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ENERGIA

Usinas eólicas em alto-mar podem fornecer eletricidade para plataformas de petróleo

O primeiro teste de uma estrutura em escala reduzida foi realizado com bons resultados no país

Tanque oceânico da UFRJ onde foi testado o modelo em pequena escala de turbina eólica flutuante projetado na USP (estrutura amarela)

Claudia Martini / Petrobras

A redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) em plataformas marítimas de produção de petróleo é uma preocupação crescente da indústria de óleo e gás, e dois projetos de pesquisa em desenvolvimento no país podem colaborar com esse objetivo. A Petrobras e a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) trabalham em um sistema flutuante de geração eólica adequado para fornecer energia elétrica às unidades produtoras estabelecidas na região do pré-sal. A outra iniciativa reúne a petrolífera China National Offshore Oil Corporation (CNOOC) e o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ). Em agosto, as duas instituições fecharam uma parceria para desenvolver parques offshore para a geração elétrica utilizando fontes renováveis híbridas.

As plataformas de petróleo marítimas são tradicionalmente atendidas em suas necessidades de abastecimento elétrico por geradores de energia movidos a diesel ou a gás natural. As reservas do pré-sal brasileiro se caracterizam por uma composição de gás natural associado a óleo. As plataformas situadas nessa região empregam o gás extraído no próprio local para o funcionamento de seus geradores.

Segundo o professor de estruturas oceânicas e engenharia submarina da Coppe Segen Estefen, os maiores navios-plataforma do tipo FPSO (Unidade Flutuante de Armazenamento e Transferência) que atuam no pré-sal demandam, cada um, geradores com 150 megawatts (MW) de potência instalada. A energia gerada nas plataformas movimenta diversos equipamentos necessários à exploração, como produção, separação de óleo e gás, injeção de água e reinjeção de gás nos poços, bem como à acomodação dos trabalhadores.

O projeto em desenvolvimento na Poli-USP prevê o uso de um sistema flutuante de geração eólica estabelecido em uma base ancorada no leito oceânico para o abastecimento direto de sistemas submarinos ou do próprio FPSO, reduzindo a emissão de GEE do gerador a gás natural. “A ideia é que a estrutura fique ancorada a uma distância segura da plataforma e a energia seja transportada por meio de cabos elétricos chamados umbilicais”, explica o coordenador do projeto, Alexandre Simos, professor de engenharia naval e oceânica da Poli.

Entrevista: Alexandre Simos
00:00 / 11:30

Distância segura é aquela que garante que não haverá danos à plataforma no caso de uma avaria no sistema de ancoragem ou na situação extrema de um eventual tombamento do aerogerador. O rotor desse equipamento, formado pelas pás, normalmente três, e o cubo central onde elas são fixadas, chega a 220 metros (m) de diâmetro – o equivalente a quase seis monumentos do Cristo Redentor. Boa parte do trabalho de engenharia do projeto consiste em evitar a possibilidade desse tipo de ocorrência.

A tecnologia de geração eólica é a mesma em aerogeradores instalados em terra, fixados no leito oceânico em regiões de águas rasas ou em plataformas flutuantes (ver Pesquisa FAPESP 275 e nº 290). As instalações de sistemas flutuantes no mar, no entanto, demandam estudos sobre o tipo de plataforma e ancoragem mais adequadas para dar suporte aos aerogeradores em cada circunstância marítima e climática, incluindo o regime de ventos de cada localidade. É preciso, também, fazer cálculos avançados sobre a estabilidade e as acelerações da plataforma flutuante escolhida, considerando diversas condições combinadas de ondas, ventos e correntes.

O projeto da USP e Petrobras optou por uma plataforma flutuante semissubmersível para dar suporte a um gerador de 15 MW de potência, com a qual poderiam ser montados pequenos parques eólicos flutuantes capazes de atender entre 10% e 30% das necessidades de um FPSO, a depender do seu porte. É uma estrutura com cerca de 100 m de diâmetro, constituída por quatro colunas cilíndricas construídas em aço naval, liga metálica com características anticorrosivas e boa soldabilidade, com calado (a parte submersa) de menos de 20 m. Uma das colunas é a base da torre do aerogerador. Um sistema de correntes e cabos de aço conectado a estacas no leito oceânico faz a ancoragem do sistema.

Em agosto, uma versão em escala reduzida foi testada no Laboratório de Tecnologia Oceânica (LabOceano) da Coppe, que reproduziu as condições extremas do pré-sal da bacia de Santos, região situada a cerca de 300 quilômetros (km) da costa em uma área onde as profundidades marítimas ultrapassam 2 mil metros. “Foi o primeiro teste no mundo de uma estrutura eólica projetada para atuar nessas condições e podemos dizer que os resultados técnicos foram positivos”, diz Simos. O experimento foi pioneiro ao avaliar o uso de energia eólica para o abastecimento de um sistema submarino de injeção de água em poço de petróleo.

Para o engenheiro naval Kazuo Nishimoto, professor do Departamento de Engenharia Naval e Oceânica da Poli-USP e diretor científico do Centro de Inovação em Tecnologia Offshore (Otic), um dos Centros de Pesquisa em Engenharia (CPE) apoiados pela FAPESP e pela petrolífera Shell, os parques eólicos são uma das alternativas mais promissoras para abastecimento elétrico de plataformas de petróleo em alto-mar, mas alguns obstáculos precisam ser superados.

“Ainda existem desafios técnicos para instalar, operar e manter essas usinas em águas profundas, onde estarão submetidas a regimes extremos de ondas, ventos e correntezas. É necessário projetar e desenvolver novos sistemas que permitam a instalação e a manutenção com custo aceitável”, diz Nishimoto. “Além disso, estruturas de geração de energia renovável no mar, como as eólicas ou solares, ainda são muito caras em comparação aos sistemas convencionais usados hoje, que emitem CO2 [dióxido de carbono]. Será preciso baixar o custo para que se tornem economicamente viáveis.” O Centro de Inovação em Tecnologia Offshore dedica-se a analisar e integrar diversas soluções de descarbonização em operações offshore.

Cooperação sino-brasileira
A cooperação entre a chinesa CNOOC e a UFRJ envolve dois projetos que serão conduzidos pelo Grupo de Energias Renováveis no Oceano (Gero), vinculado ao Laboratório de Tecnologia Submarina da Coppe. Um projeto investigará quais tecnologias de plataformas eólicas offshore para profundidades de até 150 m são mais adequadas às condições marítimas e climáticas e ao regime de ventos do litoral brasileiro.

O estudo envolve também a indicação das melhores concepções de produção das estruturas, a adequação dos insumos disponíveis, como o aço ou o concreto de melhor desempenho, e a logística de reboque da estrutura do estaleiro ao local de operação. Os procedimentos de manutenção e reparo dos equipamentos offshore são temas também abordados pelos pesquisadores.

O outro projeto conduzido pelo Gero é voltado para o abastecimento de plataformas de petróleo em águas com profundidades entre 500 e 2,5 mil m utilizando o conceito de parques híbridos, com geração eólica, solar fotovoltaica e por meio de conversores de energia das ondas, que aproveitam a força das ondas para movimentar uma turbina e gerar eletricidade (ver Pesquisa FAPESP 113 e nº 290).

A ideia é que cada gerador tenha sua base flutuante própria, podendo ou não compartilhar os sistemas de ancoragem. A vantagem potencial a ser estudada é a estabilidade e a segurança que o conjunto de diferentes fontes pode proporcionar ao sistema. “Um grande desafio das instalações em águas profundas é o impacto de ondas de grande magnitude sobre os sistemas eólicos e solares”, descreve Estefen.

Os pesquisadores cogitam instalar os conversores de onda a fim de proteger o conjunto de geradores eólicos e solares. Assim, o equipamento, além de gerar energia, atuará como um amortecedor, reduzindo o impacto das ondas a montante, que se formam antes de atingir as usinas geradoras de energia. “Com maior estabilidade, os geradores eólicos ganham produtividade e os fotovoltaicos durabilidade”, justifica o engenheiro.

Usinas solares flutuantes (ver Pesquisa FAPESP nº 324) são utilizadas hoje apenas sobre águas calmas. Por isso, terão que ser testadas e provavelmente aprimoradas para o emprego em condições mais turbulentas. “Teremos dois anos de trabalhos intensos até o teste em protótipo do parque híbrido no LabOceano”, diz Estefen.

EquinorParque eólico flutuante Hywind, na costa da Escócia: primeiro projeto comercial instalado em alto-marEquinor

Usinas flutuantes no mar do Norte
O primeiro parque eólico offshore flutuante do mundo já funciona há seis anos na Europa. Projetado pela petrolífera norueguesa Equinor, foi instalado em 2017 no mar do Norte e é composto por cinco turbinas situadas a menos de 30 km de Peterhead, cidade na costa escocesa para onde é enviada a energia gerada.

Neste ano, a Equinor inaugurou, também no mar do Norte, o maior parque eólico flutuante do mundo, para prover eletricidade a plataformas de petróleo. Composto por 11 turbinas com capacidade instalada de 88 MW, ele deverá atender 35% da necessidade energética de suas cinco plataformas de petróleo no local, evitando a emissão de cerca de 200 mil toneladas de GEE por ano.

A infraestrutura está instalada a 140 km da costa da Noruega em uma lâmina d’água de até 300 m de profundidade, muito inferior aos 2 mil m do pré-sal brasileiro. Tanto a estrutura pioneira escocesa quanto a recém-inaugurada no mar do Norte utilizam bases flutuantes do tipo spar – tecnologia que prevê apenas um cilindro vertical com calado que pode superar 100 m, de acordo com cada instalação.

A Petrobras entrou com processo de licenciamento ambiental para a instalação de um parque eólico flutuante em águas com profundidades entre 120 e 160 m a 42 km de Cabo Frio, no litoral fluminense. O pedido prevê até 178 aerogeradores de 18 MW cada um. Por ora, o Brasil ainda não conta com legislação sobre o direito de uso de áreas marítimas para a geração de energia renovável nem com normas de concessão. No Congresso Nacional tramitam três projetos de lei com o objetivo de regular o tema.

Projetos
1.
Otic – Centro de Inovação em Tecnologia Offshore (no 22/03698-8); Modalidade Centros de Pesquisa em Engenharia (CPE); Convênio BG E&P Brasil (Grupo Shell);Pesquisador responsável Kazuo Nishimoto; Investimento R$ 16.027.741,80.
2. Modelagem e simulação numéricas aplicadas à energia eólica – Parte da proposta HPCWE submetida à chamada H2020-FETHPC-2018-2020 (no 19/01507-8); ModalidadeAuxílio à Pesquisa – Regular; Convênio União Europeia (Horizonte 2020); Pesquisador responsável Bruno Souza Carmo; Investimento R$ 164.874,24.

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