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Ficção

Viagem ao fim do tempo: uma fantasia

Quando eu era jovem, costumava construir espaçonaves com partes de naves antigas. Viajava de planeta em planeta, à procura de objetos para a minha coleção. Em uma dessas viagens, cheguei ao enorme hangar do sr. Ström. Ele era conhecido em toda a galáxia, não só pela sua loja de peças usadas, mas por sua fama de ter sido o primeiro a se aproximar de um buraco negro e escapar com vida, uma história que muitos acreditavam fosse apenas isso, uma história.

Pedi ao sr. Ström que me contasse a sua aventura. Seus olhos eram dois poços escuros onde nadava a mais profunda tristeza, abismos gêmeos e sem fundo, como dois buracos negros em miniatura. “Eu era o comandante de uma frota construída para explorar a misteriosa fonte de raios X conhecida como Cisne X-1”, ele começou. “Desde 1970, há mais de três milênios, os astrônomos acreditavam que essa fonte de radiação, a 6 mil anos-luz da Terra, era um sistema binário: uma estrela do tipo gigante azul com 20 a 30 massas solares orbitando um buraco negro.”

Eu comandava a nave CX1 e meu irmão caçula, a nave CX3. Deixando de lado os preparativos da missão, finalmente chegamos a um mês-luz de nosso destino. A vista era magnífica; podíamos ver a gigantesca estrela azul sendo drenada de sua própria essência por um buraco no espaço!

Devíamos voar em direção ao buraco negro, meu irmão na frente e eu por último. Sabíamos que um buraco negro é circundado por uma esfera imaginária denominada horizonte de eventos, que marca a distância de onde nem mesmo a luz pode escapar. A nave de meu irmão deveria se aproximar do buraco negro, enviando sinais luminosos periodicamente;  minha missão era captar esses pulsos, analisar sua freqüência e o intervalo entre eles, e depois comparar meus resultados com as previsões da relatividade geral. As naves voaram até uma distância de 10 mil quilômetros do buraco negro; enquanto minha nave deveria permanecer a essa distância, meu irmão viajaria até cem quilômetros do turbilhão. De lá, ele deveria enviar sinais em radiação infravermelha. Mas recebi apenas ondas na longa freqüência de rádio; a previsão de Einstein, que a radiação perde energia ao escapar de campos gravitacionais intensos, estava correta. Mais ainda, o intervalo entre os pulsos aumentou bastante: quando visto de minha nave, o tempo estava passando mais devagar para meu irmão. Ele mergulhou até a perigosa distância de alguns quilômetros do horizonte de eventos. Dessa órbita meu irmão deveria enviar sinais de luz visível. Mas tudo o que detectei foram as invisíveis ondas de rádio; a espaçonave de meu irmão também havia se tornado completamente invisível. O outro efeito era a variação na passagem do tempo. À medida que meu irmão se aproximava do buraco negro, o intervalo entre os pulsos de radiação que ele emitia se tornava cada vez maior. Se ele passasse do horizonte de eventos, não receberíamos mais nada.

As instruções de meu irmão eram que ele retornasse após duas órbitas em torno do buraco negro. Mais do que isso, e a espaçonave acabaria por cair, destruída, dentro do abismo. Recebi outra mensagem, que, após decodificada, dizia: “Fim?. Meu irmão havia sido tragado pelo buraco negro.” Os olhos do sr. Ström foram inundados por lágrimas saudosas, desesperadas.
“Eu decidi procurá-lo. Talvez a teoria estivesse errada e fosse possível mergulhar além do horizonte de eventos. Conforme a teoria, uma vez que se cruza o horizonte de eventos, o único movimento possível é na direção do centro do buraco negro, conhecido como singularidade central, onde a gravidade é infinitamente forte. É como se, dentro do buraco negro, o espaço se tornasse unidirecional, com todas as estradas terminando no mesmo ponto. A não ser, claro, que o buraco negro esteja em rotação. E aquele estava.”

Um facho de luz, como uma estrela cadente, passou rapidamente pelos olhos do sr. Ström. Segundo a teoria, a rotação do buraco negro distende a singularidade na forma de um anel; já no século 20, os astrofísicos obtiveram soluções descrevendo buracos negros em rotação que não terminavam em uma singularidade pontual, mas em uma garganta, conhecida como “buraco de verme”, que conectava o buraco negro a um buraco branco, o seu oposto! O que os buracos negros sugam, os buracos brancos expelem.

Assim que mergulhei no buraco negro, o movimento giratório do espaço arrastou-me para o abismo central como um redemoinho que tragasse um navio. Mesmo que eu não pudesse ver nada, meu cérebro produzia uma profusão de imagens e sons, como se todos os meus neurônios tivessem decidido disparar juntos. Eu vi a minha vida passada e a minha vida futura, entrelaçadas. Essa imagem dividiu-se em inúmeras outras, cada uma determinada pelas escolhas que fiz e as que não fiz durante a vida, todos os destinos possíveis confinados em uma única visão. O tempo, dissociado em fibras, enrolou-se em uma bola que segurei na palma da mão, enquanto o espaço se metamorfoseava em infinitas formas, todas coexistindo em um único ponto. Vislumbrei tudo o que era imaginável, tudo o que era possível e impossível. Compreendi que o que chamamos de impossível depende de como definimos as fronteiras da realidade. E, naquele momento, a realidade não tinha fronteiras. Eu vi meus parentes já mortos e aqueles que ainda não nasceram; me vi, já adulto, conversando com minha mãe, embora ela tivesse morrido quando eu era criança. Enquanto me pedia desculpas pela sua ausência, por não ter me visto crescer, por não ter me dado seu amor, era ela que se transformava em criança. Presenciei o meu próprio nascimento e minha mãe me viu morrer. Nossas imagens fundiram-se em um nó, que se transformou em uma lágrima no olho de minha mãe. Quando avancei para abraçá-la, desesperado para tocar sua pele após tantos anos, minha espaçonave foi invadida pela luz mais intensa que jamais vi. Era tarde demais. Minhas mãos atravessaram seu corpo translúcido, e ela desapareceu em meio à minha cegueira branca.

“Eu senti um puxão violentíssimo. Devo ter permanecido inconsciente por um longo tempo. Quando dei por mim e olhei no espelho, meus cabelos estavam completamente brancos e meu rosto estava coberto de rugas que eu não tinha momentos (momentos?) antes. O computador de bordo indicava que eu havia reaparecido a 2 mil anos-luz de distância de Cisne X-1! A única explicação plausível é que eu tenha atravessado um buraco de verme e sido expelido por um buraco branco em um ponto distante do espaço. Segurei o infinito em minhas mãos como se fosse um brinquedo, mas não consegui encontrar meu irmão. Até hoje continuo convicto de que ele tomou um outro caminho no buraco de verme, ressurgindo em algum ponto remoto do Universo e, talvez, no tempo. Às vezes me sinto ligado a ele por teias que retornam ao turbilhão, onde todos os nossos eus são possíveis.”

A narrativa do sr. Ström me comoveu profundamente. Talvez esse lugar exista e a narrativa do sr. Ström seja verdade. Ou, se ele não existe, talvez um dia será criado. Porque é precisamente na fronteira do conhecimento que a imaginação tem o seu papel mais importante; o que ontem foi apenas um sonho amanhã poderá se tornar realidade.

Marcelo Gleiser é professor de Física e Astronomia no Dartmouth College, nos EUA, colunista da Folha de S.Paulo e autor, entre outros, de A dança do Universo.

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