de encontro aos nossos objetivos e necessidades”.

Identificação
Em princípio, um projeto genoma se destinaria a descrever e definir todos os genes de uma planta. Não é o que vai acontecer no Genoma Cana. A prioridade é identificar genes relacionados com o metabolismo da sacarose no interior da planta, a resistência da planta a pragas e doenças e a tolerância a condições adversas de clima e solo. Para isso, será usado o método das Expressed Sequence Tags (EST), uma tecnologia de seqüenciamento mais rápida e baseada apenas nas porções dos genes expressos, que codificam proteínas. Do genoma total de uma planta, apenas entre 1% e 5% se referem a genes expressos.

Os outros genes são classificados comojunk (lixo), ou seja, genes que aparentemente não têm função, ou estão relacionados apenas com a sobrevivência e a manutenção das células. O mesmo método está sendo usado no Brasil pelo Projeto Genoma Humano do Câncer, financiado pela FAPESP e Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, e , nos Estados Unidos, pelos projetos dos genomas do rato, da soja e do milho. A estratégia de execução do Genoma Cana é idéia do coordenador de DNA do projeto, Paulo Arruda, professor do Departamento de Genética do Instituto de Biologia e diretor do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (Cbmeg) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Arruda optou por realizar a anotação do genoma à medida que as ESTs vão sendo geradas. Isto é, ao mesmo tempo em que os genes da cana-de-açúcar forem conhecidos, doze grupos estarão realizando o chamado data mining (mineração de dados), ou seja, buscando em bancos de dados de todo o mundo genes semelhantes, ou já descritos, que possam estar relacionados com o metabolismo da cana-de-açúcar ou sua resistência a patógenos ou fatores de estresse, como secas e geadas.

Dezenas de milhares
O Projeto Genoma Cana deverá seqüenciar pelo menos 50 mil genes, ou 300 mil ESTs. Cerca de duas mil seqüências já foram geradas e a intenção é chegar a 20 mil atéo fim deste ano. Cada seqüência tem 500 nucleotídeos ou 0,5 KB, a kilobase, unidade de medida dos nucleotídeos. É importante destacar que a utilidade do projeto não pára na cana-de-açúcar. “Já encontramos seqüências do genoma da cana que são praticamente homólogas às do câncer de mama”, disse o professor Arruda. “A proteína indutora da prolactina também está lá. Vamos caracterizá-la, ver o que ela faz e, quem sabe, enriquecer um alimento com essa proteína”, completou. A função de Arruda é gerar as bibliotecas de cDNA, distribuir os clones para seqüenciamento e coordenar o fluxo de informações entre os laboratórios e o setor de bioinformática.

João Carlos Setúbal e João Meidanis, do Laboratório de Bioinformática da Unicamp, veteranos do Projeto Genoma Xylella , vão comandar a parte de bioinformática do projeto. Nos laboratórios da Cbmeg, também na Unicamp, os biólogos Edson Kemper e André Luiz Vettore estão preparando as bibliotecas, ou seja, as coleções de clones do DNA da cana-de-açúcar. A seleção dos grupos inscritos para participar do projeto, já foi feita.

“Participar de projetos como este é levar a infra-estrutura e a competência metodológica dos laboratórios para um nível de competição internacional”, afirmou Marie-Anne Van Sluys, do Departamento de Microbiologia da Universidade de São Paulo (USP), um dos inscritos para participar do projeto. Participarão do seqüenciamento quinze laboratórios, que serão equipados com aparelhos Perkin Elmer ABI 37796, de 96 canaletas, capazes de produzir 200 seqüências por dia. Calcula-se que 100 pesquisadores serão envolvidos no projeto. As descobertas do Genoma Cana só serão divulgadas quando os pesquisadores esgotarem as possibilidades de patentes. Depois disso, serão colocadas num banco de dados público internacional, o Genebank.

Desfile de cérebros
O workshop de abril reuniu no auditório da FAPESP representantes de alguns dos mais importantes institutos do mundo ligados a pesquisas com a cana-de-açúcar. Entre os representantes estrangeiros, estavam:

– Stevens Brumbley, pesquisador do Bureau of Sugar Experiment Station, em Queensland, na Austrália. Trabalha com dois projetos genoma, um relativo à própria cana-de-açúcar e outro a uma bactéria que produz uma doença na planta. Também investiga fatores não-biológicos que causam estresse na cana.

– Laurent Grivet, do Centre de Cooperation Internationale en Recherche Agronomique Pour le Development (CIRAD), centro de pesquisas sobre agricultura tropical e subtropical financiado pelo governo francês. Estuda a contribuição das diversas espécies do gênero Saccharum para a formação do Saccharum officinarum , a cana-de-açucar comercial.

– Barbara Huckett, da estação experimental da South African Sugar Association, entidade dos produtores sul-africanos. Pesquisa desde 1995 o DNA da cana-de-açúcar, mas com um projeto muito tímido quando comparado ao brasileiro. Tem apenas uma máquina, capaz de gerar oito seqüências por dia.

– John Manners, do Centro de Pesquisas de Patologia de Plantas Tropicais, do CSIRO, órgão de pesquisas do governo australiano, e da Universidade de Queensland em Brisbane. Trabalha na identificação dos genes que controlam a formação de sacarose nos talos da planta da cana-de-açúcar.

– Blake Meyers, pesquisador do Departamento de Biotecnologia da empresa DuPont, nos Estados Unidos. Estuda ESTs de milho e arroz. Sua empresa tem um banco de dados maior que o Genebank, o site da Internet que dá acesso às seqüências de projetos genoma feitos por instituições públicas.

– Erik Mirkov, virologista de plantas do Departamento de Patologia e Microbiologia de Plantas da Estação Agrícola Experimental da Universidade Texas A e M, do Texas, Estados Unidos. Trabalha com seqüências de vírus, tentando obter plantas transgênicas resistentes a vírus e insetos. Um dos seus objetivos é conseguir novas variedades comerciais resistentes de cana.

– Paul Moore, pesquisador-chefe do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos para frutas tropicais e cana-de-açúcar, pesquisador do Centro de Pesquisas Agrícolas do Hawai e co-fundador do Consórcio Internacional para a Biotecnologia da Cana-de-Açúcar. Trabalha há 30 anos com cana. O Consórcio já tem um projeto de cooperação com a Copersucar.

– Andrew Paterson, pesquisador do Centro de Pesquisas Riverbend, da Universidade da Geórgia, chefe do projeto genoma do sorgo, financiado pela Fundação Nacional da Ciência (NSF) dos Estados Unidos. Estuda as relações entre os cromossomos de diversas plantas, especialmente entre a cana, o sorgo e o arroz.

– Jeffrey Tomkins, pesquisador associado e professor assistente do Genomics Institute da Universidade Clemson, da Carolina do Sul, Estados Unidos. Seu instituto tem a maior biblioteca de BACs (Bacterial Artificial Chromossomes), vetores que carregam grandes pedaços de DNA, usados para clonar porções não expressas dos genes, de animais e plantas do mundo.

Completando vazios
O projeto precursor da FAPESP na área dos genomas, o Genoma Xylella , para o seqüenciamento da bactéria Xylella fastidiosa , causadora da Clorose Variegada dos Citros, a doença do amarelinho, está um ano adiantado com relação ao programa previsto. Os cientistas, atualmente, analisam as seqüências geradas do genoma e as comparam com outras já descritas e arquivadas em bancos de dados internacionais e identificam as próprias descobertas. O coordenador de DNA do projeto, Andrew Simpson, já enviou um pedido de patente para os Estados Unidos.

O esforço final é fechar os gaps, ou buracos na seqüência de bases do DNA, do genoma da bactéria. Os cientistas costumam comparar os gaps a peças que faltam num quebra-cabeças. Para seqüenciar o DNA, foi preciso quebrá-lo em pequenos pedaços, distribuídos pelos 33 laboratórios da rede Onsa. Na montagem final do quebra-cabeças, descobriu-se que o genoma da Xylella era pelo menos 20% maior do que se esperava.  Até agora, foram seqüenciados 2,3 MB.

Xylella já é a quinta maior bactéria seqüenciada no mundo. O Genoma Humano do Câncer, um acordo de cooperação firmado em março entre a FAPESP e o Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, se destina a descobrir novos genes, a partir da investigação do material genético de tumores cancerígenos. Deverá, assim, entrar em regiões codificadoras ainda não exploradas do genoma humano. A coordenação está examinando os grupos que se candidataram para participar do projeto, com o objetivo de montar a rede de laboratórios.

Mais dois projetos estão a caminho. Um é o Genoma Funcional da Xylella , a verificação das funções dos genes identificados no seqüenciamento e as proteínas que eles codificam. Outro é o genoma da Xantomonas campestris , a bactéria causadora do cancro cítrico, uma das doenças que causam os maiores prejuízos aos laranjais brasileiros.

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