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Humanidades

Um recital bem brasileiro

Dia 4 de maio de 1999, 18 horas. Esse dia ficará marcado na história do Instituto de Estudos Brasileiros. Em seu amplo saguão de entrada, onde foi instalado um piano Steinway de meia-cauda, o Prof. José Eduardo Martins apresentou um pequeno recital para comemorar a chegada da partitura de Carlos Gomes. O repertório foi selecionado com a sensibilidade do pianista que, em sua carreira, transita com facilidade pelas páginas de compositores de todas as épocas. Mas, para aquela tarde, escolheu só obras brasileiras, curtas, de grande efeito sonoro e importância musical.

De Carlos Gomes, o Prelúdio de A Noite do Castelo na redução para piano do próprio Gomes. Sim, pois devido ao grande sucesso alcançado pela ópera quando de sua estréia, em 1861, Rafael Coelho Machado angariou o apoio de alguns entusiastas e naquele mesmo ano editou a partitura revisada pelo compositor. E a audição do trecho – originalmente para orquestra – por José Eduardo foi o momento mais esperado, pois atestou a todos a importância do manuscrito recém-chegado. De fato, neste Prelúdio, vigoroso como os das óperas de Bellini, Donizetti, Verdi e tantos outros que vieram após Rossini, já se entrevê a ambientação italiana onde bailam melodias brasileiras do músico campineiro.

Com oEstudo de 1897, de Henrique Oswald, composto em Florença, o pianista deu aos ouvintes a oportunidade de permanecer mais um pouco em domínios italianos. Ventos propriamente nacionais sopraram quando passamos para o século XX: Villa-Lobos, Gilberto Mendes e um extra! Do maestro carioca, Alma Brasileira, vale dizer, o Choro nº 5, composto em 1926, obra extremamente bem construída e por isso mesmo das mais executadas. Estados de ânimo opostos, emblemáticos de nossa música popular, como as serestas ou os ritmos alucinantes das macumbas, foram tratados com maestria, tanto na composição quanto por José Eduardo.

A audição de Viva-Villa, de Gilberto Mendes, introduziu o jogo, a “blague”, com esta obra composta em 1987 comemorando o centenário da morte de Villa-Lobos. Nela, Gilberto adotou uma forma arrojada, minimalista, para dialogar com o passado, introduzindo os ritmos binários pesquisados na obra do autor das Bachianas; conclui em compasso de bossa-nova, única esfera da música popular brasileira que Villa não usou porque morreu em 1959.

No “extra”, uma dupla homenagem: de Camargo Guarnieri, Martins tocou a Dança Negra, composta em 1946, dedicada a Lídia Simões, já falecida, grande intérprete do compositor paulista. Curioso, pois, na escolha de José Eduardo, ele homenageou não apenas o autor, artista que desenvolveu parte de sua vida criadora junto à Universidade de São Paulo, como também Cinthia Priolli, outra grande intérprete da obra de Guarnieri, aluna da Pós- Graduação do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes, recém-falecida.Entre homenagens e boa música, um fim de-tarde brasileiro para receber A Noite do Castelo.

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