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Opinião

Uma agricultura familiar eficaz

É professor da Fundação Instituto de Administração da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo

O Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA), coordenado pela EMBRAPA, vem dedicando prioridade ao desenvolvimento de tecnologia agrícola para unidades familiares de produção. O Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF) e os programas de colonização e reforma fundiária do governo federal, bem como o Movimento dos Sem Terra (MST) reforçam a importância social e política da pequena propriedade agrícola. As reivindicações recentes do MST para o perdão de dívidas e concessões de novos créditos agrícolas salientam a questão das dificuldades econômicas desses produtores, dando destaque à importância da tecnologia como elemento estratégico para a viabilização econômica desse importante segmento da agricultura.

A análise dos programas de pesquisa para a agricultura familiar da grande maioria das organizações estaduais de pesquisa agropecuária aponta prioridades para as culturas de milho, arroz, feijão, soja, leite e outros produtos de consumo, a grande maioria dos quais pode ser considerada como commodities agrícolas. Entretanto, a agricultura familiar, em geral, não tem condições para disputar mercados globalizados na produção de commodities , em que a concorrência se faz pelo preço, dentro de padrões internacionais. O agricultor familiar não tem a escala de produção e o capital (ou acesso ao crédito) necessários para a mecanização e a aquisição de insumos modernos. Sem o capital, nível educacional e cultural para adotar a tecnologia moderna, o pequeno produtor não alcança índices de produtividade e rentabilidade na produção de commodities que lhe permitam ter vida digna. Assim, para os “sem-terra” assentados e os outros produtores familiares, o domínio da terra não resolve sua necessidade econômica. Esta situação também constitui dilema para as políticas agrícola, social e fundiária, em que a solução de um problema social agrava o problema econômico. Entretanto, existem outras oportunidades para a prosperidade dos produtores familiares.

O mercado de consumo se divide entre produtos padronizados, para os quais a concorrência se faz pelo preço — característica do commodities — e outros segmentos, de diversificação e de nichos de mercado, que se caracterizam pelo atendimento individualizado do consumidor mais sofisticado. Engloba produtos como frutas frescas, hortícolas, flores e plantas ornamentais, cultivo protegido, carnes de pequenos animais e produtos processados semi-artesanais, entre muitos outros. Tipicamente intensivos em mão-de-obra e aptos para pequena escala, não necessitam alta tecnologia e uso intensivo de insumos de alto custo, sendo apropriados para produção familiar. A tecnologia de produção é tipicamente empírica. Além da diversificação de produtos, pelo menos três oportunidades adicionais apresentam características apropriadas à produção familiar. Uma opção é a produção para nichos nos mercados de produtos tipo commodities , em que características especiais são exigidas. Nestes casos — como, por exemplo, o de cafés finos, de alta qualidade de bebida, poucos defeitos ou “orgânico”, ou o de frango caipira — o critério de compra do consumidor não é unicamente o de preço baixo, mas a satisfação de sua demanda, ou o equilíbrio entre qualidade e preço. Atender esses nichos dos mercados constitui uma alternativa para a viabilidade econômica da produção familiar, recebendo preços substancialmente maiores que os commodities .

No caso de cafés finos e especiais, os preços são 30% a 40% acima do mercado normal.A segunda opção consiste de sistemas de produção alternativos, com baixa utilização de insumos modernos de alta produtividade, como adubos químicos e agrotóxicos. São sistemas produtivos de alta tecnologia e sofisticação, com produtividade por área, em geral, menores que as da agricultura moderna, mas com custo de insumos muito reduzido, permitindo a rentabilidade de produção em pequena escala. A fertilidade dos solos é mantida e as pragas e doenças controladas pela escolha, combinação e rodízio de culturas e manejo de resíduos e dejetos. Mais uma oportunidade se apresenta na forma de integração vertical, em que o produtor aumenta a rentabilidade da sua produção pela adição de valor pelo processamento e comercialização. Em Santa Catarina, os suinocultores familiares produzem embutidos e carnes processados artesanais, com grande aceitação no mercado. No Paraná, os produtores de batata a transformam em batatinha frita sem sal, dispensando embalagens caras e contornando o domínio das empresas multinacionais neste mercado. Essas e outras alternativas para a agricultura familiar carecem de desenvolvimento de mercado e, especialmente, tecnologias de produção apropriadas à escala pequena. Constituem os verdadeiros desafios da pesquisa agropecuária de grande importância social.

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