Imprimir PDF Republicar

carta da editora | 354

Termos genéricos e rigor

Câncer é um termo guarda-chuva usado para agrupar mais de 100 doenças, todas caracterizadas pelo crescimento descontrolado de células. Fruto de erro no processo normal de reprodução celular, pode ocorrer em qualquer órgão e tecido, por diferentes mecanismos, o que dificulta o desenvolvimento de um tratamento abrangente.

Terapias convencionais incluem quimioterapia, radioterapia e cirurgia, com variados graus de eficácia e efeitos colaterais. Uma rota mais recente são as imunoterapias, que almejam o aumento ou o restabelecimento do sistema de defesa do corpo humano. Enquanto os tratamentos convencionais eliminam o câncer, o objetivo dessas terapias é ajudar o próprio sistema imunológico a fazê-lo. Exemplos incluem os anticorpos monoclonais, elaborados em laboratório, e as vacinas contra determinados tipos de câncer, como HPV.

A descoberta nos anos 1980 de que era possível manipular os linfócitos T, uma família de células que coordena a resposta imunológica, destrói células infectadas ou cancerosas e age como memória viva desses alvos, levou a uma nova área de pesquisa. Hoje, as células CAR-T se consolidam como tratamento de certos cânceres do próprio sangue. Os linfócitos T de um dado paciente são extraídos e, em laboratório, são acrescentados receptores sintéticos programados para identificar o antígeno específico do câncer que o acomete, criando-se um medicamento vivo, feito sob medida.

O Hemocentro de Ribeirão Preto, ligado à USP, foi pioneiro no Brasil em oferecer essa terapia, em 2019. Lá funciona o maior centro da América Latina especializado na produção de linfócitos T geneticamente modificados. Nosso editor de Ciências Biomédicas, Ricardo Zorzetto, passou dois dias no Núcleo de Terapia Avançada de Ribeirão Preto e relata o estado da arte das pesquisas e tratamentos nessa área, que tiveram início nos anos 2000 com o Centro de Terapia Celular, financiado pela FAPESP. Torná-la mais acessível é um dos objetivos de instituições brasileiras empenhadas em criar versões próprias das CAR-T, por meio de diferentes mecanismos, como alternativa aos produtos comerciais existentes, de custo proibitivo e indisponíveis no SUS.

Outra viagem da equipe, que também contou com o registro fotográfico de Léo Ramos Chaves, nasceu da entrevista com o engenheiro Renato Cotta. Atuante no Programa Nuclear da Marinha, Cotta participou do desenvolvimento das ultracentrífugas de enriquecimento de urânio que produzem combustível para as usinas de Angra, RJ. Por seu intermédio, nosso editor de Tecnologia, Yuri Vasconcelos, visitou as instalações do Centro Industrial Nuclear de Aramar, em Iperó, SP. Ele relata o andamento do programa, que, entre altos e baixos de orçamento, avança há 40 anos. Nessa temática, outra reportagem mostra que as universidades públicas brasileiras têm recorrido crescentemente a emendas parlamentares para financiar desde sua infraestrutura e manutenção até projetos de pesquisa.

*

Enquanto fechávamos esta edição, chegou a notícia da morte do filósofo Luiz Henrique Lopes dos Santos, coordenador científico desta revista por 21 anos. É difícil sintetizar a sua importância na construção da identidade da publicação. Deixa como legado a defesa da precisão e da qualidade do texto e a busca pelo equilíbrio entre o rigor científico e a comunicação jornalística para o público mais amplo. Além do obituário, convido-os a ler (ou reler) a entrevista publicada em maio (ver Pesquisa FAPESP nº 351), concedida antes do diagnóstico de câncer. Expressava-se com o rigor da lógica e fina ironia.

Republicar